Diários de Lanzarote: viagem a Casa de José Saramago e Pilar del Río
Vivi, durante uma semana, no conforto privilegiado da Casa de José Saramago, em Lanzarote. Assim, há que, antes de passar ao registo diarístico desses meus dias em Lanzarote, proceder aos devidos agradecimentos. Ainda cheio de incredulidade e com o coração preenchido por doces sensações, dirijo os meus agradecimentos a pessoas que nunca pensei vir a agradecer publicamente, nem tão-pouco, sequer, chegar a conhecer. Agradeço infinitamente a Pilar Del Río e Miguel Gonçalves Mendes, por terem tratado desta viagem com tanta consideração e carinho. Agradeço também a Juanjo, filho de Pilar, que tão bem me recebeu na ilha de Lanzarote, partilhando comigo jantares e apresentando-me com tanto entusiasmo e orgulho o universo de José Saramago. Aproveito ainda para expressar a minha gratidão para com as pessoas que trabalham na Casa e que, tal como o Juanjo, tão bem me acolheram. Com a total certeza de que esta minha vontade se cumprirá, desejo que todas as pessoas acima citadas continuem a preservar tão bem o legado de José Saramago. E, por último, José Saramago. Foi um prazer partilhar consigo a sua própria Casa, assim como a terra pela qual desenvolveu tanta afeição. É um prazer, depois de experienciá-lo no limite máximo do possível, sentir, hoje, poder tratá-lo por amigo. Obrigado, caro amigo José Saramago.
Nota: O diário de uma viagem não consiste apenas no relato do roteiro cronológico dos acontecimentos. Tal restrição não seria justa para o viajante, nem tão-pouco para a viagem em si. É preciso que o narrador não se cinja a esse roteiro de acontecimentos do quotidiano. Assim, este narrador viajante não vai apenas contar-vos de que é feita a ilha de Lanzarote, vai também apoiar-se em vós, leitores, confidenciando-vos sentimentos pessoais: os prazeres, os tédios e os medos da viagem.
Segunda-feira, 2 de outubro de 2023
Aos poucos, regressava-me eu a mim, à minha existência, à minha realidade. É este o regresso que todos os viajantes fazem quando se dá por terminada uma viagem. Amanheceu como em todos os outros dias. E eu, ao contrário do que faço em todas as outras manhãs, corri. Sou um homem doente, caro Dostoiévski, mas, naquele momento, não havia tempo para pensar nisso. Às vezes, a resolução dos problemas está em não pensar, mas, nesses casos, não se trata de resolução nenhuma. Ignorar as coisas não é resolvê-las. Sou um semelhante de Dostoiévski na sua doença: o atormento de pensar. Mas repito, não havia tempo para ócios reflexivos, pelo que era tempo de correr. Corri à procura de lojas de souvenirs. No meio do vento fresco e do suor do sol, com o cabelo empapado nos sais esvoaçantes do mar de Lanzarote, encontrei umas quantas lojas que me agradaram. Como podia eu deixar os souvenirspara o último dia? É sempre um risco. Mas bem, safei-me. Comprei inutilidades que se colam aos frigoríficos, sacos de pano, porta-chaves, observei os livros de Saramago nas lojas de souvenirs (coisa que, confesso, achei estranhíssima) e, por fim, já depois de sair da loja, lembrei- me. O molho verde que o Miguel me pediu! – exclamei num ai de desespero. Tal desespero foi rapidamente resolvido, bastou-me voltar atrás e entrar novamente na loja. Comprei o molho verde. Já tinha tudo. A pressa e a distração do que era preciso fazer extinguiram-se, pelo que podia novamente focar-me em mim, na minha doença.
Voltei a Casa e sentei-me junto à pedra disposta no centro do quintal de Saramago. Lembro-me de haver sublinhado uma passagem que me marcou e que, por isso, utilizarei como a epígrafe destes diários: “Não estou, como ela, desesperado, porque nunca tinha esperado grande coisa. Estou é… espantado diante desta vida que me é dada… dada para nada. (…) E este instante, de que não posso sair, que me encerra e me limita por todos os lados, este instante de que sou feito, não será mais que um sonho indistinto.” O Sartre fora tão doente quanto nós, Dostoiévski! Sofria de náuseas.
Segunda-feira, 25 de setembro de 2023, uma semana antes
No aeroporto de Madrid, o ponteiro dos segundos avançava, incansável, rumo ao minuto seguinte. E quando atingido esse próximo minuto, o tal ponteiro dos segundos recomeçaria a sua marcha, avançando, novamente, rumo ao minuto seguinte, tal Sísifo e a sua pesada pedra, todos os dias, montanha acima. 19h40, dali a pouco 19h41.
