Cultura a pão e água
O desinvestimento na cultura não é novo no nosso país. Politicamente nunca foi uma prioridade e, lamentavelmente, muitas pessoas concordam ignorando o potencial que o sector tem não só ao nível do crescimento pessoal e educacional do povo como também ao nível económico.
Segundo um estudo na Europa a pedido da GESAC, chamado Reconstruir a Europa: a economia cultural e criativa antes e depois da COVID-19, mostra que o sector em 2019 gerou cerca de 643 mil milhões de euros de receita, assegurou mais de sete milhões de empregos, representou 4,4% do PIB da UE em termos de volume de negócios total, concluindo-se por isso que as indústrias culturais e criativas estão no centro da economia e da competitividade europeias.
A cultura é assim o terceiro empregador na Europa, depois da hotelaria e restauração, dando trabalho a duas vezes e meia mais pessoas do que os construtores de automóveis, cinco vezes mais do que a indústria química, sete vezes mais do que as telecomunicações.
Pelo que não se compreende a falta de investimento do Governo português na cultura, antes e pós pandemia. Na verdade, a cultura tem sobrevivido não graças a apoios públicos, mas graças à resiliência das pessoas que compõem o sector.
O PRR e a “bazuca” europeia trouxeram um rasgo de esperança que rapidamente se desvaneceu. Inicialmente a cultura nem sequer era contemplada, posteriormente passou a ser, no entanto, o texto apresenta mais dúvidas que certezas, desconhecendo-se concretamente de que forma será aplicado o dinheiro. A forma de distribuição dos cerca de 150 milhões parece pouco equitativa, pois deixa de fora uma parte muito significativa do sector. Por outro lado, a cultura não se esgota no património e de facto será este que receberá a maior parte do investimento do PRR.
É evidente que o património precisa de investimento e é verdade que há muitos monumentos a precisar de intervenção, mas também sabemos que cultura vai muito para além do património. E os artistas? E os profissionais do sector? E o teatro? O bailado? A escultura? A música? A literatura? O cinema? E tantas outras formas de expressar arte? Por exemplo, haverá lugar à recuperação de teatros, mas de que serve se não existirem companhias para apresentarem as suas peças ou técnicos para darem, entre muitas coisas, luz e som às criações artísticas?
Entretanto foi entregue o Orçamento do Estado, e a cultura teve um aumento de 80 milhões no seu orçamento, no entanto, representa apenas 0,25% do OE (sem contar com a RTP), ou seja, o seu investimento continua a ser residual. Pior do que ser residual, continua a deixar evidente que os decisores públicos continuam a ignorar o potencial do sector tanto ao nível económico como do ponto de vista do desenvolvimento do indivíduo. É preciso mudar o paradigma. A cultura não tem preço, mas tem um custo. Um custo essencialmente social, económico e cultural para a sociedade e para nossa vida. É a cultura que nos ajuda a percepcionar a vida de múltiplas formas, que nos dá mundo e o preserva através do desenvolvimento e da valorização das pessoas, do património, do conhecimento, da arte e da liberdade.
Lamentavelmente, sabemos hoje, que a cultura continua a pão e água.