Cinco discos para descobrir no Festival Mucho Flow, em Guimarães
São 2 dias, 3 salas, e 20 artistas que compõem o cartaz do Mucho Flow. O festival vimaranense, que este ano se apresenta em formato alargado e celebrativo dos 10 anos da Revolve, volta a pautar-se pela programação vanguardista e transversal.
Amnesia Scanner “Another Life” (Pan / 2018)
Após vários EPs e mixtapes editados desde 2015, a dupla finlandesa encontrou na PAN o canal ideal para lançar o seu primeiro longa-duração. Na PAN nasceu também uma ligação além do artista/editora, neste ano editaram “Lexachast” em conjunto com Bill Kouligas, o homem por detrás da visão do excelente selo alemão. Voltando a “Another Life”, é um grito racionalmente desesperado sobre como incorporar elementos da EDM-Pop em electrónica desafiante e com laivos de sociopatia. Em parte, faz lembrar o crise pré-milenar lançada pelos Atari Teenage Riot de Alex Empire no final da década de 1990, agora em versão sem crise mas com as paranóias todas dos millennials. Se na música dos Atari Teenage Riot o ruído, a confusão, crescia por via da insatisfação, quase como um encontro de conformidade entre o rock e a electrónica noise, na música dos Amnesia Scanner serve de voz para uma série de noções fluentes da nossa contemporaneidade: o excesso de informação e desinformação, as questões de género e a ambiguidade generalista dos tempos que se vivem. Os Amnesia Scanner construíram – com ou sem intenção – um álbum sobre estar à frente de tudo. Essa “outra vida” não é mais do que o presente. Os devaneios cibernéticos estão na música, mas os desejos de transcender a nossa humanidade estão em nós. Desmascararam isso bem em “Another Life.
BbyMutha “Muthaz Day 3” (2018)
Artista nascida num período em que o conceito de álbum foi descomplexado, BbyMutha tem editado regularmente desde 2014 nos seus canais próprios. Ou seja, digitais. Os seus discos estão indisponíveis fisicamente, mas são ainda – na maioria – de fácil acesso digitalmente. Editado no ano passado, “Muthaz Day 3” faz parte de uma série que faz referência à vida quotidiana de BbyMutha, nascida Brittnee Moore no final dos 1980 nos Estados Unidos: é mãe de dois pares de gémeos. Leu bem. O hip hop poderia ser um canal para dinamizar uma espécie de autoajuda para mães sem mãos a medir, mas é antes um poderoso manifesto de como agir e reagir num género em constante mutação. BbyMutha não cai no sinistro do trap e ou num conjunto de artifícios formatados. A fluência e a forma como constrói as suas narrativas, intensas histórias que são uma montanha russa de emoções, cativam de imediato pelo flow e confiança descarada. Os beats chegam como bolhas de água a flutuar e a rebentar, lentos, fascinantes e cativantes quando rebentam. Sete temas espalhados em vinte minutos, “Muthaz Day 3” é um tórrido manifesto do hip hop actual.
Croatian Amor “Genitalia Garden” (Posh Isolation / 2014)
Um dos nomes mais importantes da dinamarquesa Posh Isolation, editora que Loke Rahbek (Croatian Amor) e Christian Stadsgaard fundaram no final da década passada e que é um casa seminal da música electrónica feita na Escandinávia nesta década, Croatian Amor fez de “Genitalia Garden” uma espécie de enterro a uma música de nostalgia e fascinada com o efeito James Ferraro após “Far Side Virtual”. A música de Croatian Amor mudou significativamente após este disco, mas aqui há um encontro refinado entre um industrial mais soft e um fascínio incandescente pela falsa música virtual dos 1990s. Todo o álbum é um exercício de nostalgia, quase querendo apagar esse factor da sua criação através da saturação. Há coragem e obstinação neste exercício que oferece um bom encontro com a teimosia do artista. “Genitalia Garden” é, portanto, um disco teimoso, ao invés de ser fechado numa obsessão. Se fosse obsessão, Loke não mostraria tão abertamente o seu fascínio pelo trabalho mais pop dos Coil. Por ser teimosia, insiste em abrir a sua música para esse caminho e forçar a sua música a encontrar um caminho mais luminoso, fora das salas escuras do industrial. A partir de “Genitalia Garden” a música de Croatian Amor tomou outro rumo; este é o álbum de transição, mas também é um que dignifica o fim da música obcecada com as memórias digitais dos 1990s que começou a surgir no final da primeira década deste século. “Genitalia Garden” é um disco que marca um fim que não se quer trágico, mas radiante com o final das coisas.
