Destroyer nunca foi tão directo como em “Have We Met”

por Bernardo Crastes,    11 Fevereiro, 2020
Destroyer nunca foi tão directo como em “Have We Met”
Capa do álbum
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Desde que Kaputt saiu em 2011, tenho procurado outros artistas ou álbuns que satisfaçam a sede do estado de espírito muito específico em que esse dito álbum me coloca. Um misto de sofisticação e nostalgia, polvilhado com algum experimentalismo, que cria um ambiente sensual e lírico, por vezes misterioso e, ao mesmo tempo, bastante directo. Em Kaputt, Dan Bejar não teve receio de arriscar e por isso colheu os resultados sinónimos de sucesso: aclamação crítica e até algum sucesso comercial, pelo menos no mundo alternativo. Ao afastar-se da sonoridade mais folk rock dos seus primórdios, o homem que dá corpo a Destroyer criou um som que não tem receio de não soar fixe, feito com a maior classe e descontracção.

Desde então, Dan não ficou estagnado. Em Poison Season, alguma orquestração trouxe um cunho épico à sua música; em ken, de 2017, as letras negras e sintetizadores luxuosos aproximaram canções como a fabulosa “Tinseltown Swimming in Blood” do mundo de Kaputt, mas com um toque mais minimalista. No entanto, nem um nem outro impressionaram suficientemente, como um todo. É a maldição das expectativas… Até que chegamos a 2020 e eis que Have We Met mostra-nos um frontman que toma ainda mais riscos, expandindo a sua paleta sonora de forma mais gratificante.

Dan Bejar

“Crimson Tide” é a porta de entrada e o primeiro single do álbum. Em papel, não soa assim tão diferente do passado musical de Destroyer, com uma batida synthpop dançável e uma guitarra sedosa. No entanto, a produção fortalece a batida, de forma quase agressiva, que ancora então a jornada de 6 minutos ao longo da qual ouvimos sintetizadores espaciais e outros laivos electrónicos, um solo de guitarra à Carlos Santana e um piano delicado. Sobre tudo isso, a voz de Dan soa confiante, entusiasmando-nos para o que aí vem. Os outros dois singles são também fortes, focando-se em elementos de melodia ou dando ênfase a algum instrumento: “Cue Synthesizer” põe o foco num baixo fanfarrão e bem texturado. “It Just Doesn’t Happen”dedica tudo a uma melodia que fica na cabeça e ao refrão sing-along.

No entanto, as boas primeiras impressões deixadas por estas canções com C grande acabam por se ir perdendo. Em audições repetidas, o elemento surpresa desaparece e a sonoridade grandiosa torna-se cansativa – particularmente ao longo dos 5 minutos de “It Just Doesn’t Happen”. A metamorfose da batida electrónica subtil de “Kinda Dark” num final épico com um solo de guitarra destrutivo é, novamente, uma surpresa, mas nem sempre satisfatória. A intenção de fazer boas canções está lá – e estas realmente são boas canções –, mas, no fundo, aquilo de que se sente falta aqui é de uma certa subtileza e mistério, que nos impele a audições repetidas, para ir descortinando mais uma camada.

É na experimentação e comedimento que Have We Met realmente brilha e perdura. “The Television Music Supervisor” liberta-se do ritmo, numa lufada de ar fresco de música ambiente. Os sintetizadores são vaporosos e ocasionalmente grandiosos, mas sem serem intrusivos; como a neblina misteriosa de uma manhã fria. As teclas caem como gotas de chuva, aquosas e sem estrutura aparente. Dan declama em vez de cantar, com a sua mordacidade do costume, “by famous novelists Shithead No. 1 and Shithead No. 2”. O conjunto cria um mundo que realmente apetece revisitar, como “Suicide Demo for Kara Walker” o havia feito em Kaputt – de forma bastante diferente. “University Hill” tem uma melodia doce, que se contrapõe à sua letra negra, conferindo uma toada melancólica à sua aparente inocência; é nestes antagonismos que Destroyer se move com conforto, ao conseguir converter uma situação mundana ou negativa em algo mágico.

A peça central “The Raven” é, sem dúvida, a melhor canção do álbum. Dan exorta “Just look at the world around you / Actually no, don’t look!”, seguindo-se uma melodia de piano tão maravilhosa que parece irradiar luz. É esperançosa e, sinceramente, só nos faz querer realmente ver tudo o que há para ver neste mundo – o bom e o mau. O prenúncio de mais uma canção épica dado por este início é subvertido, pois a canção vai libertando tensão e torna-se até apaziguadora. É uma mudança de expectativas que convida a experienciá-la repetidamente.

Have We Met é um álbum forte que espelha a qualidade do seu criador. Por vezes, talvez peque simplesmente por ser demasiado forte, como nas canções mais directas ao assunto. Parece estranho descartá-las apesar de lhes chamar fortes, mas a sofisticação e classe da música de Destroyer pede crescendos, retracções e momentos de reflexão – é nesses que residem as suas maiores qualidades.

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