David Sassoli, o grande europeísta
Ontem a União acordou mais pobre, mas também mais próxima. Foi uma Europa triste e desolada que assistiu à notícia da morte de um dos seus cidadãos mais queridos. Sassoli acabou por nos deixar muito antes do previsto, ainda antes do final do seu mandato na Presidência do Parlamento Europeu, numa altura em que já tinha anunciado a sua saída da presidência da instituição.
A 15 de Dezembro anunciou na sua conta pessoal do twitter que renunciaria à segunda metade da legislatura. Agradeceu o apoio que recebeu para continuar por mais um ano e meio à frente dos destinos da instituição, mas decidiu abdicar em nome de uma Europa unida, coesa, harmónica. Um pacto antigo celebrado entre três grupos parlamentares ditava que o segundo termo do mandato pertenceria ao Partido Popular Europeu. Decidiu honrar esse compromisso e entregar a presidência em vez de continuar no poder e de dividir as bancadas parlamentares. Os valores europeus falaram sempre mais alto na sua história. A sua morte repentina impede-o de saber, na próxima semana, quem será o seu sucessor.
Defendia a democracia e a solidariedade como um pai que defende os seus filhos. Citava Schuman, Adenauer e De Gasperi com o mesmo orgulho de quem fala da sua família. Lutava contra a discriminação de cabeça erguida e denunciava as injustiças sem medo de retaliações. O seu sorriso fácil espalhava bondade, gentileza e simpatia. E foi com o mesmo sorriso que cativou grande parte dos italianos quando, como pivô do TG1, se tornou num dos rostos mais conhecidos do jornalismo no país.
Filiou-se no PD (Partido Democrático Italiano) em 2009 quando deixou a Comunicação Social, embora a participação política lhe estivesse no sangue desde sempre. A sua foto de 1989 com uma picareta em punho a ajudar a derrubar o Muro de Berlim tornou-se uma imagem icónica e metafórica do que tentava fazer agora — construir pontes e derrubar muros — os muros da União Europeia que teimam em afastar os refugiados. Mais do que humanista, era o seu espírito europeísta que o distinguia dos demais deputados europeus. Em Julho de 2019 sucedeu ao também italiano, Antonio Tajani, na Presidência do Parlamento Europeu.
Como presidente de uma instituição europeia, encontrou a pandemia como um dos maiores obstáculos a um mandato de sucesso. Quando os representantes dos estados membros se viram a braços com uma guerra sem rosto, foram os líderes da UE que assumiram o comando e juntos se disponibilizaram a encontrar soluções para ultrapassar a crise, mobilizando uma resposta à pandemia no plano sanitário, económico e social. Se hoje temos grande percentagem da população vacinada e uma economia a recuperar graças aos fundos europeus é, não só mas também, a Sassoli que o devemos.
Durante sete meses tive o privilégio de pertencer à sua equipa de Comunicação em Bruxelas. Assisti atentamente às sessões plenárias que presidia, conhecia a sua agenda política com uma semana de antecedência, sabia de todos os eventos, de todos os acontecimentos e de todos os encontros, acompanhei com orgulho todos os passos da sua deslocação à Cimeira Social do Porto, segui com entusiasmo a inauguração da Conferência sobre o Futuro da Europa, em que a Presidência Portuguesa no Conselho da União Europeia teve um papel muito importante. Durante esses sete meses li todas as notícias que o mencionaram: descobri que muitos acreditavam que pudesse suceder a Mattarella no Quirinal e que outros queriam que cumprisse a segunda metade da legislatura como Presidente do Parlamento.
A notícia da sua morte, aos 65 anos, deixa mais do que um país de luto, deixa todo um continente unido a prestar homenagem a um Homem bom que deixou a sua obra feita.
Crónica de Mónica Mota
A Mónica estagiou na equipa de Media e Comunicação do gabinete do Presidente do Parlamento Europeu David Sassoli.