‘Don’t Breathe’: desconforto e tensão num ambiente quase claustrofóbico
Capaz de nos suster a respiração – bem ao jeito do “aviso” contido no título -, Don’t Breathe sobressai pela qualidade com que cria um ambiente de tensão incómoda que extravasa os simples limites do ecrã (sem que para isso necessitemos de recorrer ao 3D, Imax, 4DX ou qualquer outra artimanha do género). Não é terror, é suspense. Um género que, dentro do mesmo estilo deste filme de Fede Alvarez, nos trouxe recentemente o excelente Green Room (ou The Invitation, ainda que este a um nível inferior), além de nos fazer recordar obras como Panic Room e Hard Candy.
O entusiasmo que Don’t Breathe tem gerado um pouco por toda a crítica e pelo público não é para menos e as expectativas não correm (como tantas vezes acontece) o risco de ficarem aquém da real qualidade do filme. O batimento cardíaco aumenta conforme o desenrolar do que vai acontecendo em cena e sem a necessidade de recorrer aos típicos clichés que infestam as propostas cinematográficas do género. Em vez disso, Fede Alvarez goza com o uso (e abuso) barato de jump scares dando uma lição sob como criar um ambiente de tensão sem recorrer às tácticas e maneirismos habituais.
Com honras de sessão de abertura no MotelX deste ano e em exibição por todo o país, Don’t Breathe começa com um completo retrato psicológico das individualidades de um grupo de assaltantes composto por três conhecidos. Uma lição de storytelling onde ficamos a conhecer não só todos os personagens, mas também as suas motivações pessoais. Dos três sobressai Jane Levy, Rocky, uma das principais antagonistas da história.
É a partir do momento em que o grupo de três assaltantes composto por Rocky, Alex (Dylan Minnette) e Money (Daniel Zovatto) decide roubar a casa de um ex-militar invisual magistralmente (e assustadoramente) interpretado por Stephen Lang, que também nós ficamos presos num ambiente tenso de atmosfera pesada onde o som (e também a luz, a espaços) do filme tem papel essencial no ritmo alucinante que se fará sentir a partir daí. Stephen Lang, de voz poderosa e marcante, é um perfeito intérprete de alguém movido por instintos de vingança que originará uma caçada que em momento algum nos dará descanso ou tempo para desviar a atenção.
A premissa inicial daquele que seria um golpe fácil de um grupo de assaltantes contra alguém diminuído das suas capacidades é habilmente aproveitada para uma inteligente história nesta que é apenas a segunda longa-metragem de Fede Alvarez, que em 2013 nos surpreendeu com o remake de Evil Dead, um clássico do género de terror realizado em 1981 por Sam Raimi.
Não é só na sua acção non-stop que o filme de Alvarez é bastante satisfatório (para não dizer mais), mas também na mestria de nos colocar sob um constante dilema moral. Don’t Breathe consegue, sem darmos bem por isso, fazer com que nos interroguemos sob qual a conduta que apoiamos face à situação e às acções contidas num filme que testa os limites do jogo de “gato e do rato” (quem é quem?) num claustrofóbico ambiente doméstico que nos faz indagar sobre a verdadeira vítima desta história.
É no final que Alvarez nos deixa por fim respirar fora de quatro paredes, sendo que o sentimento de clausura não deixa de existir por completo e onde é apenas trazido para o exterior abrindo ao mesmo tempo um cenário de maior dimensão para uma possível sequela. Esperemos, no entanto, que Hollywood não caia no erro de esgotar também este título, interessantíssimo pela sua singularidade e originalidade.
Don’t Breathe é, em suma, um filme sensitivo, que não precisa de se socorrer de clichés para nos causar uma sensação de constante desconforto e tensão em ambiente quase claustrofóbico.