Depois de partir de Lisboa, a escala em Madrid mostrou-se interminável. Nas portas de embarque, a única mochila que levei descansava comigo, pousada sobre uma cadeira contígua àquela onde o meu corpo repousava. Dentro dessa gorda mochila azul emaranhavam-se todo o tipo de coisas que um viajante sempre precisa. Desde roupas, comprimidos, uma escova para o cabelo, outra para os dentes, mais alguns acessórios de higiene pessoal, até preservativos, mais nada cabia, nem tão-pouco um milímetro de espaço vazio. Tudo se misturava e lutava, aos empurrões, pelo seu espaço na mochila azul-escura. Desenrolava-se uma autêntica guerra civil numa bagagem silenciosa, mas apenas as minhas costas se debatiam com os remorsos dessa pesada guerrilha, tanto que mais ninguém pareceu reparar no confronto territorial que se disputava dentro da mochila. Toda a santa gente olhava para os relógios do aeroporto, na espera impaciente de chegar a hora certa sabe-se lá do quê. A hora certa. Há e sempre haverá uma hora certa. Era hora de esperar que os minutos avançassem até que batessem nas acertadas 21h50 do voo para Lanzarote. Foi o que fiz, aproveitando para dar algum alívio às costas, recostando-me no assento. Se há algo que faço bem é descansar, entregar-me ao ócio, pensar em nada. Mas não, ali mostrava sinais de inquietação. De vez em quando, levantava a cabeça e observava os meus companheiros, aqueles que em breve estariam, tal como eu, a caminho de Lanzarote. Cada um desses passageiros funcionava como um espelho, como se cada um deles fosse todas as gotas de água onde Narciso ousou contemplar-se. Todos apresentavam, nas respetivas faces, um ar sisudo. E eu revia-me nesses sérios e graves ares. Talvez porque essa sisudez me alertava para o medo de andar de avião. E quando o medo se alastra ao pânico, é muito fácil uma pessoa perder-se. Mas apesar dessas caóticas sensações, o meu rosto permanecia calmo. Uma paz de expressões exteriores contrastava com um caos interior justificado. Se o avião cai, morro – pensava. Esta simples lucidez arrasava-me e, apesar da improbabilidade de um acidente, o pânico de um desastre aéreo toda a vida foi uma realidade nos meus pesadelos. O ar sisudo não residia só na cara dos viajantes, alargava-se ao aeroporto e ao seu arrogante teto feito às ondas. Por um momento, fechei os olhos e tentei esquecer-me de tudo, inclusive de mim. Nesse breve vazio mental, lembrei-me de Baudelaire e de como nunca evitara os prazeres do vinho e do ópio, mesmo consciente acerca das possíveis e perigosas consequências desses paraísos artificiais. Ora, fazia esforços para introduzir essa lógica na minha vida: não obstante os perigos do avião, há que viajar. Para sugar a vida até ao tutano, uma pessoa tem de expor-se. Os medos são úteis, mas passageiros, quando enfrentados numa revolta feliz. Assustado, não me deixei vencer nem pelo medo nem pelo cansaço que me fatigava os olhos. E não senti heroísmo nenhum em ultrapassar medos deste tipo. Enfrentava apenas uma ânsia dos privilegiados (viajar) e saber isso era o suficiente para, naquele momento, suportar-me. Numa hiperextensão do pescoço, olhei para o teto que continuava feito às ondas, misturando-se, nos meus pensamentos, com o mar disposto à volta de Lanzarote. Num desvario repentino, invoquei mentalmente o memorial da passarola que, num ato blasfemo, ousou sobrevoar os céus de um convento. Omiti dos meus desvarios mentais o desfecho dessa viagem de passarola. Suspirei e enchi-me de coragem. Abriram as portas de embarque. O ponteiro dos segundos corria, às voltas, incessante e entusiasmado. Estava quase na hora certa: a hora de voltar a voar.
Depois de aterrar em segurança, um homem perde os medos e parece até gostar de voar. Mas posteriormente, quando é necessário fazer a viagem de volta, também os medos, essas emoções vitais, retornam.