Hiro Kone “Pure Expenditure” (Dais / 2018)
Por vezes na música industrial – a do passado ou a do presente – torna-se difícil de encontrar alguma lucidez. Lucidez no sentido de controlo, de uma paixão pelo controlo e não necessariamente uma obsessão que cega e leva a música para outros caminhos. Hiro Kone, nova-iorquina nascida Nicky Mao, percebeu bem o fascínio pela repetição em alguma música experimental e que parte da sua estrutura nasceria daí. “Pure Expenditure” é uma espécie de colete de forças de música sintética. Contudo, o que prende não passa por algo ostensivo ou violento, mas a arquitectura belíssima que Hiro Kone impõe nas suas músicas. Há algo de ornamental em “Pure Expenditure”, é um álbum com um fascínio pela violência e, simultaneamente, consciente de que é uma belíssima peça de decoração. Que não se compreenda isto como um “álbum decorativo”, bem pelo contrário, é, sim, um álbum que se sabe mostrar presente sem interromper, a sua violência – e como ela interage com o ouvinte – leva-nos para um caminho de hipnose e de constante fascínio pelos métodos de repetição que Hiro Kone aplica pela sua música. Música fria mas que se quer próxima.
JASSS “Weightless” (iDEAL Recordings / 2017)
Os títulos por vezes forçam a procurar lugares comuns na música que se ouve. “Weightless”, até ao momento o único longa-duração da espanhola JASSS, torna isso fácil. Pode-se considerar música leve? Claro que sim. Na tradição do industrial espanhol – com Mecanica Popular à cabeça -, JASSS cria padrões que tanto recolhem dados da estranheza funcional de Conrad Schnitzler, do free jazz ou da escola mais mecânica do krautrock. Quando se fala em leve na sua música pode-se falar em música equilibrada, que fica bem na balança e que é cuidadosamente esculpida para ser pensada como electrónica e vivida numa pista de dança. Embora o contrário, pensada para pista de dança e a electrónica ser vivida mais fisicamente, também se aplique. A tal música leve prende-se com o facto de “Weightless” brilhar onde muita outra música decide ser escura. O esquema electrónica/dança para JASSS é de um temperamento racional e funcional. A música – ou a ideia de – não se liberta, é obediente a uma lógica e serve ao máximo as mecânicas de género musical. E apesar de vários géneros – industrial, experimental, electrónica, exótica – se misturarem e explorarem os seus diversos caminhos, o objectivo nunca se confunde e nem JASSS mete o pé num território mais dark. “Weightless” é daqueles álbuns que noutro momento da história ou com um apoio mais mainstream serviria como uma das bases para compreender a electrónica actual. E todos os seus espectros. Uma maravilha contemporânea.
O Mucho Flow acontece a 1 e 2 de Novembro e vai, pela primeira vez, ocupar diferentes salas da cidade: CIAJG (Plataforma das Artes de Guimarães), Edifício dos CTT, e o S. Mamede CAE. Os bilhetes diários (€20) e os passes gerais (€30) podem ser adquiridos na bilheteira online e locais habituais, assim como em diferentes espaços da cidade de Guimarães (Plataforma das Artes, CCVF, Oub’Lá Bar, Salado Bar), em Braga no Theatro Circo, no Teatro Gil Vicente em Barcelos e na Casa das Artes em Vila Nova de Famalicão.