Condóminos terão de fundamentar queixas para fechar alojamento local em prédios habitacionais
Os condomínios vão precisar de fundamentar a prática reiterada de atos que perturbem o prédio para encerramento de alojamentos locais nos edifícios de habitação, decisão que passa para as câmaras municipais, segundo um decreto-lei do Governo.
O Conselho de Ministros aprovou, em 08 de agosto, “o projeto de decreto-lei que altera o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local” para audição das regiões autónomas da Madeira e dos Açores e da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
“Esta alteração elimina certas restrições gravosas e desproporcionadas à iniciativa privada no setor e aposta na descentralização dos poderes de regulação da atividade de alojamento local para os municípios, cabendo a estes ajustar os regulamentos municipais à realidade local”, resumiu a nota do Conselho de Ministros.
Apesar de o comunicado nada mencionar sobre os condomínios, fonte do gabinete do ministro das Infraestruturas e Habitação explicou hoje à Lusa que, na proposta legislativa, “no caso de a atividade de alojamento local ser exercida numa fração autónoma de edifício, ou parte de prédio suscetível de utilização independente, a assembleia de condóminos pode opor-se ao exercício da atividade de alojamento local (AL)”.
Mas, essa oposição apenas se poderá fazer “através de deliberação fundamentada e aprovada por mais de metade da permilagem do edifício, com fundamento na prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de atos que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos”, acrescentou a mesma fonte oficial.
Os condomínios, que atualmente podem recusar AL em prédios de habitação, com dois terços da permilagem (correspondente ao número de condóminos), passam a ter de solicitar “uma decisão do presidente da câmara municipal territorialmente competente que, por sua vez, em alternativa ao cancelamento imediato do registo do estabelecimento de AL, pode convidar as partes a obterem um acordo”.
Nesse âmbito, “os regulamentos municipais podem prever a designação de um ‘provedor de alojamento local’ que apoie o município na gestão de diferendos entre os residentes, os titulares de exploração de estabelecimentos de AL e os condóminos” e, desta negociação, “deve sair um relatório com propostas de medidas a adotar e soluções” a adotar, adiantou o gabinete do ministro Miguel Pinto Luz.
No dia a seguir ao Conselho de Ministros, a associação Alojamento Local em Portugal (ALEP), no seu ‘site’ referia que “em grande parte o trabalho negocial destas alterações já tinha sido feito em 2023, no acordo da ALEP com o PSD que serviu de base para muitas das discussões dos temas específicos”.
Além da revogação da contribuição extraordinária sobre o AL, “o primeiro grande passo de correção das injustiças trazidas pelo [programa] Mais Habitação”, do anterior Governo socialista, a ALEP considerava faltar ainda a substituição da “suspensão cega de novos registos pelo país, a exigência de aprovação por unanimidade dos condomínios para novos AL, o alargamento sem sentido da intransmissibilidade” e “o problema da caducidade dos registos em 2030”.
E, embora sem conhecer o texto final, a ALEP dizia que “algumas expectativas baseadas no acordo” passam por “voltar a dar os poderes às câmaras, agora ainda reforçados, através de regulamentos” e “em vez de ‘proibições disfarçadas’ ao AL, como a necessidade de aprovação por unanimidade do condomínio ou possibilidade de cancelamento de um AL sem justa causa, encontrar outras formas dos condomínios atuarem, mas sempre de forma justificada”.
Para Eduardo Miranda, presidente da ALEP, “não há nenhuma surpresa” e o Governo já tinha dito “o que ia fazer”, depois do diálogo desde o ano passado, no sentido de “encontrar um equilíbrio” e que, ao contrário do que se dizia, “nunca foi no sentido de liberalizar”, mas “de encontrar um novo caminho que fosse uma alternativa equilibrada nos vários pontos que tocam o alojamento local”.
“O Governo não está a retirar, ele está a devolver um poder que foi retirado pelo Mais Habitação aos condomínios. E qual era este poder? O Mais Habitação retirou um instrumento que estava na lei que permitia aos condomínios em caso de problemas graves e reiterados que pudessem ter um mecanismo para fazer uma reclamação e pedir até o cancelamento do registo de alojamento local”, referiu.
O dirigente da ALEP notou que os condomínios passaram a só ter “como opção tentar acabar de vez com todo o alojamento local no prédio, sem motivo e sem razão nenhuma”, o que “levava a um ambiente de conflitualidade, até de injustiça, porque estavam a tentar encerrar alojamentos locais que até não tinham problemas”.
“Isto é voltar atrás no tempo, àquilo que já era antes do Mais Habitação, portanto, volta a remeter para as câmaras, para as autarquias a decisão final de manter, ou não manter, o AL mediante reclamações dos condóminos”, constatou Alexandre Teixeira Mendes, presidente da Associação Nacional de Profissionais de Administração de Condomínios (ANPAC).
O responsável considerou que a alteração “vai trazer ao de cima novamente todo o conflito que existe entre proprietários de AL e proprietários habitacionais ou comerciais”, e “não resolve” os problemas, pois falta “regulamentar a atividade do AL na sua plenitude, na sua totalidade”.