“Could Be Worse: The Musical”: a arte quis ser vida

por Linda Formiga,    27 Fevereiro, 2020
“Could Be Worse: The Musical”: a arte quis ser vida
Could be Worse: The Musical – Fotografia de Joana Dilão
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O grupo de teatro Cão Solteiro, fundado em 1998, e o cineasta André Godinho colaboram desde 2007, impondo nas peças que apresentam uma intersecção entre cinema e teatro. Desta feita, apresentam “Could Be Worse: The Musical”, que estreou no Porto no passado mês de Novembro, passou por Ílhavo e agora assenta arraiais no Teatro São Luiz, em Lisboa, durante 8 dias. O nome da peça deve-se a um cartaz que se manteve da obra “The Pessimist”, de Susana Pomba, na Rua Poço dos Negros, dando simultaneamente o mote para a peça.

A história até parece simples, um grupo de artistas anónimos em processo de desintoxicação, semelhante aos que vemos nos filmes americanos; uma personagem mais audível do que visível que prepara canapés de fruta – quando dantes o que a elite queria era croquetes; fatos garridos e uns quantos sapatos de verniz, lantejoulas e uma peruca cor-de-rosa. Tudo isto ao som de temas compostos propositadamente para a peça por PZ e Vaiapraia. Pelo meio, o elenco ainda se veste de rosa, com fatos que em muito lembram os fatos típicos da Madeira, para nos apresentar o bailado mais hilariante que provavelmente já vimos (e para nos fazer lembrar como nós próprios bamboleamos a anca numa qualquer discoteca da moda); temos um momento à Mary Poppins; interlúdios musicais (afinal de contas, é um musical) e chapéus de cartola dourados, tudo isto com uma estrutura metálica com luzes néon como pano de fundo. Parece uma história simples, mas não é.

Could be Worse: The Musical – Fotografia de Joana Dilão

À medida que as personagens vão contando os seus percursos, com contagem de tempo desde que não praticam (arte) com direito a palmas, vamos percebendo que dentro de cada uma existe uma complexa dicotomia entre o ser artista e o não ser, entre a vida banal, mundana, de um cidadão comum e a vida de alguém que tem em si uma aptidão artística e não sabe o que fazer com ela. É nesta complexidade que nos são expressos o peso e o preço de uma vida dedicada à arte e a terrível decisão de não se querer ser artista.

Podemos procurar momentos de frustração e de revolta em quase todas as personagens. Podemos ver a ira da personagem quase invisível (Paula Sá Nogueira) que, na sua única fala, se revolta contra o establishment, numa amargura de uma vida quase desperdiçada pela arte, assim como o grito de revolta protagonizado por Rodrigo Vaiapraia (que também compôs para a sua peça) que desiste de lutar contra a arte e contra o ser artista depois de dizer “quando cantar vou ser infeliz e sentir-me muito melhor do que me sinto agora”. Podemos ver a arte sempre à espreita nos relatos quotidianos, a manifestação artística como o fruto proibido, a admiração pelo talento um dos outros, a ironia e a coragem de se ser ou não artista. No final, ficamos com a dúvida se não teremos todos as mesmas batalhas internas, independentemente das nossas aptidões artísticas, e que todos nós temos momentos que se perdem e ganham enquanto vamos seguindo o nosso rumo.

Could be Worse: The Musical – Fotografia de Joana Dilão

Existe uma música de SuperNada que versa “Arte quis ser vida, mas não é para todos”, e é este “não é para todos” que a peça “Could be Worse” retrata, mostrando as várias vivências de cada uma das personagens em relação à vida de um artista.

A peça, de cerca de 1h40 de duração, prima pela cenografia, pela iluminação e pela exímia interpretação de todos actores. Destacamos a interpretação quase invisível de Paula Sá Nogueira, que nos oferece um belíssimo discurso irónico e irado e que parece estar sempre em primeiro plano, e de Rodrigo Vaiapraia.

A banda-sonora está disponível pelo Bandcamp aqui.

Could Be Worse: The Musical” estará em cena até dia 8 de Março na Sala Luis Miguel Cintra do Teatro São Luiz, em Lisboa. Bilhetes aqui.

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