Assim que saí do aeroporto, fui recebido principescamente pelo Juanjo. Tratou-se de um encontro, visto que nunca tinha estado com o Juanjo, mas tudo me pareceu um reencontro. Ao observar o à-vontade e a ligeireza com que ele saiu do carro, percebi que estava perante um amigo de longa data. Pus-me também mais tranquilo e relaxado. Entrei no carro branco e elétrico do meu anfitrião e, pelos caminhos de Lanzarote, falei. Naquele momento, no universo de uma ilha para mim desconhecida e escondida pela noite assumida, dois estranhos amigos falavam pela primeira vez. O tema da conversa foi-se desenrolando como uma serpentina. Falou-se do carro elétrico e das suas vantagens e, logo depois, uma confissão. Não sabia a que horas chegavas, mas comprei umas bolachas e um leite de aveia, também alguma fruta; não sou o melhor anfitrião – disse-me o meu amigo num espanhol que, dada a simplicidade, percebi. Mentiu-me. Às vezes o que alguém perceciona de si mesmo não corresponde à realidade. O melhor anfitrião compraria comida ao seu hóspede, mesmo sem o conhecer. E foi isso que o Juanjo fez. Agradeci-lhe a comida e desmenti-o. Nem fui eu que desmenti o meu amigo, foi ele próprio, através de um gesto que lhe contrariou as palavras. Foi sob esta discussão que avistei pela primeira vez a Casa de Saramago. Nesse momento a noite cintilou, refletindo-se no meu espírito. Deixei de ouvir o Juanjo e sorri. Depois do caminho percorrido até Casa, chegara a hora de instalar-me e, chegada a hora, a tranquilidade do Juanjo fez-me sentir como se estivesse na minha própria casa. O facto é que não me encontrava na minha própria casa, mas Saramago tem o poder da hospitalidade, tanto nos seus livros, como na sua própria Casa. Ainda mais na sua própria Casa. Lembro-me de quando, pela primeira vez, entrei. Atravessei as portas de entrada sem saber o que me esperava. Fui encaminhado, escadas abaixo, para a cave de Casa. Entenda-se que a cave é gigante, ultrapassa os limites de uma cave “normal”; está equipada com casa de banho, dois quartos e, numa mesma divisão, sala de estar e cozinha. O Juanjo deu-me a liberdade de escolher o meu quarto e eu, com todo o gosto, fi-lo. O da cama de casal – disse-lhe. Um homem dorme melhor sozinho numa cama espaçosa – pensei, enquanto, muito rapidamente, entrei no quarto, pousei a mochila e tornei a sair da divisão. Encarei a sala, cujas paredes, pintadas de um amarelo vivo, ostentavam pinturas e posters de prémios. Subitamente, dei conta de estar numa cave gigante, não só espacialmente, mas também no seu espírito. Quantos significantes hóspedes já deve ter recebido esta cave? Talvez Eduardo Galeano, Susan Sontag ou Carlos Fuentes. Foi com este pensamento que, depois de algumas conversas com o querido Juanjo, adormeci, sentindo-me grandiosamente em mim e caindo para dentro do cansaço de um dia tão longo e interminável. Mas esse dia chegou ao fim, provando que tudo termina, até o que designamos como interminável.
Terça-feira, 26 de setembro de 2023
Acordei humildemente na Casa do Nobel José Saramago e, antes de ir ter com o Juanjo para uma visita guiada pela Casa e pela Biblioteca, reparei pormenorizadamente nos detalhes da sala disposta na cave. A um canto, dois gira-discos e alguns respetivos discos vinil de José Saramago. Com autorização prévia, ajoelhei-me de forma a nivelar-me com os discos, e vasculhei-os. Alguns, um do fadista Carlos do Carmo, sobem de valor pelas dedicatórias inscritas: “Para a Pilar e para o Zé (…)”, seguindo-se o resto da dedicatória de uma letra impercetível. Num erguer-me brusco e mal calculado, senti uma tontura daquelas que dá a quem se levanta repentinamente. Ora, joguei-me para cima do sofá e senti-me a recuperar a estabilidade da visão lentamente. Sentado, com os sentidos da vista recuperados, olhei alguns prémios de José Saramago dispostos sobre uma estante, mas não foi sobre eles que estacou a minha deslumbrada visão. Sobre essa mesma estante, vi quatro fotos da Pilar quando em idade muito jovem. Ao olhá-las, uma a uma, creio ter tido a sensação de ver uma divindade. Senti-me preenchido por uma beatitude virtuosa, originada pelo vislumbre de uma mulher cujos traços faciais me relembraram a minha bela mãe, também nos seus tempos de juventude. E tal como sucedera há momentos, tive de atirar-me novamente para o sofá, de forma a recuperar os sentidos. Quando me recompus, saí de Casa e fui ter com o Juanjo ao exterior. Era tempo da visita guiada, mas havia um problema: estava em jejum desde as sete da tarde do dia anterior.
