Conversas de café
Tenho um amigo que tem um restaurante e que desabafa bastante comigo. Numa zona da baixa do Porto virada para as artes, e pela identidade do dito café-restaurante, há um convite favorecido a pensadores criativos e artísticos. Eu adoro este tipo de atmosfera que promove a cultura, a liberdade emocional, o pensamento livre e a arte como forma de intervenção. Não é estranho que aqui encontremos diferentes formas tipificadas de críticos ferozes ao “sistema”, e onde nos apercebemos da estranha aproximação duma esquerda libertina que vai ao encontro de uma extrema direita negacionista. Unem-se num inimigo comum, esta grande conspiração teatral que é o Covid.
“Não existe”, “sempre houve outras doenças”, “estamos numa ditadura”, “quanto mais máscaras, mais casos”, “a mim ninguém me vacina”, “a economia também mata”, “QAnon”, “5G”, “Comer Criancinhas”, “Vitamina D” e “Hidroxicloroquina!” … Ouve-se de tudo, menos sensatez. Alguns argumentos válidos e que vale a pena dissecar, outros que caminham no obscurantismo e para serem sérios candidatos aos prémios do Fantasporto.
O negócio do meu amigo não é exceção dentro da área. Está a passar uma travessia no deserto. Desorientado e sem saber onde está o Oásis, teme-se a morte. O meu amigo não é exceção. Depende do honesto negócio que construiu com o seu suor ao longo de anos, para alimentar a sua família. O meu amigo tem uma simpatia que só é ultrapassada pela sua paciência, e consegue fazer da explicação do óbvio a sua conversa de café, em resposta ao delírios do 2º parágrafo, vai partilhando comigo as suas angústias com as frases que vai dando em resposta: “Deixemos a ciência aos cientistas e a medicina aos médicos”… “liberdade só existe com a responsabilidade do bem-comum”… “Estranho que todas as democracias do mundo se tenham transformado em ditaduras.” … “A economia também mata, mas a Covid está a destruir o SNS que sempre tratou de todos nós.”… e por aí vai ele, com calma e sorriso aberto, num assunto que nos irrita a todos, e que tem tido o poder inesperado e venenoso, de dividir pessoas boas contra pessoas boas. E por isso, a sensatez é de ouro.
Não é por ser meu amigo. E não é certamente um achado único. Mas é representativo da crème de la crème temos em Portugal e no mundo. Integridade. Fazer pensamento político baseado na sensatez é o silêncio dos mais nobres. Compreender o exercício da reflexão pela sociedade civil, em detrimento das suas dores, chama-se caracter. Respeitar as instituições e a democracia é cidadania em todo o seu esplendor. Orientar uma opinião, para além do nosso umbigo, significa coragem no meu dicionário.
Ele acha que eu sou corajoso por exercer o meu trabalho com paixão, mas agora todos sabemos que é nestas conversas de café que encontramos a maior das resiliências, a mais bonita das coragens, e a integridade anónima que define os heróis desta história que chamamos vida.
Quando olharmos para trás, e pensarmos, quem foi quem, no maior desafio das nossas vidas, é ao meu amigo e a todos os verdadeiramente bravos que entregaremos as medalhas, os louros e as letras gordas de reconhecimento da mais dura das lutas por um bem maior.
Integridade, a maior das liberdades e das coragens.
Os meus amigos, a melhor parte de mim.