CK One
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
No passado dia 25 fui ver Louis CK. Sim, fui vê-lo, mesmo depois de saber daquilo das sarapitolas. Fui como foram muitos que disseram que nunca mais iam ver nada dele ou que, arrogando-se grandes e impolutos guardiões da moral, criticaram a rapidez com que os bilhetes voaram depois do escândalo. Fui, tal como eles, mas sem o peso da hipocrisia nos ombros. No entanto, não é disso que venho falar hoje, até porque já se escreveu tanto sobre o assunto que o que tenho para dizer não ia acrescentar nada de novo. Venho falar de comédia. Eu sei, é raro.
Não vou falar do CK em si e do seu set, tenho duas camisolas de gola alta e meia dúzia de frustrações por resolver, mas trato-as num terapeuta e não numa coluna de crítica de artes. O que me fez escrever hoje foi uma coisa que senti no espectáculo e que me agradou sobremaneira, uma coisa que raramente vi cá, mas que em todos os comedy clubs a que fui naquele lugar mitológico normalmente apelidado de “o estrangeiro” foi sempre a regra: diversidade.
Não, não estou a falar da diversidade de género ou etnia, isso para mim é indiferente, não preciso de um anúncio da Benetton em palco, mas sim de diversidade de vozes, de estilos e de comédia. É-me totalmente indiferente ter um homem branco, uma mulher preta e um transexual azul no palco se todos eles falarem do mesmo, vestirem o mesmo ou tiverem o mesmo registo. Não me chama a atenção e não vão levar um elogio meu por promoverem diversidade se esta for feita só assim, porque a diversidade a que eu ligo nas artes é a diversidade da arte em si. E foi o que eu vi neste espectáculo.
Muita gente não sabe, mas para além do CK actuaram outros dois comediantes americanos (e um português em cada noite, sendo eles Manuel Cardoso, Guilherme Duarte e Guilherme Fonseca), Tony Woods e Joe Machi e não podiam ser mais diferentes entre si. Do aspecto à persona, do material à entrega, tudo diferente. Um tem um ritmo lento, outro relaxado, o outro mais rápido. Um é um esgazeado, meio autista e com a indumentária própria de um certo estereótipo de lésbica, outro é um bacano cheio de pinta e groove, o outro um gordito ruivo e careca com roupas neutras. Nada neles é igual ou remotamente parecido, a não ser a qualidade do material que apresentam. E digo a qualidade, não as temáticas ou as punchlines. Isto é, para mim, o caminho. Sempre foi.
Se há coisa que sempre me fez confusão no meio artístico em que me movimento foi sentir que olhava para, e citando o Trent, “a copy of a copy of a…. “, especialmente nas gerações mais novas (ao que não será alheia a proliferação da fama online e da necessidade da aprovação de uma geração inteira que só se satisfaz com likes e de um culto de sucesso hip-hopiano), onde não poucas vezes podemos assistir a 5/6 espectáculos de stand up de humoristas diferentes e no final não conseguirmos distinguir quem é quem. As mesmas t-shirts, os mesmos cabelos, a mesma música, as mesmas temáticas, as mesmas referências, os mesmos universos. E sim, eu sei que isto resulta, é confortável tanto para o espectador como para o artista, mas se é para isso, mais vale fazer novelas ou trabalhar numa fábrica de produção em massa. Pelo menos para mim.
De tudo o que se passou durante aquela hora e meia (2 horas?), foi isto o que mais me impressionou. Isso e ver que, apesar do que muito agente, comediante e produtor diz, o público não rejeita o que é diferente quando este lhe é dado e dado em qualidade, as gargalhadas na sala são a prova disso. Sim, o caminho pode ser mais difícil, possivelmente menos seguro e mais longo, mas a viagem é mais gira. Resta esperar que haja quem a queira fazer, na minha e nas vossas gerações. Acho que ficávamos todos a ganhar.