Como ultrapassar este período negro da pandemia? Onde está o povo que se mobiliza quando é preciso?
Nas últimas semanas, o Ministério da Saúde tem tentado fazer o impossível para contrariar o desastre, mas parece estar sozinho. Onde está o povo que se mobiliza quando é preciso? As mensagens claras e orientadoras quando estamos à deriva?
Portugal é um país cheio de história marcada pela força, irreverência e resiliência. É nos campos, nas cidades, nas fronteiras e além mar que se encontram gravados os nossos feitos que acabaram por mudaram o curso mundo e moldaram a humanidade como a conhecemos hoje. Estamos habituados a visualizar estes desafios e batalhas desempenhadas entre “nós” e “eles”, entre uma “resistência” e uma “oposição”, entre uma força atrás das barreiras que nos confere segurança e confiança e outra força atrás das linhas do inimigo onde o perigo vigora e o terror se aproxima.
Por oposição, a batalha dos dias de hoje é completamente diferente! Não se trata de um mostrengo mas sim de um inimigo invisível. Não se trata de um ditador que grita e que insulta mas sim de um vírus silencioso e às vezes até demais. E não é aquele inimigo que ataca fulminantemente e destrói tudo sem deixar rasto mas sim aquele que circula dentro de nós sem sabermos e que umas vezes nem se faz sentir, noutras fere e noutras mata.
Talvez, por isso, transmite-se uma falsa sensação de segurança e domínio sobre o mesmo e os políticos e os cidadãos acabaram por ignorar os múltiplos avisos acerca dos efeitos completamente nefastos que se avizinhavam feitos por várias personalidades, sociedades e entidades científicas e médicas.
No entanto, agora que os números chegaram e já se consolidaram, iremos ultrapassar, dentro em breve, 800 doentes internados em unidades de cuidados intensivos (UCI), 7.000 doentes internados em enfermaria e 11.000 óbitos totais, devido à COVID-19 e finalmente estamos sensíveis, perguntamos, “Como é que foi possível chegarmos até aqui? De quem é a culpa?”.
Este atraso na reação não é esperado de uma sociedade intelectualmente desenvolvida e não pode voltar a acontecer. Se for mais fácil, vejamos assim: é como se todos os dias caísse uma bomba e devastasse o nosso quarteirão, a nossa família, os nossos amigos e nós tivéssemos sido avisados mas, fruto do egoísmo e muitos disparates, desviámos o nosso olhar do essencial. Até há bem pouco tempo, perdíamos tempo e atenção com questões motivadas pela revolta e emoção e nada relacionadas com o racional e evidência, “Alguém conhece alguma missa com esplanada ou DJ? A polícia leva-me a casa se me encontrar na rua depois das 13h, ao fim de semana? Porque é que eu fecho o meu estabelecimento e aqueles não?”.
Esta revolta deveria ter sido moderada por uma comunicação top-down clara, evidente e coerente ao longo do tempo e tal não se verificou desde o final do ano de 2020 até hoje. Por exemplo, em plena “2ª vaga” as medidas foram parcas e mal fiscalizadas e, recentemente, a maioria dos candidatos à Presidência da República fizeram uma campanha de proximidade enquanto pediam aos portugueses para “confinar à séria”. Noutras condições, os inúmeros episódios que contribuíram para esta trapalhada política escapariam ao sub-consciente dos cidadãos e, tal como na “1ª vaga”, os portugueses teriam tomado uma atitude cooperante independentemente do contexto político. No entanto, desta vez entenda-se que os portugueses estão desesperados e a viver um período de grande ansiedade devido à sua situação financeira.
Sejamos francos, esta preocupação válida não irá desaparecer e, por isso, eu não acredito que a pandemia se resolva só com mais meios, mais recursos humanos ou mais articulação porque quando o “mais” se esgotar, sobramos nós e mais ninguém.
É verdade que precisamos de mais meios: mais meios tecnológicos e equipamentos, mais camas de enfermaria para internamento, mais vagas em UCI. Mas há de chegar o dia em que “mais” não chega.
É verdade que precisamos de mais articulação: entre hospitais do SNS para responder a picos de doença, mais articulação entre setor público com privado e social e com tudo isto manter a atividade “COVID” e “não-COVID”. Mas há de chegar o dia em que “mais” não chega.
É verdade que precisamos de mais recursos humanos em saúde: mais equipas de saúde pública para quebra das cadeias de transmissão, mais médicos para lidar com a sobrecarga no serviço de urgência, mais enfermeiros para cuidar da sobrecarga de doentes, mais médicos e enfermeiros especializados e capacitados para uma medicina exigente, de catástrofe e esgotante. Mas há de chegar o dia em que “mais” não chega.
É verdade que pode chegar o dia em que “mais” não chega para fazer frente ao desafio enorme que travamos em Portugal. Não se trata de deixar de ter os piores indicadores, trata-se de salvar vidas concretas e retomar a saúde, segurança, confiança e esperança aos cidadãos e, para isso, precisamos de mais humildade.
A Sra. Ministra da Saúde, Marta Temido, encontra-se numa posição muito ingrata pois vê-se obrigada a gerir meios, recursos e finanças ao invés de ter espaço e autoridade para implementar as medidas de saúde que o país necessita, como se de uma Ministra do Orçamento da Saúde se tratasse. Ainda assim, Marta Temido tem mostrado uma capacidade de resiliência enorme e humildade na luta contra a COVID-19, já o mesmo não se poderá dizer de outros responsáveis políticos que implementam más medidas ou implementam-nas mal e de forma descoordenada entre si. A tutela da Administração Interna, Educação, Ensino Superior e o próprio Primeiro Ministro condicionam aquilo que deve nortear o país neste momento: a saúde dos portugueses e quem a lidera. Acredito que a equipa do Ministério da Saúde esteja a procurar soluções onde elas não existem e a esgotar todos os meios à disposição mas nunca, em tempo algum, ganharão esta luta se a travarem sozinhos.
A humildade fará dos políticos melhores ouvintes dos especialistas e melhores comunicadores com os cidadãos. A humildade fará dos cidadãos transportadores de comportamentos responsáveis em casa, no trabalho, para a família, para os amigos, na rua, no supermercado e em todo o lado. A humildade fará dos portugueses vencedores de uma batalha que parece não ter fim à vista mas que só se ganha caminhando juntos, para a frente, e não perdendo tempo nas questões acessórias e irrelevantes.
Somos o povo lusitano, um povo humilde e não estamos habituados a estar por cima, mas estamos acostumados a levantar-nos sempre que é preciso!
Crónica de Vasco Jácome Teixeira Mendes
O Vasco é estudante de Medicina, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, na Universidade do Porto