De novo a Academia entre a garraiada e a democracia
A política não é uma ciência exacta. A política e a democracia não são só leis e regras. Para o bem e para o mal, a política e a democracia dependem dos cidadãos, ou seja, dos responsáveis directos pelos processos políticos e de quem os apoia e, por isso, move-se também através de sentimentos. É por isto que a política tem um impacto tão grande nas pessoas interessadas; note-se que uma atitude política põe em causa não só a individualidade de cada um como o seu papel na sociedade.
A posição tomada pelo Conselho de Veteranos (CV) da Universidade de Coimbra relativa à continuidade ou não da garraiada no programa oficial da Queima das Fitas é deveras interessante. Como o resultado do referendo não era vinculativo, a posição tomada pelo organismo em questão tem um significado especial e dela podemos retirar várias ilações. Caso fosse utilizado o argumento da alta percentagem de abstenção (à volta de 80%), não sendo assim o referendo representativo da opinião global dos estudantes, tendo a admitir que seria válido; sendo o problema da abstenção um debate importante a ser feito pela Academia coimbrã. A abstenção é um sintoma de um problema maior que é visível em inúmeros momentos da nossa vida cívica. O desinteresse, em geral, é grande mesmo em matérias que tocam directamente na vida das pessoas; e tendo a colocar a matéria da garraiada neste mesmo lugar.
Ao não ser vinculativo, o referendo dá ao CV um espaço de manobra bastante grande, mas que deve ser utilizado com cuidado. Os membros constituintes deste órgão não são meros estudantes e muito menos meros eleitores e, por isso, não devem votar consoante as suas opiniões ou aspirações. Eles representam a comunidade estudantil da Universidade de Coimbra e, por isso, o seu voto tem de tentar ir ao encontro da maioria. Agir de forma contrária é anti-democrático e uma verdadeira traição a todos os estudantes, mesmo àqueles que não votaram ou que votaram pela continuidade da garraiada, porque demonstra que não depende dos estudantes as mudanças da vida académica.
O CV parece estar alheado da sua função de representantes, porque não foi dada nenhuma justificação com base na abstenção. Mesmo que se tratasse dessa interpretação dos resultados, o único caminho válido seria realizar um novo referendo, antecipado por uma forte campanha para a consciencialização dos estudantes relativamente à importância do voto. Acredito que, na realidade, se trate de uma simples falta de sentido democrático, de um abuso de poder (não em termos legais, mas em termos políticos) e de um conservadorismo brutal nos costumes.
O sentido de voto de muitos não pode ser substituído pelos sentimentos de poucos. Claramente foi demonstrado que a maioria dos votantes apelava a uma mudança nas tradições e costumes. São as pessoas que dão continuidade à cultura de uma sociedade, mas também são as mesmas que têm todo o direito de promover a mudança e de exercer o seu direito de voto. Mas não nos enganemos. A democracia também é exercida com recurso ao protesto: pela voz, pela escrita, pelos cartazes e por outros meios. A democracia não é perfeita, mas são os cidadãos que a limitam, que lhe dão força, e ela é tão mais representativa e rica quanto mais a usarmos.
No dia 2 de Abril, o CV irá realizar uma nova reunião para deliberar sobre o referendo, porque a primeira reunião foi considerada inválida já que nela esteve presente um estudante que não fazia parte do dito órgão. Não posso deixar de manifestar desagrado misturado com riso relativamente ao anúncio de nova reunião, pois foi anunciada com um texto escrito numa espécie de latim, que os próprios apelidam de “latim macarrónico”. Se o objectivo é mostrar uma espécie de conservadorismo parvo misturado com um certo sentido elitista, também parvo, conseguiram fazê-lo com esmero. No entanto, não me parece que seja a melhor forma de comunicar com a comunidade estudantil e, já agora, com qualquer pessoa. Também quero deixar uma nota de elogio ao representante máximo deste órgão, o Dux, que leu muito bem o papel do órgão que preside e o que é a democracia.