Coliseu do Porto de braços abertos para as histórias e o bom embalo de Tim Bernardes
Tim Bernardes faz anos em Junho, mas confessou ao Coliseu do Porto, preparadíssimo com seu público em peso para o receber, que apresentar naquele espaço, pela primeira vez, o álbum Mil Coisas Invisíveis era como se fosse a sua festa de aniversário. “Estou embasbacado”, chegou mesmo a referir. O álbum a solo daquele que é, também, vocalista da banda O Terno, é de 2022, já havia sido apresentado em Portugal em outros espaços, mas o artista brasileiro não escondeu como é sempre muito bom encontrar esta receptividade no outro lado do Atlântico, quando apresentou à sala portuense o sucessor de Recomeçar, de 2017, a sua primeira aventura a solo.
Mil coisas Invisíveis compôs o esqueleto do alinhamento que começou, justamente, com Nascer, Viver, Morrer e terminou com Recomeçar, antes de se seguir para as duas músicas finais do encore. Mas pelo meio, e ao longo das duas horas de concerto, houve tempo para fazer uma visita ao seu primeiro álbum a solo com Não; Quis Mudar (tema que também conta com uma interpretação em conjunto com Mallu Magalhães) e, claro, com, justamente, Recomeçar, ao piano, a melodia perfeita para constar nas despedidas finais do alinhamento central do concerto: aquele concerto findou, mas virão outros, o que acaba, vai sempre dar espaço a um novo Recomeçar. Os aplausos fizeram-se vibrar na sala, ao mesmo tempo que se pedia mais. Mas não só, Tim Bernardes não deixaria que a sua banda, O Terno, ficasse esquecida ou deixasse de ser mencionada. Melhor do que Parece, tema que deu nome ao terceiro álbum da banda, levou o Coliseu ao rubro, principalmente quando Tim Bernardes, no final da interpretação, atira com um “Beijo Terno”, e revela que quando regressasse ao Brasil faria uma outra digressão com a banda. Foi o mote perfeito para lançar o desafio: “se a gente viesse, vocês também vinham?”, atirou. A sala inteira retribuiu com um retumbante “sim”. Esta não seria a única vez que a banda seria recordada no concerto. A História mais velha do mundo, que faz jus ao quebra-cabeças do amor correspondido e não correspondido – “o que a gente quer é gostar de alguém/ e quer que esse alguém goste da gente também”, foi evocada já na parte final do concerto. A surpresa veio quando, ao final de Recomeçar, Tim Bernardes volta com mais duas músicas d’O Terno, Eu vou e Volta, e assim se fez um encore de despedida em que se pôde matar saudades da banda brasileira que já actuou, inclusive, com os portugueses Capitão Fausto no Rock in Rio 2019, no Brasil.
Além das composições individuais ou enquanto elemento d’O Terno, Tim Bernardes é exemplo de como no Brasil sempre houve uma cultura de compor ou partilhar ideias com outros artistas do meio. Para tal, basta lembrar Tom Jobim, por exemplo, o caso de João Gilberto que tem pouquíssimas composições suas, e, claro, o contributo de Vinicius de Moraes nas letras: estão-se a citar os casos mais marcantes, mas poder-se-iam evidenciar mais. Tim Bernardes também recebe esse legado e ei-lo a compor para Gal Costa e, até, Maria Bethânia. Como exemplo disso, surge o tema Realmente Lindo, que consta no álbum Mil coisas Invisíveis, mas que foi gravado pela primeira vez com Gal Costa na voz para o álbum A Pele do Futuro, de 2018. O músico compôs igualmente, mas para Maria Bethânia, Prudência, que consta no álbum Noturno, da artista, e que como Tim Bernardes relembrou, ainda não o tem gravado para si próprio.
Gal Costa, que faleceu em 2022, estaria mais uma vez presente neste concerto, mesmo que indirectamente, assim como Caetano Veloso. Tim Bernardes lembrou em tom de brincadeira como, naquele mesmo Coliseu, os telemóveis foram interditos para o concerto de Bob Dylan. Mas concluiu depois em forma de aligeiramento e em tom de brincadeira também, “ah, vocês são millennials, têm de postar no instagram”. A seguir tocou, justamente, Negro Amor, que se trata de uma adaptação que Caetano Veloso fez, precisamente, do tema And It’s All Over Now, Baby Blue, que foi gravado por Gal Costa em 1977.
O artista partilhou outras histórias como, ao completar os seus 26 anos, ou seja, ao fazer os 27, escreveu a letra de Meus 26, também, em Lisboa. Como o Mil Coisas Invisíveis o tem “feito viajar para tantos cantos”, sendo este, nas suas próprias palavras, um “disco com muitos mistérios”, não deixando de explicar que é muito “metafísico também.” O processo de escrita de grande parte das canções foi durante a pandemia e, segundo confidenciou, Tim Bernardes reparou “que muitas canções que vinha escrevendo falavam sobre o misterioso, o inconsciente”, despertando perguntas como, “o que está acontecendo aqui, no sentido o universo está aqui?”. Concluiu que era como se fosse “uma criança chegando ao mundo com a sensação de explorar.”
O Coliseu soube acolher o lado intimista que Tim Bernardes a solo precisa. À guitarra e com o seu piano de cauda, com cores como pano de fundo (tons de verde, amarelo, vermelho e laranja) desde Recomeçar a Mil Coisas Invisíveis, Tim Bernardes diz que há coisas, fases, partes da vida que acabam, mas não deixa de lembrar que há outras que começam. Que há, acima de tudo, de ir se queremos, e que há um lado interno nosso que nos deve deixar permitir também, e que algo nunca deixará de acontecer. Há sempre um sentimento delicado, que pode ir desde o amor até ao que a vida tem de mais existencial, mas não se abandona à melancolia, resgata também, e o público, que encheu em pleno este coliseu do Porto, aquietou o coração. “Meu bem, não chore/Agora nem tem mais o que fazer/ Respire fundo/ Com calma tudo vai acontecer/As ondas seguem indo e vindo/ Mesmo se você não vê/As grandes dúvidas desaparecem/ Quando o sol aparecer/ Meu bem, não chore/ Você já é o que queria ser/Respire fundo/ O mundo existe dentro de você.” Há o início e há o fim, o que acontece de entremeio? A vida. Assim mesmo é nascer, viver e morrer.