Dia Internacional da Democracia. Quanto mais Arte, mais Democracia
Por definição, a Democracia representa um “governo do povo”. É, por isso, um símbolo da liberdade levada ao seu expoente máximo. É um lugar, eu diria, onde são aceites todas as vozes, ideias e ideais. E o que são as Artes senão, também, um local de inclusão, confiança e expressão? Parece-me haver aqui uma importante e estreita relação entre estes dois conceitos. Por isso, refletir sobre este assunto é o caminho que devemos seguir nesta tão ilustre efeméride.
De um ponto de vista mais histórico, o vínculo entre Democracia e Artes é algo convergente. Sinto que estes são dois grandes desígnios da humanidade que confluem naquilo que seria o panteão da nossa atividade enquanto seres humanos. As Artes, enquanto trabalho individual, e os próprios artistas contribuem para esse sonho de um mundo pré-formado e que se abre através de um auto-trabalho que nos permite ser mais solidários e compreensivos, percebendo melhor este mistério que é viver em cada um de nós e, simultaneamente, em coletivo. Quase parece haver uma espécie de luta entre aquilo que é a expressão individual e a expressão coletiva. No fundo, os artistas — pois é esta a sua função — contribuem para que se facilite essa equação muito difícil entre as liberdades individuais e a liberdade dos constrangimentos daquilo que é coletivo.
Creio que os tronos da nossa atividade da humanidade são exatamente estes dois panteões, a Arte e a Democracia, que nos mostram que há um conjunto de artistas que sofreram em muitos momentos. Durante as atuações. Com carências financeiras. Carências sociais, também. E perseguições. Enfim, de uma série de formas. O que não falta são julgamentos e momentos onde a relação entre aquilo que é o objetivo dos artistas e o seu elo com a sociedade na qual se inserem nem sempre foi tranquilo. Acredito, por isso, que há algo que une os artistas e os democratas: todos ambicionam expressar aquilo que querem e contribuir para a sua, e para a nossa, liberdade. Porém, há algo que os separa profundamente, também. Apesar deste tronco de interesses em comum, parece existir um grande afastamento e incompreensão pelos caminhos que cada uma destas formas tem. Surge, inevitavelmente, um triângulo entre o trabalho dos artistas, a função de tentar democratizar a sociedade e a tarefa de lhe fornecer algo mais complexo que será uma nova humanidade e ou um país com múltiplos futuros. É tão complicado escamotear que vivemos num momento em que se sente que as dimensões democráticas estão postas de parte e colocadas em algo parecido a uma corda bamba ligeiramente desequilibrada.
Como podemos manter a nossa vida em conjunto e, simultaneamente, preservar a saúde individual e pública, bem como a própria economia? Atualmente, são este tipo de questões que afetam intimamente a nossa Democracia, como conseguimos perceber através dos contínuos estados de emergência, estados de calamidade e estados de alerta. Impedimentos de circulação e obrigações da máscara. Tudo isto acaba por criar, naturalmente, alguns confrontos com a nossa tradicional forma de pensar aquilo que é a Democracia. Por isso, mais do que nunca, as Artes são uma forma de defender o processo democrático. Quanto mais conseguirmos perceber que os projetos artísticos estimulam as pessoas, maior é a defesa da Democracia. E crescente se torna a ideia de que a temos de manter e nutrir.
O tecido social está preso a uma divisão interna e são os artistas que devem criar e fortalecer uma certa coragem e confrontação com o medo de sair, ver peças e estar com pessoas. Viver. É esta fruição das Artes e proximidade com os artistas que representa uma forma de fortalecer a Democracia, de levar a pensar como é que se conseguem vencer as suas limitações e ultrapassar os seus medos. É urgente criar amor, criar casamentos e mais proximidade. Tudo aquilo que representa ódio leva a que haja menos trabalho artístico, menos expressões de liberdade e criatividade e, acima de tudo, menos Democracia. Por outro lado, quanto mais Artes (e artistas) existir, mais florida e florescente é a nossa Democracia. Esta relação assume-se quase como um barómetro. Precisamos de projetos artísticos para este “governo do povo” ser são e saudável.
É preciso conquistar, novamente, os espetadores. Hoje em dia, há uma espécie de “quanto mais depressa, melhor”. Que fenómeno invasor. Temos de lutar contra isto. As expressões artísticas, de liberdade, obrigam a uma abertura a tudo aquilo que é desconhecido, convidando-nos ao desequilíbrio, bem como à extensão das nossas fundações democráticas. Fortalecer a vida artística, ir a espetáculos, ouvir música, construir coisas em comum é, agora, absolutamente crucial para que as nossas conquistas de liberdade não sejam colocadas em causa, nem retrocedam a níveis não-saudáveis.