“Cristóbal Balenciaga”: a série sobre o enigmático modista

por Pedro Fernandes,    12 Março, 2024
“Cristóbal Balenciaga”: a série sobre o enigmático modista
“Cristóbal Balenciaga” / DR
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Anunciada em 2021, em Janeiro deste ano chegou finalmente ao público a série sobre o misterioso Cristóbal Balenciaga. Produzida pela Disney+, em 6 episódios ficamos a conhecer melhor o famoso modista espanhol. O ator Alberto San Juan interpreta o homem que foi de origens humildes do norte de Espanha (Getaria, perto de Bilbao) até ao auge da alta-costura em Paris.

Filho de pescador e costureira, o jovem Balenciaga cresceu vendo trabalhar a mãe costureira e daí ganhou-lhe o gosto e o jeito. Cedo foi crescendo no mundo da moda fruto do seu talento natural. Reservado, tímido, perfeccionista, religioso, workaholic, controlador, amável… Balenciaga foi sempre um mistério apesar de todos os grandes nomes da moda reconhecerem em público a sua genialidade. Vejamos por exemplo o que dois nomes grandes, e também eles personagens secundários na série disseram: segundo Dior “a alta costura é como uma orquestra cujo maestro é Balenciaga. O resto de nós, costureiros, somos os músicos que seguem as direcções que ele nos dá” e para Chanel “(Balenciaga) foi o único costureiro no verdadeiro sentido da palavra …. Os outros são simplesmente estilistas“.

O seu destaque entre os grandes nomes da moda está baseado na sua mestria não só para o visual das suas roupas, mas também pela sua relação estreita e quase natural com os tecidos. Era o modista de mais alto nível verticalmente integrado, dominando todo o processo de confeção da roupa, indo muito para além do desenho das roupas. Sabia escolher um tecido, ensinava como cortar, como cozer… sabia todos os pormenores. Uma figura assim sempre gerou dúvidas e inspirou teorias. O leitor sabia, por exemplo, que Paul Thomas Anderson se inspirou em Balenciaga para criar a personagem principal, magnificamente interpretado por Daniel Day-Lewis, do seu filme Phantom Thread (2017)? A Disney+ propôs-se a fazer o retrato definitivo sobre Balenciaga.

“Um bom costureiro deve ser um arquiteto da forma, um pintor da cor, um músico da harmonia e um filósofo da medida.”

Cristóbal Balenciaga

A série tem duas linhas temporais, o presente, onde decorre a conversa de Balenciaga com a jornalista Prudence Glynn, e, em paralelo, a linha temporal dos eventos que ele lhe vai contando e que representam o coração da série. A narrativa dá uma perspetiva ampla sobre Balenciaga, não só entra no mais íntimo da personagem, como também toma tempo para dar o contexto histórico no qual estava inserido. Sendo a moda um fenómeno de cariz social, esta componente histórica ajuda melhor a entender que movimentos sociológicos se respiravam naquela época e que pessoas ele tentava vestir.

Dado que Balenciaga era ultrassecreto, quase nunca aparecia em grandes eventos e não dava entrevistas, a série fez um bom trabalho em documentar-se de dados históricos objetivos (onde viveu, que era tímido e reservado, a sua homossexualidade, as poucas palavras proferidas nas suas únicas 2 entrevistas e recolheram imensos depoimentos de pessoas que conheceram Balenciaga) e, a partir de este conhecimento objetivo, a produção teve de imaginar o resto basando-se nessas verdades básicas. Como terão side de verdade as conversas entre Balenciaga e Chanel? Só eles sabem. Tive a sorte de visitar a exposição sobre a série, em Madrid, onde foram exibidos vários dos vestidos protagonistas da série e alguma documentação que ajudou à elaboração da série e nota-se a grande ênfase que foi dada aos vestidos. Se Balenciaga é o protagonista, digamos que os seus vestidos são o principal ator/atriz secundário.

Um ponto forte da série é retratar como um homem tão talentoso, mas ao mesmo tempo tão reservado, teve de lutar para manter a sua identidade frente às adversidades (a guerra, mudar de país, pressões políticas, a homossexualidade, os rivais na moda, a perda de pessoas queridas, a grande mudança do prêt-a-porter na indústria da moda, entre outros). Os melhores e mais fortes momentos são a exploração destas características que faziam dele um génio. Estava sempre a trabalhar nas suas roupas. Podemos imaginar Balenciaga melhoraram um vestido 5 minutos antes de este entrar num show, melhorando um vestido 5 minutos depois de este ter saído de um show ou até mesmo vê-lo a pedir a uma senhora aleatória na rua que leve à loja o seu casaco Balenciaga para reparação, porque segundo o criador este já não se encontrava no seu melhor estado de apresentação.

A produção da série é também ele uma homenagem à moda e costura em particular, ao trabalho meticuloso e elevado quase ao nível da arte da alta-costura, onde um vestido era feito para um só corpo, ao contrário da produção em série de tamanho pré-determinamos que encontramos disponíveis nas lojas. Conseguiram fazer da costura um ofício belo e quase artístico. Balenciaga nunca se imaginou a fazer vestidos para corpos abstratos, ele precisava de ter uma pessoa concreta e sentir o tecido para dar à luz uma peça de roupa sua. Gostava de tornar corpos imperfeitos em corpos perfeitos, através da roupa. Tampouco acreditava que a sua marca tivesse de continuar depois dele morrer, ou seja, sem ele ninguém poderia desenhar para o nome Balenciaga. Não entendia, por exemplo, como Yves Saint Laurent podia desenhar em nome de Dior.

A obra teria ganho mais se explorasse mais em formato de memórias, os momentos da sua infância que moldaram o seu carácter, os inícios na moda, a perda do pai aos 11 anos, entre outros. Para além disso, é reconhecido na sua obra as grandes influencias das suas origens do País Basco, no norte de Espanha, perto de França. 

A série será de muito agrado para quem ama Balenciaga e/ou a moda em geral, para quem não fizer parte deste grupo, pode ser difícil de conectar, caso o espectador não gere especial simpatia por Balenciaga durante a sua visualização. 

Ao terminar a série, ficamos com a certeza de que a produção foi meticulosa e a execução também. Alberto San Juan dá-nos um grande Cristóbal Balenciaga fiel aos mais fidedignos retratos sobre o mesmo, sem arriscar muito. 

Por outro lado, é interessante comparar a Balenciaga de hoje com a do seu criador. Pouco há em comum e muitos sugerem que Cristóbal se teria horrorizado com o que foi feito com o seu nome de modista. Ou será que teria evoluído e aceito que moda e a alta-costura em particular mudaram muito também porque o mundo mudou muito? A moda e a sociedade caminham de mãos dadas. Como uma frase atribuída ao gênio espanhol o diz: “A moda não é algo que existe apenas nos vestidos. A moda está no céu, na rua; a moda tem a ver com ideias, com a forma como vivemos e com o que está a acontecer.”

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