Desliguem-me, por favor
Para uns, representam a ambição. Para outros, são a irreverência em pessoa. Eu vejo-os como um paradoxo. Os jovens têm um papel muito antagónico na nossa sociedade.
Sendo, por um lado, o grupo que dará continuidade ao desenvolvimento da nossa civilização, estendendo-a para o futuro, parece estar, por outro, à mercê de uma crescente dificuldade em encontrar o seu lugar no mundo. Do ponto de vista das Artes, esta dupla figura mantém-se muito clara. Os jovens são um reservatório de esperança, permitindo-nos, à partida, renovar a nossa Cultura. No entanto, revela o neurocientista Michel Desmurget, esta geração digital, tão atenta a tablets, smartphones ou outro qualquer tipo de ecrã, tem o QI inferior ao dos seus pais, por todo o tempo que passa em rede. Parece-me muito claro que há aqui uma experiência do mundo que está a ser posta em causa. Ora, o que podemos fazer nós para salvar a juventude deste precipício?
“Mãe, pai, estou aborrecido. Quero o telemóvel para brincar”. Uma frase cada vez mais típica, que nos parece acompanhar para onde quer que vamos. As crianças já não se conseguem divertir a jogar à bola e a relacionar-se com outros, porque deixaram de sair à rua. Simultaneamente, e com a rapidez que hoje em dia tudo se vive, nem os pais sabem bem de que forma é que hão de facilitar este trabalho sobre o imaginário, sobre a cultura. Têm dificuldade em criar substitutos para a vida interior que não sejam esses com cariz digital. A Cultura entra — tem de entrar — aqui. Mas não da forma algo neurótica que está agora a ser apresentada e que simboliza uma espécie de falência cultural. É tudo tão igual, tão massificado. O mundo digital vem intensificar isto e, mantendo-se assim, os jovens continuarão a replicar aquilo que lhes é dado através dos computadores. Se adotarmos a figura de advogado do diabo, podemos até tentar perceber se esta virtualidade pode, de alguma forma, comprometer a civilização e a sua evolução.
Esta não é apenas uma questão portuguesa. É global. Estamos todos a transformar a nossa criança interior (aquela que nos permitia ser criativos) em algo angélico e que não sabe viver num mundo com problemas — uma espécie de querubim que vive apenas num lado pixelizado da realidade e que não consegue ser assertivo na resolução de adversidades. Os jovens precisam de encontrar caminhos culturais que passem pela experiência do corpo e abandonar estas vias digitais que, ainda que tragam coisas extremamente importantes e interessantes, diminuem a experiência com o mundo em colocar os pés na terra, subir as árvores e ver as estrelas à noite. Esta é uma prática que passou a ser sempre mediada por um ecrã.
É por isso que acredito que o projeto cultural dos jovens não pode ser feito a partir de uma dimensão de preenchimento de quotas, como muito se tenta. Tem de se seguir uma dimensão educacional. Temos de os ensinar a alargar o seu léxico, a ligarem-se ao seu corpo, a explorar as suas sombras e a investigar os seus narradores
interiores. É urgente desligarem-se da rede! Não há mal em ir à rua. Não existem ecrãs debaixo das pedras nem das folhas, mas existe uma experiência de relacionamento com a Cultura, com o património, com as pessoas. Julgo que esta é uma questão que a juventude terá mesmo de ultrapassar, especialmente com a ajuda dos seus pais. Temos de acabar com este “útero artificial” e permitir que a juventude experiencie a vida e o imaginário. Acho que tem de haver mais teatro, mais pintura, mais mundo exterior para os jovens. Os jovens não podem ser empurrados só para o digital.