Cientistas descobrem que recetor envolvido na regulação do apetite também controla a memória
Um estudo internacional liderado pela Universidade de Coimbra (UC) revela que o recetor da grelina, uma hormona reguladora do apetite, assume um papel muito importante na interligação dos sinais biológicos de fome, saciedade e memória.
Liderado por Ana Luísa Carvalho, docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC), e por Luís Ribeiro, do CNC, o estudo acaba de ser publicado na revista Science Signaling. A equipa integra outros investigadores do CNC (Mário Carvalho e Tatiana Catarino são também autores principais do estudo) e ainda do Centro de Biologia Molecular “Severo-Ochoa” e Universidade Autónoma de Madrid (Espanha) e do Instituto Interdisciplinar para a Neurociência da Universidade de Bordéus (França).
Com o objetivo de compreender em que medida as hormonas com uma função no metabolismo regulam a função sináptica (que assegura a comunicação entre neurónios essencial à formação de memórias), este estudo consistiu em investigar «se, na ausência da hormona estimuladora, a atividade constitutiva (basal) do recetor da grelina é relevante para a formação de memórias, e se tem impacto nos mecanismos moleculares envolvidos nessa formação», indica Ana Luísa Carvalho.
Ou seja, simplifica a docente e investigadora, sabendo-se que este recetor poderia ter alguma atividade na ausência da hormona, «a designada atividade constitutiva, que é regulada, por exemplo, pelo nível de saciedade do indivíduo, a nossa investigação centrou-se em observar essa atividade em neurónios, o que nunca tinha sido realizado até agora, e em perceber a sua relevância para os mecanismos moleculares de formação de memórias».
Combinando metodologias in vitro e in vivo, onde se incluem estudos de comportamento animal (estudo com murganhos), estudos de imagiologia celular (por exemplo, análises em células vivas de mobilidade intracelular de moléculas) e estudos bioquímicos, os cientistas descobriram que «a atividade constitutiva do recetor da grelina em neurónios do hipocampo é significativa, e que contribui para a regulação tónica do tráfego celular de recetores do glutamato do tipo AMPA e para os mecanismos de plasticidade sináptica, e que suporta a formação de memórias», afirma a coordenadora do estudo. «Nas experiências realizadas, quando a atividade constitutiva do recetor da grelina foi bloqueada observaram-se alterações na memória dos animais», salienta.
Este estudo «identifica a atividade basal de um recetor membranar (cujos níveis e atividade são dependentes do estado interno do indivíduo) como reguladora da formação de memórias. O recetor em causa – o recetor da grelina – tem os seus níveis e atividade basal regulados pelo estado de saciedade do indivíduo, e nós verificámos que essa atividade é importante na capacidade de formar novas memórias e nos mecanismos subjacentes. Fármacos que bloqueiam a atividade constitutiva do recetor são considerados possibilidades terapêuticas em algumas doenças metabólicas, por exemplo, mas é importante ter em conta que poderão ter efeitos secundários ao nível da memória», esclarece a docente da FCTUC e investigadora do CNC.
O estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional através do programa BrainHealth 2020. O artigo científico está disponível aqui.