“Centelha”, álbum de estreia dos Bardino, produz belas faíscas sem nunca arder verdadeiramente
Os Bardino lançaram em 2018 um belíssimo EP que roçava o rock progressivo, assim como a música experimental e electrónica. Em 2020, afirmam-se com o primeiro álbum e uma identidade mais coesa, um pouco mais longe das raízes do rock progressivo de 2018 e bem mais perto de uma electrónica ambiente, por vezes lo-fi, a fazer lembrar uma banda sonora de um qualquer jogo beat ‘em up dos anos 90. Esta transformação dá-lhes, sem dúvida, uma coesão necessária, mas ao mesmo tempo retira-lhes alguma da dinâmica mais agressiva que iam buscar ao rock.
Inspirados por um qualquer universo alternativo de Twin Peaks, os Bardino lançam, em pleno ano de pandemia, o seu álbum de estreia, intitulado Centelha. Ao todo, são 9 faixas que nos deixam a navegar por um universo electrónico meio onírico e por vezes psicadélico, embora sem nunca explodir verdadeiramente. Ouvem-se toques de funk e de jazz (principalmente na bateria e teclados), mas, face ao EP anterior, nota-se uma menor influência destes géneros, o que, a gosto pessoal, é uma pena.
Centelha tem diversos momentos bastante visuais graças aos teclados e ambiente mais electrónico. Contudo, a sua progressão limita-se, por vezes, a si mesmo. Algumas músicas repetem-se durante demasiado tempo sem construirem algo, fruto da possível direcção que a banda quer seguir. O exemplo mais claro é a de faixas como “Fumo” ou “Sombra”, onde assistimos a excelentes introduções que teimam em não se desenvolver. Contudo, do lado oposto, temos “Baleia”, “Zona” ou “Limbo”, com incríveis misturas de electrónica e rock, progredindo de forma energética até ao culminar final. O “problema” (se é que podemos realmente chamar de problema) deste álbum é que algumas faixas não acompanham a identidade geral do álbum. Se, no seu todo, Centelha funciona perfeitamente, de forma isolada (separando as faixas) apresenta alguns problemas (referidos anteriormente), mas sem que isso prejudique demasiado a experiência geral.
O álbum cria uma atmosfera que nos remete para uma mistura entre Miami, o universo e os anos 80, tudo elementos que se conjugam perfeitamente. Há uma clara influência cinematográfica, mas também cultural, de uma época onde o ressurgimento do rock progressivo se fazia de mãos dadas com alguma electrónica numa vertente mais pop.
Os Bardino têm uma clara escola de jazz nos seus dedos, mas por vezes sente-se a necessidade de que nos possam levar mais longe do que o fazem, principalmente sabendo que são capazes de o fazer, tendo em conta o que ouvimos no EP anterior. Do ponto de vista “negativo”, este álbum pede algo mais — mais explosões, mais condução, algo que pode ser acrescentado com voz ou mais uma guitarra. Um dos exemplos mais claros é a canção “Baleia”, que tem uma progressão bastante interessante, mas que nunca chega a explodir verdadeiramente, como foi referido anteriormente. Pode não haver necessidade de explosão, isso cabe a cada um decidir por si, mas no seu todo era algo que faria sentido.
Centelha é um óptimo disco de estreia de uma banda que conseguiu fortalecer o seu som e criar um excelente ambiente. Contudo, tendo em conta o potencial de várias músicas e certos momentos, ficamos com a sensação de que poderia ser mais e que nos poderiam elevar a um estado superior, em vez de apenas nos remeterem para uma segura banda sonora. De qualquer forma, os Bardino são banda a seguir neste caótico ano de 2020 (e nos seguintes), tanto pela sua coesão como pela criatividade, que, com um pouco mais de direcção, sem dúvida atingirá outros patamares.