Dizem que hoje é o dia mundial do Teatro
As manifestações são várias e significam o que significam, sobretudo numa altura tão particular como esta, em que continuamos a condecorar o passado e a ignorar o presente.
Uma altura em que ainda o corpo de um dos nossos gigantes estava quente (e estará sempre) e já despejavam os restantes ficantes — que são (e serão sempre) parte do corpo que ajudou a levantar. O corpo que ajudou a levantar também foi um país.
Uma altura em que uma instituição que também é pública, a Universidade de Lisboa, não cumpre sequer o seu dever mais fundamental: o de uma justificação pública.
Uma altura, dizia, em que instituições que se promovem como bastiões do conhecimento e do humanismo, como o fazem as universidades, se passam a gerir como empresas. Em que se acomodam à sua função mais bárbara, a da produção incessante de mão-de-obra precária, enquanto vão injectando os seus alunos, os seus funcionários e os seus docentes de todo o vocabulário neo-liberal absurdo que encontram, que compram e que vendem.
Uma altura em que, aparentemente, de todas as “soft-skills”, a que mais falta é a dignidade.
Uma altura em que, enfim, se diz que é o dia mundial do Teatro.
(Pausa para um cigarrinho)
Um pouco atrás, em 2019, findado um espectáculo no Teatro Aveirense, tomei a decisão que não voltaria a encenar tão cedo. Não era apenas uma questão de estar esgotado (eu, não o espectáculo, que também esgotou já agora, muito obrigado) — o que um espaço como o GrETUA exigia de mim obrigava-me a ter de escolher. E portanto escolhi o melhor que soube.
Desde então escrevi apenas avulsamente, quando os meus amigos Luís Araújo e Nuno M Cardoso conseguiram mobilizar uma pontinha do meu desejo, mas não voltei a dedicar nem ponta nem ponto à cena.
Esta próxima quarta-feira vamos estrear o “Ossário” (uma criação teatral do GrETUA 2022), um trabalho em que não tive dedo excepto na sua direcção plástica, o desenho cenográfico e a sua iluminação.
Antes ainda de pensar no que pode ser a iluminação de um espectáculo que vai viver a 3 metros da teia, gostava que ficassem com uma foto muito crua da sua cenografia. A ver se justifica mais uns bilhetes e umas reservas. Ali ao centro não se vê, mas é água muito fria, muito à semelhança do que vamos levando desta vidinha.
Esta dedico-a ao punhado de pessoas muito especiais que não deixam este lugar cair, que acolhem e produzem mais de 70 eventos por ano e que ainda encontram espaço nas suas vidas para noitadas a construir monstros como este (a cenografia, não eu, mas já agora eu também, muito obrigado).
Elas sabem quem são.
Quanto a vocês, valorizem o presente enquanto existe, que mais tarde ou mais cedo a barbárie bate à porta, e virá cheia de “soft-skills”.