Sobrevivi àquelas tonturas de fraqueza e no resto do dia não fiz muito mais. Deixei- me estar em Casa, sentado diante da minha ansiedade. Esta, quando oriunda de boas sensações e vivências, também consegue ser bastante debilitante e exaustiva. Vi trechos do filme “José e Pilar”. Transportado pelo filme, sentei-me em silêncio em alguns dos sítios onde José Saramago havia sido filmado e partilhado momentos de cumplicidade com os seus, nomeadamente na sua piscina interior. O silêncio de um homem de palavras é aterrador, mesmo quando nos diz que tudo está bem. Na liberdade de vaguear pelo amplo quintal, intercalei a minha presença entre a piscina e uma cadeira disposta no centro do quintal, perto de uma vulcânica pedra negra de imenso valor sentimental para José Saramago. Entre sentares e levantares, cercado pelos ecos silenciosos da terra, atingi uma certeza absoluta: ainda sem conhecer a ilha de Lanzarote, havia descoberto o seu mais prazeroso fruto: permanecer sentado no centro do quintal, o exato sítio do universo onde José Saramago se sentava e olhava a terra de Fuerteventura e o mar, afirmando para si próprio que sim, que a humanidade deve prevalecer sobre a maldade, enfim, que a humanidade e o mundo têm um remédio.
Passaram-se assim, numa quietude ansiosa, as largas horas da tarde, e seguiu-se depois, no restaurante “Arepera Bar Millo y Millo”, um jantar com o Juanjo, o melhor anfitrião da ilha de Lanzarote.
Quarta-feira, 27 de setembro de 2023
O Juanjo pôs à minha disposição o carro que foi comprado por José Saramago aquando da atribuição do Prémio Nobel da Literatura. O carro está velho e tem alguns problemas, tens de ter em atenção a temperatura da água – disse-me. Assenti imediatamente com a cabeça e proferi um sim cheio de entusiasmo. Os privilégios sorriam e acumulavam-se na minha ansiedade. Ainda assim, tudo correu bem durante a primeira curta viagem que fiz com o carro. Dirigi-me, durante a tarde, à Fundação César Manrique e visitei-lhe o interior. A história da vida de César Manrique é a de um multifacetado artista que tinha a natureza como base da sua criação. Mas um homem das artes que que se revele hedonista carrega mais liberdade que os outros e isso favorece-o; assim foi César Manrique, um artista hedónico (amante devoto de Lanzarote) que adorava descansar com as suas amigas nas “bolhas” da ilha. Essas “bolhas” são cavidades vulcânicas que têm a assinatura de César Manrique, sendo que foi o artista espanhol o autor da arquitetura desses locais onde a temperatura é refrescante e os bancos de couro bastante convidativos. Foi a imaginar uma tarde de festa com César Manrique, sob o som dos blues, nos longínquos anos 80, que saí da Fundação.
Dirigi-me a Casa e sentei-me na cadeira perto da pedra negra. No centro do quintal, respirei fundo, olhei Fuerteventura e o mar e, num pensamento honesto, contrariei Saramago. Não, a humanidade e o seu mundo não têm um remédio. Mas como é bom o universo ser infinito e estar neste exato sítio que é de Saramago.
Quinta-feira, 28 de setembro de 2023
Ao chegar a casa na noite anterior, depois de ter ido jantar com o Juanjo e a sua companheira Marta, deparei-me com uma barata no meio do chão da cozinha. Estaquei os meus passos que se dirigiam ao quarto e fitei-a. A barata fez o mesmo, deteve os seus movimentos e atuou como um homem estátua. Talvez, na sua inteligência animalesca, a barata pensasse que parar os movimentos significasse algo como esconder-se. Mas não, o amplo chão branco da cozinha não funcionara como esconderijo. Os segundos em que ambos estivemos imobilizados demoraram uma eternidade. Foi no momento em que decidi reativar os meus movimentos que a barata também se mexeu, começando a andar muito rapidamente, na procura de um verdadeiro refúgio. Na iminência de levar uma sapatada, a inteligente barata fugiu-se-me da vista, metendo-se atrás de móveis que não ousei deslocar. Ora, não conseguindo matar a barata, ao menos afugentei-a. Mas de que valeu afugentar a intrusa se a mesma continuou dentro de casa? Bem, já não estava sozinho. Partilhava a cave da Casa de Saramago e já havia batizado aquela companheira. De apelido, Samsa. De nome próprio, Gregor. Sim, Gregor Samsa pode ser considerado nome de homem e a barata talvez fosse mulher… e depois? Se acham isto desconcertante, talvez precisem de rever as vossas convenções.
Dormi sobressaltado sob a presença de uma nova companheira de casa e acordei com uma ansiedade mesquinha e fininha a zumbir-me no peito. Mas entenda-se que tal estado ansioso não se devia apenas à presença de Gregor Samsa. Tudo contribuía; desde o viajar pela primeira vez sozinho a todos os privilégios que me concediam. Ainda assim, levantei- me decidido a ir explorar a ilha. Uma das principais coisas que uma pessoa faz quando está de férias é passear pelos caminhos da observação e da novidade, caindo para dentro de tudo. Mas quando se está alojado na Casa de um dos nomes fortes da literatura mundial, a vontade não se fixa em passeios e distrações. Todas as paredes da Casa se mostraram interessantes e mereceram a maior atenção. Apresentando-se só como paredes, talvez não fossem só paredes, mas sim algo mais. Toda a ilha de Lanzarote está como que tocada por José Saramago, e isso sente-se, mas a Casa foi um sítio no qual senti poder ficar uma eternidade nunca aborrecida. Apesar desta vontade de ficar em Casa, mantive-me fiel aos planos: fui passear!
