Do psicadélico ao baroque pop, a viagem de Cameron Avery
Cameron Avery pode não ser o primeiro nome que nos vem à cabeça quando falamos de bandas como Tame Impala ou Pond, mas o artista de 29 anos, oriundo da Austrália, é um atributo importante nas duas bandas. Apesar de Tame Impala ser um projecto de Kevin Parker, ao vivo vemos Avery desde 2013 (altura em que substituiu Nick Allbrook) a empunhar o baixo e a rasgar riffs habilmente construídos pelo seu amigo.
No caso da banda de rock psicadélico Pond, Avery foi com Jay Watson (outro membro dos Tame Impala) um dos membros fundadores desta banda e um colaborador frequente do grupo. Os seus talentos musicais são multifacetados, estando tão confortável no meio de bombos e tarolas como ao leme de um baixo ou guitarra. Além da sua habilidade instrumental, a sua voz é confortável ao ouvido e, não sendo excepcional, cumprem-se essas mesmas destrezas neste primeiro projecto a solo, Ripe Dreams, Pipe Dreams, escrito e produzido maioritariamente pelo próprio.
O músico australiano inspirou-se em ídolos de outros tempos neste projecto, no trabalho de artistas como Frank Sinatra ou Dean Martin. O propósito era criar um álbum que aludisse ao som desses cantores e ao som de big band. O resultado é um projecto que vai buscar inspiração a essa época e que apresenta a visão artística de Avery. Depois do seu contributo para Pond ou Tame Impala, a vertente apresentada neste álbum surge como uma surpresa mas não deixa de ser mais significativa ou digna de elogios. Há um cuidado na escrita, letras imaginativas e descritivas que revelam que a destreza de Cameron Avery não se restringe só ao lado instrumental.
A sua voz é flexível: em certos momentos soa triste e sentida, como em “An Ever Jarring Moment”, ou “Do You Know Me by Heart”, faixa com um arranjo de cordas de grande sentimento, balada soturna e de coração partido. Noutras alturas soa mais assertiva e grave como em “Dance with Me”, tema a lembrar Lou Reed na voz, com um instrumental de guitarra seca e grave e uma batida tribal estimulante, um desafio escondido sob a forma de canção para a mulher que habita no coração do artista. E, por vezes, o seu cantar é simplesmente um belo adorno ao instrumental cuidado e muito ao estilo de baroque pop, como em “A Time and a Place”; a música introduz o álbum com uma guitarra veranista e um timbre quente, adornada por uma bonita melodia de sopros e com aquele sentimento nostálgico do novo que aspira a ser antigo.
Apesar da leveza geral do álbum, há momentos mais “selvagens” e em que a distorção se faz ouvir: “Watch Me Take It Away” é muito aguerrida, com um feeling de “guerreiro” e percussões sonantes que são um bom pormenor na música que é aquela com mais garra do álbum. Este tema lembra qualquer coisa dos The Black Keys, mas o timbre mais grave de Cameron Avery destaca-se da voz mais leve de Dan Auerbach. “The Cry of Captain Hollywood” também tem uma vibe mais rock, a lembrar qualquer coisa antiga da época áurea dos blues reinventada para os tempos que correm, apesar de ser um instrumental não aproveitado e um interlúdio estranho no meio do álbum. Acaba só por dar mais corpo a uma curta lista de faixas e sentimento explícito.
Ripe Dreams, Pipe Dreams é o culminar de algo, o ponto de situação de um artista que passou a sua carreira a contribuir positivamente para vários projectos musicais e que toma agora as rédeas no seu primeiro álbum a solo. É pessoal, com letras bem expostas e que revelam tanto sobre a pessoa como o músico: as suas faces de artista, amante, apaixonado e contador de histórias unem-se num projecto descontraído, calmo ao ouvido e apelativo para o coração.