Do envelhecer
Os dias do regresso sucedem-se devagar e previsíveis, como sempre deveria ser quando há alguma paz nas nossas vidas. Gosto de ver os lugares e as pessoas quase recompostas numa subtil mudança para o que nunca irá mudar. Aqui e ali as mesmas piadas, o mesmo sorriso, as mesmas diatribes. Depois da falsa suspensão da vida a que chamamos férias, o recomeço dá oportunidade de apresentarmos a mesmíssima pele mas mais lustrosa, preparada e engalanada para as batalhas que nos esperam. Este é o meu tempo preferido, a promessa de um Outono depois dos excessos mais solares e quase forçados. Um Outono que me é mais apropriado, parafraseando o meu poeta.
No meio deste remanso procuro em vão a sábia do bairro, a inevitável menina Marina. Dizem-me que não está, que não regressa, que encontrou lugar melhor. Desde logo sinto-lhe a falta e digo-o a quem me quis ouvir. Respondem-me: “Mas está aquela rapariga no seu lugar, muito mais nova. Precisamos de juventude, de caras novas.” Olhei para a moça em questão, bonita, simpática e competente, com o sorriso de despreocupada arrogância que normalmente é conferido pela mistura explosiva de beleza e juventude. Está tudo certo, mas ainda assim…
Talvez seja por sempre ter achado que a juventude é sobrevalorizada. Talvez seja – não, é-o de certeza – por sempre ter desejado ser mais velho. E aqui ser mais velho não equivale apenas a contar com mais anos, numa percepção meramente cronológica. Trata-se sim de ter mais vida.
Desde sempre a vida que tinha não me chegava porque não me permitia saber de muitas coisas. Daí ter sempre, de uma forma ou de outra, procurado a companhia de pessoas mais velhas. Ainda hoje tenho grandes amigos bastante mais velhos do que eu.
Numa cultura como a ocidental (ou, para não ir mais longe, num país como este a que pertenço) esta atitude é quase uma forma de resistência. Nunca compreendi este doce desprezo pelos mais velhos, que ou são ignorados ou infantilizados de forma estúpida e abusiva quando na verdade deveriam ser ouvidos e respeitados. Olhem, amigos: eu não estou a fazer uma estetização da velhice, que pode ser difícil e dolorosa; a perda de faculdades, físicas ou mentais, e o reconhecimento disso mesmo não tornam a vida mais doce. Mas no meio desse percurso há a memória e o sossego que quem já viu muito; mais importante ainda, há a possibilidade do legado, de transmitir o que se amou a outros que ainda o poderão fazer. Que essa possibilidade seja tão maltratada por nós é algo que considero inaceitável.
Vivemos numa altura em que a longevidade é clinicamente aumentada. Mas de que serve viver mais se ninguém quer saber da vida que se teve?
Não, pela minha parte estou como a mais fabulosa canção do musical Gigi, I’m Glad I’m Not Young Anymore, em que entre outros versos memoráveis há este: “forevermore is shorter than before”. Que a juventude é necessária e bem-vinda – certamente. Mas que envelheçam, envelheçam se puderem. Como dizia um dos grandes cronistas americanos, Garrison Kellor, “Envelhecemos e percebemos que não existem respostas, só histórias”.
Esta crónica foi publicada originalmente no jornal Hoje Macau, tendo sido aqui reproduzida com a devida autorização.