“Domino”, de Brian De Palma: quando a produção não acompanha o talento do cineasta
Volvidos 7 anos do lançamento do seu último filme – “Passion” (2012) – Brian de Palma regressa com “Domino” (2019), disponível desde 31 de maio nos serviços de streaming da Amazon, iTunes e Google. Responsável por clássicos como “Scarface” (1983), “Carrie” (1976) ou “Carlito’s Way” (1993), a carreira do realizador americano tem vindo a tornar-se menos consensual no decorrer do presente século.
“Domino” narra a história de um polícia de Copenhaga (Nikolaj Coster-Waldau) que procura vingança pela morte do seu parceiro às mãos de um terrorista do Estado Islâmico. Com o decorrer da investigação descobre-se que a CIA tem também interesse no terrorista, pretendendo utilizá-lo para outros fins. Apesar das conhecidas complicações ligadas à produção do filme – visíveis na qualidade da imagem, nas lacunas e incongruências da história e da caracterização das personagens – é notória a impressão digital deixada pelo cineasta. Conhecido pelas vincadas influências de Alfred Hitchcock, De Palma volta a demonstrar todo a sua idiossincrática técnica, que não funciona apenas como cópia ou homenagem gratuita ao “mestre do suspense”, mas uma tentativa de expandir os seus temas, adaptando-os à realidade atual.
O voyeurismo esteve sempre ligado à obra de ambos, explorando nos seus filmes a invasão de privacidade dos personagens captados pela câmara, e o prazer do espetador em poder observá-los no seu íntimo. De Palma apresenta-nos no seu novo filme imagens recolhidas por uma panóplia de dispositivos – telemóveis, câmaras de filmar, câmaras de segurança, drones, binóculos – ficando latente a ténue barreira que atualmente existe entre a vida pública e a vida privada. O poder da imagem e a sua vertiginosa proliferação são também problemáticas que o realizador não explora de forma explícita no filme, mas que são indissociáveis da sua forma.
Não é em vão que depois de parte de “Femme Fatale” (2002) se desenrolar no Festival de Cannes, “Domino” use agora como cenário o tapete vermelho do Netherland International Film Festival, numa das cenas mais memoráveis da obra. Existe uma evidente intenção de comentar o Cinema nos seus filmes, incorporando as potencialidades do meio no desenrolar das narrativas. A utilização dos zooms a objetos significantes, os planos ponto de vista, o ecrã dividido, os planos split diopter e a música do compositor Pino Donaggio, voltam a estar em destaque na gramática cinematográfica do realizador, assumindo-se cada vez mais como uma pastiche do seu próprio cinema.
É deveras lamentável o efeito nefasto que a produção teve no resultado final do filme e que em nada se adequa ao inegável talento de Brian De Palma. Que, no alto dos seus 78 anos, lhe possam ser dadas as condições ideais num futuro projeto, e a nós o privilégio de continuar a desfrutar de um dos maiores cineastas americanos vivo.