Crónicas de uma Vida Parisiense: #3

por Miguel Fernandes Duarte,    24 Novembro, 2016
Crónicas de uma Vida Parisiense: #3
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“Crónicas de uma Vida Parisiense – uma rubrica sobre a vida na capital francesa, pelos olhos de quem por lá está.” #1 / #2

Caminhava pelas ruas de Paris em direcção ao Costa Coffee de Saint-Michel para ir buscar uma bebida natalícia gratuita, fruto de uma promoção na página do facebook da cadeia de cafetarias. A meio fui abordado por um rapaz, parte da equipa do jornal Libération, que me deu uma cópia do jornal do dia anterior para a mão e me tentou convencer a subscrever o mesmo. As vantagens eram claras. Recebia o jornal todos os dias em casa, por um preço de 25€ por mês, e ainda tinha direito a umas promoções culturais. Ele alertou-me para o quão importante era para mim manter-me informado, e para o facto de que consumir apenas as notícias no site não estava a ajudar os jornalistas a serem pagos. Além disso, o que pagava equivalia a uma baguete por dia.

Estava confuso sobre o que devia fazer e disse-lhe que ia pensar, que lá passaria dali a trinta minutos, mas não fui. Disse que tinha um amigo à minha espera no café, mas não tinha. Para ele talvez tenha sido só mais um a não ter regressado, mas fui um cidadão desapontante. Não só menti como não cumpri uma promessa, como não procurei apoiar algo que acho que interessa e é pertinente.

Nos dias de hoje tomamos como garantido o facto de imensas coisas serem gratuitas. A informação chega-nos gratuitamente, são constantes os brindes; não temos noção que, para aquilo nos chegar, alguém tem de trabalhar por detrás, e esse alguém merece a sua parte pelo seu trabalho. Ao confiarmos aos jornais, e aos media no geral, uma transmissão da informação gratuita, permitimos, ao mesmo tempo, que, sendo a maior parte das suas receitas através da publicidade, os mesmos sejam regidos por interesses corporativos, nuns casos das empresas que são suas donas ou accionistas, noutros, de quem lá publicita. Porque se um jornal não faz dinheiro e alguém, em troca de um favor de interesse pessoal, promete dar-lhe dinheiro, se este quiser sobreviver vai ter de o aceitar. A informação, apesar de tudo, não é gratuita. Podemos desejar que o seja para o consumidor, mas no fundo alguém vai sempre pagá-la, e, se quem o pagar for uma entidade com a sua própria agenda de interesses, isso pode deturpar o papel do jornal. São poucos aqueles que se mantêm na sua esfera de valores e não sucumbem a isso. Tal como são poucos aqueles consumidores que, para defenderem esses valores, pagam aos jornais, e restantes meios, pela informação que recebem.

A gratuitidade acaba sempre por causar uma falta de apego àquilo que recebemos sem qualquer contrapartida da nossa parte. Quando pões algo de ti nalguma coisa, neste caso dinheiro, esperas obter algo em troca, o que te leva sempre a prestar uma maior atenção ao que obtens com esse investimento. É inevitável, portanto, que se seja, pelo menos, tentado a prestar menos atenção ao que nos chega sem esforço da nossa parte. Se assino a New Yorker e pago para recebê-la em casa, quando a leio faço-o de forma muito mais séria do que se lesse simplesmente um artigo no site, sem oferecer nada de mim em troca, à parte do tempo, claro. O mesmo acontece quanto aos jornais digitais. Se estamos habituados a consumi-los sem investir nada, quando os vemos a tornarem-se cada vez mais sensacionalistas e menos sérios o que acabamos por fazer é simplesmente fechar a aba (ou nem a abrir). Caso gastássemos lá dinheiro, era provável que nos déssemos ao trabalho de nos queixarmos de algo que estamos a ver, claramente, decrescer de qualidade.

Óbvio que existem vantagens na gratuitidade, desde logo a possibilidade de chegar ao maior número de pessoas possível. Mas não nos podemos enganar ao ponto de acharmos que só temos a ganhar e que não perdemos nada com isso porque, numa sociedade mercantilista e capitalista, muito poucos são aqueles que dão alguma coisa a alguém, e mesmo esses precisam de algo para sobreviver. Há imensas pessoas no meio com as melhores das intenções, mas face a um problema quase animal, de pura sobrevivência, é mínimo o número daqueles que não se sujeitam às regras que lhes são ditas e ditam que têm de trabalhar para os interesses de quem lhes paga. O que leva inevitavelmente a que, se não formos nós a pagar, não iremos ver nenhum trabalho feito em nossa prole, como leitores e consumidores.

Mas há espaço para melhorar este cenário. Principalmente quando algum director de jornal (ou algum jornal novo, porque ainda há espaço para ele) perceber que há também uma enorme quantidade de leitores que pedem informação séria, não sensacionalista, sem click-bait, que estão fartos de ver média tendenciosos que, mais que do que tendências do foro ideológico, subjugam-se a interesses corporativos. Não me faz a mínima confusão que um media seja mais conservador, de direita ou de esquerda. Faz-me confusão é que essa mesma declaração de interesses não seja feita e não seja explícita.

O problema é que sabe demasiado bem receber coisas sem pagar por elas. Quer enquanto lemos jornais ou quando rumamos a empresas multinacionais para ir buscar cappuccinos grátis. Cappuccinos com um xarope qualquer não especialmente agradável. Ou então foi simplesmente o sabor agridoce de me ter sentido mais um a perpetuar o sistema. Ainda para mais queria acabar de beber o meu cappuccino no Jardin du Luxembourg e, fruto desta coisa que é a mudança de hora, quando lá cheguei uma pequena multidão saía pelos portões do jardim, porque já eram 16h45, o céu começava a escurecer, e já era hora de fechar…

Escrevo isto alguns dias depois do sucedido, mas a verdade é que ainda não assinei o Libération. E se estou a pensar fazê-lo? Bem, na verdade, não. E é curioso, já depois de ter acabado este texto, ter encontrado esta citação do Teju Cole:

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