Contestação em Angola requer “muito cuidado” porque assenta na fome, afirma Rafael Marques
O ativista Rafael Marques considerou que a situação em Angola “requer muito cuidado” porque a contestação baseia-se na fome dos cidadãos, acusando o Presidente angolano de cuidar apenas dos seus interesses pessoais e do seu círculo mais restrito.
“Isso é péssimo para um país com o histórico de Angola porque o Presidente transmitiu alguma esperança de que faria diferente do seu antecessor e está a fazer pior em tão pouco tempo. Isto cria uma situação, já não de contestação, mas de ódio“, disse Rafael Marques, em declarações à agência Lusa.
O também jornalista acusou João Lourenço de “já ter desistido dos angolanos“, considerando que “a forma petulante como responde às críticas da sociedade está a gerar uma onda de ódio que pode gerar níveis de intolerância“, o que “não é bom para um país com o histórico de guerra, de violência e de miséria como Angola“.
“Nós precisamos de caminhar com tolerância e com solidariedade para que possamos resolver os problemas do país e dar melhores condições de vida às populações porque temos recursos disponíveis“, mas o país tem um Presidente “que se faz de surdo e que já não presta atenção sequer às graves condições de vida em que vivem as populações“, referiu.
Angola tem vivido um clima de contestação como o protesto, em 06 de junho, de taxistas e mototaxistas, na província do Huambo, contra o fim da subvenção aos combustíveis, tendo-se registado confrontos com a polícia de que resultaram pelo menos cinco mortos e oito feridos.
Outra manifestação, em 17 de junho, também contra a subida dos preços dos combustíveis e fim da venda ambulante, foi reprimida com gás lacrimogéneo pela polícia, com vários feridos e detidos.
Para Rafael Marques, a questão dos combustíveis “apenas veio aumentar a inflação” e “piorar as condições de vida das populações“, mas era uma medida “que tinha de ser tomada em determinada altura“. No entanto, o Governo “não teve o cuidado de fazer o aumento de forma paulatina e de fazer uma gestão parcimoniosa dos recursos do Estado“.
Segundo o ativista, Angola tem um problema mais grave ainda que são “práticas de gestão do erário público de rapina, de lapidação e não de contenção” levando a que o país fique “sem dinheiro“, defendendo que “a contestação social vai crescer” num país onde “não há uma redução dos gastos com as mordomias governamentais, não há uma redução dos excessos da própria Presidência da República para que se possa dar um exemplo“.
“Esta forma unilateral, unipessoal de usar a Constituição e o poder como se o país pertencesse a um homem só vai levar à destruição do próprio Presidente da República“, considerou Rafael Marques, acrescentando que atualmente “são poucos” os membros do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) que defendem o seu próprio presidente.
Neste sentido, apontou que “pela primeira vez a sociedade começa a unir-se e a reduzir a pressão à vontade de um só homem” e que, por isso, o Presidente “tem de ter cuidado“.
João Lourenço “está a ser um fator de união, precisamente porque se apresenta como o principal fator de destruição do MPLA, que está no poder desde a independência“, concluiu.