Ao sair para a rua, cruzei-me com o Iñigo, jardineiro da Casa. Depois de uma conversa bilingue – um falava em espanhol e o outro replicava em português -, o Iñigo encaminhou-se até ao carro. Abriu-lhe o capot e descansou-me. Tiene agua – disse-me. Viajei então, numa roadtrip épica, até ao Parque Nacional de Timanfaya. Chegado, depois de enfrentar uma longa fila de carros, visitei o Parque através da única forma de o fazer: meter- me dentro de um autocarro que apresenta aos visitantes um percurso pelos caminhos vulcânicos do Parque. Durante essa excursão de meia hora, ocorreu-me várias vezes, enquanto observava a negra paisagem e ouvia o motorista do autocarro que fazia também as vezes de guia, uma pergunta: onde andará o Gregor Samsa? E respondia-me automaticamente: não sei, mas espero não voltar a vê-lo durante a minha estadia. De repente, quando o autocarro parou no meio de um alto corredor de lava seca, local onde o motorista procedeu em explicações e curiosidades, o meu estado de espírito desfez-se negro como o espetro de sombra que se abatia sobre o autocarro. Havia-me esquecido de fechar a porta do quarto. O caminho estava livre. De rosto sério, dentro de um autocarro cheio de turistas que vociferavam conversas entusiasmadas nas mais variadas línguas, desejei a morte a Gregor Samsa.
No caminho de retorno a Casa, passei por La Geria, um dos sítios referenciados no livro “A Intuição da Ilha”, escrito por Pilar Del Río. Tal livro pretende dar a conhecer os dias de José Saramago em Lanzarote, mas, e por mim falo, é muito mais do que isso. É um autêntico guia da ilha de Lanzarote. E o melhor guia, o melhor mapa! Tem sempre, debaixo de olho, os recantos que José Saramago pisou. Não parei em La Geria, a pequena localidade dada ao vinho. Com o carro sempre em movimento, espantei-me diante da paisagem das vinhas plantadas numa terra de lava. O escuro da lava a contrastar com o claro verde das vinhas. Cada vinha plantada isoladamente, e cada qual meio rodeada por um conjunto de pedras a formar meias-luas, estratégia arranjada tendo em vista a preservação das vinhas, pois o vento norte é muito forte na região.
Quando dei por mim, havia deixado La Geria para trás e estava defronte da Casa. Depois de entrar-lhe, não me lembrei de Gregor Samsa. Deitei-me na cama a observar as paredes por uns breves trinta minutos. Quando me levantei, decidi ir sentar-me na cadeira disposta no centro do quintal. Naquele centro do universo, saí de mim. A companhia da pedra revelava-se transcendente. Quando me regressei, haviam passado duas horas e não tinha feito nada mais do que estar sentado. O relógio sem ponteiros do meu telemóvel marcava a hora de jantar. Fui a um restaurante e pedi uma pizza, mas enganei-me. No momento em que a pizza chegou à mesa – que foi o mesmo momento em que reparei no erro – não tive coragem de mandá-la para trás. Queria uma pizza de atum, mas pedi mal. No olhar apressado que lancei à ementa, troquei o nome às pizzas. A pizza de atum deveria chamar-se pizza de atum, para que enganos destes não sucedessem. Assim, serviram um homem que não come carne com uma escaldante pizza de pepperoni. Meti os pepperonis de lado e comi o resto da pizza. Ao deixar o prato vazio de massa e cheio de pepperoni, fui, com certeza, acusado de demência pelo pobre empregado do restaurante. Ainda assim, paguei e saí como se nada fosse. Ao sair, reparei que a noite já era noite, que a noite de Lanzarote era igual à de Lisboa: escura. Hei de encontrar uma noite de céu azul – disse em voz alta, ao mesmo tempo que palitava os dentes com a língua.
Sexta-feira, 29 de setembro de 2023
Ao quinto dia de viagem, enquanto conduzia o carro do Nobel pela manhãzinha, dei conta de estar a raciocinar em castelhano. Ora, isto é, no mínimo estranho, tendo em conta que não sei falar castelhano. Sim, há um português que não sabe falar a língua do país vizinho, mas, por certo, haverá mais que um. É que vai uma distância significativa entre o desenrascar portunhol e o falar castelhano corretamente.
