“Divino Amor”, de Gabriel Mascaro: fé, erotismo e rave
O novo filme do brasileiro Gabriel Mascaro encena um Brasil distópico em que a ideia da fé evangélica se funde com o erotismo dos pink movies japoneses dos anos 70 e até mesmo da pornochanchada brasileira, como o próprio nos explicou numa entrevista em Berlim. Só que ao antecipar esse futuro, Mascaro acaba por não se deslocar muito do presente. Mas nós temos uma fé desmedida neste erotismo de rave evangélica.
Podemos até sentir um prolongamento da sensualidade de Boi Neon, o magnífico filme de 2015, agora a desenhar a inteligente ligação entre o crescimento (quase) global da religião evangélica no Brasil. De resto, canonizada de forma oficial pela histórica frase “Deus acima de todos” proferida por Jair Bolsonaro no discurso de tomada de posse na Presidência.
Na verdade, parece até existir um lado de futurologia nesta narrativa utópica que decorre em 2027, num país que trocou a celebração do Carnaval pela celebração do “Divino Amor”, uma espécie de jura eterna proferida ao relento no seio de uma mega rave evangélica, sempre em tons de rosa e azul, como de resto todo o filme, em que milhares se juntam para para dançar em êxtase a jura de amor eterno e a dádiva divina do amor. E para quem sofre de dúvidas amorosas ou incertezas, existe mesmo um “drive in” ecuménico onde um pastor de serviço auxilia numa prece com música celestial mesmo sem o crente sair do automóvel.
Neste futuro tão próximo em que a palavra de Deus quase recebe a dimensão de um Big Brother, o controle de natalidade é feito por um scan de DNA como sucede com os detetores de metais no aeroporto. E o sexo como prazer é mesmo desaconselhado, salvo se for como um meio de reprodução. E aí alguns membros do culto “Amor Divino” sejam mesmo “facilitadores” para conduzir a relação sexual com cada um até ao êxtase para que apenas o orgasmo seja consumado com o parceiro devido.
A mega estrela brasileira Dira Paes é Joana, uma mulher que deseja muito ter uma criança e tenta mesmo os métodos mais exóticos com o marido. Inclusive um sistema oriental em que o parceiro fica de pernas para o ar ao mesmo tempo que recebe uma radiação no pénis. Pode parecer contradição ela trabalhar na secção de divórcios de um cartório, só que investe todo o seu empenho para dissuadir os casais de concretizar o desenlace. Ao descobrir que está grávida e percebendo que não foi do marido, nem de nenhum dos membros do Divino Amor, instala-se a dúvida de um verdadeiro Amor Divino. Não só a dúvida dela, como também a dúvida do marido, do pastor e de todos os crentes. Isto antes de suceder o milagre. Mesmo que isso implique uma ecografia a um testículo. Afinal é o corpo mesmo que encerra o milagre.
Crítica de Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt