‘Diamantino’: uma comédia fantasiosa que junta várias realidades que nos são próximas
Em poucas palavras definiria “Diamantino”, dos jovens realizadores Daniel Schmidt e Gabriel Abrantes (a sua primeira longa-metragem), como genial. É um filme sem pressões de criar uma boa comédia que junta várias realidades que nos são próximas (algumas até nos definem como país).
O filme abriu o festival Queer e que abertura! Sentia-se o entusiasmo no ar. Segundo o realizador Gabriel Abrantes, que esteve presente e dirigiu algumas palavras ao público, este filme foi a sua experiência na comédia.
Diamantino (papel interpretado por Carloto Cotta), o melhor jogador de futebol do mundo – e provavelmente de sempre -, é quem é, devido à sua genialidade. A meio do filme, quando está a ser interrogado por uma cientista, relativamente ao que sente e vê durante o jogo, o jovem diz que vê o relvado, os jogadores… e cãezinhos fofinhos. A sua inteligência, ingenuidade e compaixão estão ao nível de uma criança, tudo o que sabe fazer é jogar futebol, ofício que lhe foi ensinado e incentivado pelo seu pai. A estrela de futebol vive também num mundo de riqueza, mas não valoriza esse facto. Já a beleza da caracterização das personagens não fica por aqui. As suas duas irmãs são um género de duo de vilãs, com poucas papas na língua e que se aproveitam do sucesso financeiro do irmão. Depois ainda temos outro duo de agentes secretas que se infiltram na casa do jogador para descobrir se este anda a colocar o seu dinheiro em contas offshore. Tudo isto forma um conjunto de personagens e de jogadas que passam quase completamente ao lado da ingenuidade de Diamantino.
Houve quem criticasse de forma negativa os variados momentos em que o filme trouxe à cena, de forma mais ou menos discreta, algumas realidades do presente; como algumas ideias ou promessas de Trump, “Make Portugal great again” ou a construção de uma muralha, neste caso, para evitar a entrada de mouros. Mas estas invocações não desviam a lógica da narrativa de “Diamantino”.
Para além das invocações internacionais, por assim dizer, ainda se brinca com o mito de D. Sebastião, a bandeira de Portugal corresponde à versão monárquica, as ideologias nacionalistas e islamofóbicas também invadem o país. Por outras palavras, somos o pior de nós e dos nossos vizinhos. O futebol, descrito como o ópio do povo (descrição que assino por baixo), é onde se realizam as práticas nas que, no século presente, são as novas catedrais. E o herói, quase santo, que ilumina o povo é Diamantino.
A forma como as cenas são gravadas, os estilos, simbologias, e clichés, que são conferidas às personagens ou ao momento, tornam o filme ainda mais engraçado. Salta-se entre um pouco de gore para um filme-noir, uma drama romântico para um sci-fi, brincando com algumas noções que temos da sétima arte. A história baseia-se, apesar de o realizador nunca o admitir, numa personalidade que nos é muito próxima, Cristiano Ronaldo (sem necessariamente denegrir a sua imagem). As personagens e as respectivas histórias de vida de Diamantino e CR7 são muito parecidas.
No fim, o filme acaba bem e consegue mostrar o seu lado queer e integrador, de uma forma bastante bizarra, mas não menos cómica. O amor também tem destas coisas: é bizarro. Diamantino com mamas (ou caroços, como o próprio chama) acaba numa relação amorosa com o suposto jovem que adoptou. Só no fim é que é possível compreender porquê esta escolha para abrir um festival muito especial. Um filme universal numa sala com um público diversificado.
Estou curioso em perceber como o filme será distribuído e divulgado em Portugal e espero, sinceramente, que chegue a mais pessoas, porque, para além de se tratar de um trabalho de dois realizadores da nova geração, é um filme que consegue ser tanto refrescante como actual. Da mesma forma que começou, terminou: com humildade e uma simplicidade estonteante.