Diante de pensamentos mesclados entre o idioma português e o castelhano, cheguei aos Jameos del Agua. Lembro-me de comprar o bilhete e de agradecer com um gracias efusivo. Afinal, apesar do desconhecimento da língua, esforçava-me! Aquele gracias ficou a ecoar-me na mente durante toda a visita ao interior dos Jameos del Agua. Na altura, já sabia que aquela atração turística resultara de um tubo de lava que subira, formando uma extensa cavidade vulcânica. E para tratar de cavidades vulcânicas está César Manrique convocado. Foi ele o arquiteto que adaptou o local. Fê-lo com categoria: juntou-se à obra de arte que lhe foi concedida pela natureza e realizou, a partir daí, um trabalho artístico notável. Não precisando de um toque de Midas, pois a natureza já se apresenta soberba, foi esse toque que César Manrique atribuiu a todas as cavidades vulcânicas por si arquitetadas. Depois de demorar- me no interior dos Jameos, soltei mais um gracias quando, num ato impulsivo, pedi a um turista que me tirasse uma foto, antes de encaminhar-me de volta ao carro. A foto ficou uma merda, mas muito por culpa própria, já que a minha cara se desfez tímida e corada diante do meu telemóvel nas mãos de um estranho turista.
Já que estava no norte da ilha, aproveitei para visitar o Mirador del Río, local também arquitetado por César Manrique. Por sugestão do Iñigo, não paguei bilhete para entrar. Disse- me que não se justificava, que a vista de fora do miradouro era suficiente para apreciar as paisagens. Não posso ter a certeza da razão do Iñigo, mas sei que sim, a vista de fora do Mirador mostrou-se deslumbrante. Observam-se os traços de La Graciosa na perfeição, uma ilha vizinha de Lanzarote. Além da paisagem natural, encontram-se também alguns turistas ecológicos, equipados para longas caminhadas e para escalar montanhas. São doidos – pensei em bom português, enquanto senti um ranger de fome no estômago. Tenho a certeza de que para aqueles desportistas os doidos são os que sobem montanhas a conduzir carros. A doidice é relativa. Mas a fome não! Sem comida, decidi dirigir-me a Casa. Mas antes, e outra vez aproveitando o facto de me encontrar no norte de Lanzarote, passei por Haría. A localidade situa-se entre montanhas, dando a ideia de que se encontra numa cova. Foi em Haría que José Saramago (e agora transcrevo uma passagem da obra “A Intuição da Ilha”) “(…) percebeu que os comportamentos das pessoas não dependem do lugar onde vivem, mas do aprendido quem sabe onde. Num restaurante da povoação, ofereceram-lhe carne para comer. José Saramago perguntou por um prato de peixe e a resposta foi taxativa: «Homem, o melhor peixe é na costa. Aqui, no interior, o melhor é o cabrito ou o coelho.» Haría esta a três quilómetros do mar.” Lembrando-me desta pequena história anedótica, observei as altas palmeiras da localidade. O calor e o deserto da região agudizavam a minha fraqueza que se estendia, aos tremeliques, às minhas pernas. Precavendo-me de um eventual desmaio, conduzi até Casa. Nessa travessia, passei ao lado da Montaña Blanca, aquela que José Saramago ousou subir a 9 de maio de 1993. Era já um septuagenário. Olhei- a sonhador, à procura de José, mas, em rápidos vislumbres lançados ao longo da
Montaña, não o encontrei ali. Talvez esteja em Casa – pensei. Mas espantei-me, nem em Casa estava! Depois deste choque com a realidade, decidi relaxar. Apesar de não ser um dia propício ao descanso (segundo a Bíblia), descansei. Às vezes, nada mais há a fazer do que descansar.
Durante essa tarde, mergulhei e nadei na piscina de José Saramago, antes de receber um telefonema do Juanjo. Convidou-me para um concerto gratuito em Arrecife. Aceitei. Depois de jantar uma pizza de atum, pedida no exato local onde no dia anterior me enganara no pedido, fui ver um concerto com o Juanjo, a Marta e algumas das suas amigas. A música do concerto estava alta, mas pouco interessava. Falei, muitas vezes aos gritos ou a falar ao ouvido, de política e literatura com o Juanjo. Contou-me duas curiosidades banais que me impressionaram muitíssimo. O fim da obra “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” foi escrito na Ericeira, essa vila pela qual nutro tanto carinho. E ao falar de literatura francesa e expressar a minha admiração por Camus, o querido Juanjo disse-me que foi José Saramago quem lhe aconselhou a leitura do livro “O Estrangeiro”. Banalidades destas prendem-me ao sentimento supremo e único do prazer de estar vivo. Há nas banalidades um certo romantismo que me ultrapassa. Assim, exultado por trivialidades, voltei a casa. Procurei por Gregor Samsa, mas não o vi. Antes de acomodar-me na cama, atualizei-me: o Benfica tinha ganho ao Porto por 1-0. O Sporting podia subir ao primeiro lugar no dia seguinte. A sorrir, adormeci no verde dessa esperança.
