Diadanos

por Pedro Saavedra,    12 Outubro, 2021
Diadanos


Todos os aniversários eram a mesma coisa e Ele sabia que este, como todos os outros, não seria excepção. Este aniversário seria como o último e o antes desse, a mesma coisa. Começava sempre por se marcar mesa num restaurante, nem muito caro para os amigos com menos poder de compra, nem muito barato para os amigos que achavam ser especialistas na gastronomia local. O sítio não se podia repetir nunca, mas as condições teriam de ser o mais similares possíveis, mesa comprida com dez lugares disponíveis, num local de fácil acesso por transporte público e de fácil estacionamento para o transporte individual. Ele ainda nem tinha começado o dia e já estava exausto.

Tinha decidido tirar o dia. Avisava os colegas com a antecedência possível e ainda assim ia re-avisando, uma semana antes, três dias antes e no dia anterior. Todos brincavam com Ele ao receberem os avisos. Todos lhe intuíam interesse em ser receptor de qualquer prenda, mesmo que comprada em cima da hora. Como um despertador que aguarda que o calem, com uma mão por cima, também era assim que os colegas lhe impunham a resposta; Já sei, queres uma prenda não é?

Mas Ele não queria nenhuma prenda. Queria apenas que o deixassem ser o que era e como era e que, pelo menos uma vez por ano, o deixassem estar. Mas não deixavam. Os avisos iam aumentando a lista de reservas para o jantar de aniversário, o record era de vinte e três mas Ele limitava estatisticamente as presenças a um grupo expectável de dez. Por vezes, nem isso chegava a ser mas não era importante, o importante era não haver surpresas, porque isso Ele odiava. Esperar o expectável acalmava-o, planear o que para aí vinha relaxava-o, e este ano não seria diferente.

Mas foi. Ele esqueceu-se de um pormenor importante, e se não aparecesse ninguém? Ali, sentado naquela mesa comprida, naquele restaurante de preço mediano, sorvia sozinho a única cerveja a que se dava o gozo de consumir no seu dia de anos. Tinha chegado, como sempre, quinze minutos antes da hora e sabia que, até quinze minutos depois da hora, era normal ser o único sentado à mesa. Mas à medida que os períodos de quinze minutos foram passando, sempre intervalados por uma ou duas perguntas do empregado que lá se deixava chegar à sala do fundo e perguntar; Quer fazer já o pedido ou espera pelos seus amigos? Ao fim de uma hora e sem sinal de algum dos que tinham avisado ir, decidiu pedir o costume; O costume? É a sua primeira vez aqui, como quer que saiba o que é o costume. Então fixe o que lhe vou pedir porque este será o primeiro dos restantes aniversários que aqui passarei. Foi o melhor bitoque sem ovo a cavalo que já tinha comido na vida. A partir dali, aquela seria a sua prenda de aniversário todos os anos.

O Empregado esperou que Ele terminasse a refeição e as suas reflexões antes de se sentar à sua frente; Posso? Como não, faça favor. O senhor talvez não saiba mas eu faço anos hoje e não pude deixar de reparar na coincidência de fazermos ambos anos no mesmo dia. Não recebendo ordem para parar, o Empregado continuou; Não comemoro nunca o meu dia de anos, não gosto. Pode achar estranho, não seria o primeiro a reparar, mas de facto não vejo como é especial o meu dia de anos. Faço anos ou melhor acrescento um ano à minha idade e isso não me parece facto para celebrar, já se fosse ao contrário… Posso propôr um brinde? Claro, não vejo porque não. E brindaram os dois, já não sozinhos, a mais um dia de vida.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.