Sábado, 30 de setembro de 2023
Quase nada. Fui à praia de Famara e passei por Teguise. Olhei a Montaña Blanca a partir de casa. Depois sosseguei. Mas estar sossegado, apesar de compreendido como fazer nada, não corresponde a essa compreensão. Fiz alguma coisa: sosseguei. Concederam-me o privilégio de passar algum tempo sozinho na Biblioteca de Saramago. Ao ouvir-lhe o silêncio, lembrei-me da transcendência da pedra negra. A Biblioteca e a pedra negra são semelhantes, sabe Deus no quê. Sentado sob uma meditação de pensares, tentei observar minuciosamente todas as obras daquela casa de livros. Mas era impossível. A coleção de livros de José Saramago e Pilar del Río é extensíssima: cerca de quinze mil. E todos aqueles livros residiam na cave onde eu estava hospedado no momento. Foi no dia em que os livros ultrapassaram espacialmente a cave que se decidiu proceder à construção da Biblioteca. Os pensamentos discorriam-me no cérebro. Houve um que se destacou. Ao observar a imensidão de livros, lembrei-me de Almada Negreiros e da sua famosa confissão: “Entrei numa livraria. Pus-me
a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam! Não duro nem para metade da livraria! Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa se salvar, senão… estou perdido.” Quão importante é a escolha de cada leitura que se faz! Devemos ser meticulosos nessa escolha, para que não percamos vida. Um livro assemelha-se a uma alma que nos acompanha por um determinado período de tempo, retirando-nos esse mesmo tempo. Só os bons livros ocultam essa perda, fazendo-nos ganhar algo mais precioso do que a vida em si.
Pode ganhar-se tanto no sossego. Cheguei ao final do dia estafado. A estadia na Casa de Saramago demonstrava-se exigente para as emoções. E, por consequência das emoções se alastrarem ao físico, estava tão cansado como aqueles peregrinos que se atrevem a subir montanhas durante dias seguidos. Nessa estafa, liguei o computador e vi, entre os cortes de um stream, o jogo do Sporting. Depois de estar a ganhar, o árbitro expulsou um dos nossos, pelo que nos dificultou o jogo. Ainda assim, marcámos três golos e o adversário apenas dois. Foi bonito porque o nosso terceiro golo foi em cima do fim do jogo, e de penálti! Alcançámos o primeiro lugar. De súbito, a Casa de Saramago metamorfoseou-se: era toda verde naquele momento.
Domingo, 1 de outubro de 2023
O sétimo dia de viagem coincidiu com o mesmo sétimo dia em que, depois de seis dias a criar o universo, Deus decidiu descansar: domingo. Apesar de sentir- me legitimado a descansar nesse dia, não o fiz. Subi a Montaña Blanca. Por consequência de tê-la subido, também a desci. Há atos que nos levam automaticamente a outros, fazendo-nos engolir o desígnio da causalidade. Hesitei na subida da montanha. Quando cheguei a metade, olhei para trás e reparei como a realidade se dispunha íngreme abaixo de mim. De cada vez que mirava o já distante vale da montanha, sentia o meu corpo encher-se de tremores e ansiedades. Depois de muito calcular, parado a meio de uma, na minha perspetiva, subida de montanha, decidi ir até ao fim. Se o velho septuagenário conseguiu, também eu, jovem e ágil, haveria de conseguir. Assim foi. O sucesso tem às vezes que ver com persistência. Mas o velho dos “Cadernos de Lanzarote” tinha razão. A descida é muito mais exigente que a subida. É na descida que um homem aprende que nem nas pedras pode confiar. Algumas revelam-se falsas. Vai um homem confiar-lhes todo o peso, apoiando nelas os pés, e elas desprendem-se do solo, resvalando montanha abaixo, num caminho interminável. Apesar da falsidade das ditas pedras, cheguei ao sopé são e salvo. Desde o sopé, olhei orgulhosamente a alta Montaña Blanca. Lembrei- me de José Saramago dizer que aquela montanha era o seu Evereste. E sorri. Sorri diante da realidade de tornar-me num dos pares de Saramago: havia subido o seu Evereste. Preenchi- me de romantismo perante tamanha banalidade. Naquele momento, liguei à minha mãe a contar-lhe. Cheio de entusiasmo, exclamei ao telemóvel: “Subi a Montaña Blanca!”.
“Subi a Montaña Blanca. O alpinista do conto tinha razão: não há nenhum motivo sério para subir às montanhas, salvo o facto de elas estarem ali. (…) A descida, feita pela parte da montanha que dá para San Bartolomé, foi trabalhosa, bem mais perigosa do que a subida, pois o risco de resvalar era constante. (…) Lembro-me de haver pensado, enquanto subia: «Se caio e aqui me mato, acabou-se, não farei mais livros.» Não liguei ao aviso. A única coisa realmente importante que tinha para fazer naquele momento era chegar lá acima.”
“Cadernos de Lanzarote”, José Saramago Segunda-feira, 2 de outubro de 2023
Depois da correria dos souvenirs, pedi ao Juanjo que me acompanhasse numa última visita guiada pela Casa e pela Biblioteca. O pedido foi aceite com entusiasmo. Dessa última visita, recordo todo o percurso feito, assim como toda a dedicação do Juanjo. Mas novamente as banalidades: Saramago deu uma hora eterna à sua Casa. Todos os relógios de Casa estão parados nas quatro da tarde, hora em que José Saramago conheceu Pilar del Río, o amor da sua vida. Aqui, há de facto romantismo, mas imaginem, se romantizo a maior das banalidades, como reajo eu à romantização do romantismo. Aquela curiosidade foi avassaladora para as minhas emoções. Fiquei defronte de um dos relógios da Casa durante largos segundos. E ali teria ficado uma eternidade, a sentir-me leve como os ponteiros de um relógio, apesar de esses carregarem o peso do tempo. Naquele caso era diferente, não existia tempo, ou melhor, existia apenas a leve e definitiva eternidade das quatro da tarde. O Juanjo interrompeu-me aquele meditar diante do relógio. Chegava a hora certa de despedir-me de Casa: sentei-me durante uns momentos no centro do quintal de José Saramago. Depois levantei-me e deixei a pedra do centro do universo para trás. Tal como os ponteiros de um relógio, também a semana deu a volta. Era já segunda-feira, o dia em que esta aventura, há uma semana atrás, havia começado. Precisava de encarar os voos de regresso e fi-lo depois de um almoço com o Juanjo. Despedi-me, então, do melhor anfitrião da ilha de Lanzarote. Em pleno aeroporto, um abraço e todas as palavras de gratidão foram insuficientes para o que pretendia transmitir: mostrar-me infinitamente grato. Quer nos números, quer nas palavras, quer nos sentimentos, o infinito jaz sempre impossível.
Em Madrid, ao contrário do que sucedera na semana anterior, a escala passou rapidamente. O relógio sem ponteiros do meu telemóvel cavalgava numa fúria do tempo. E ainda bem, estava desejoso de aterrar em Lisboa, de dar por concluída a aventura mais bonita que tivera o prazer de vivenciar. Cheguei a Lisboa perto da meia-noite. E cheguei a casa, em Arroios, perto da uma da manhã. Na Casa de Saramago, apesar do fuso horário de Lanzarote ser igual ao de Lisboa, eram quatro da tarde. A hora do amor: quatro da tarde. Se Gregor Samsa ainda estivesse sob os ares da Casa de Saramago, decerto estaria apaixonado. Mas por onde andaria Gregor Samsa às quatro da tarde?
Em Arroios, arrotei. Um arroto azedo e alto invadiu-me a boca e o quarto. Senti o bafo quente do arroto a atravessar-me as narinas. Interpretei tal manifestação corporal como o sinal de que eu estava definitiva e completamente de volta à minha realidade. Na lucidez dos prazeres, há momentos em que o peso de existir se torna mais leve. Momentos que, mesmo que às vezes quebrados a meio, podem durar uma semana inteira, uma viagem inteira. Mas bem, a fantasia acabara. Além da realidade, algo que nunca me havia deixado completamente durante a viagem também voltara, talvez a doença. Ou talvez a doença e a realidade se fundissem na mesma coisa! Mas eu sentia, algo estava ali, em lado nenhum. Mas onde, afinal? E o quê? A vaguear pelos ares do quarto, por vezes embatendo contra a secretária, outras vezes possuindo-me a mim, eis que sim, estava ali, em todo o lado ao mesmo tempo e mais pesado do que nunca: ainda que oco, o maior dos pesos: a existência.
Nota: O narrador chegou à conclusão de que no diário de uma viagem é extremamente difícil, para não dizer impossível, fugir ao roteiro cronológico dos acontecimentos. E é irónico. Apesar dessa tentativa de fuga, um dos fios condutores destes textos são as horas. Ora, as horas são tudo o que há de cronológico. Ainda assim, este viajante tentou ao máximo complementar o roteiro com trivialidades e curiosidades interessantes, de forma a tornar mais atrativa a leitura destes diários. O viajante despede-se assim e assina, apesar de hoje ser uma pessoa diferente, com o mesmo nome que tinha no início da viagem.
“Não é verdade. A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: «Não há mais que ver», sabia que não era assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.”
“Viagem a Portugal”, José Saramago