Dos aniversários
All these places had their moments
The Beatles, In My Life
With lovers and friends, I Still can recall
Some are dead, and some are living
In my live I’ve loved them all
Olhem, amigos: gosto de celebrar os meus aniversários. Sempre terá sido assim mas sei que não é assim com todos. Quer dizer: no fundo acredito que o que muda são as nuances festivas porque na verdade ninguém fica imune às manifestações de estima que nessas alturas se recebe, independentemente da quantidade.
O aniversário, o único dia do ano que também tem o nosso nome, tem a extraordinária propriedade de crescer connosco. Adapta-se, ano após ano, ao que somos, a quem amamos e ao modo em que vemos o que nos rodeia. É uma espécie de fato à medida que os anos oferecem e mesmo que por vezes tenhamos a sensação de que nos está curto nas mangas, não está: somos nós que o teremos mal vestido.
No momento em que vos escrevo a minha data passou mas ainda está próxima – só que de forma suficientemente distante para a poder ver com um retrovisor que dá para a vida. Estou à mesa com os meus mais próximos no lugar do costume, pouco mais do que meia dúzia. Rimos, brincamos, salteamos conversas – nada que aparentemente se distinga de um jantar de todos os dias. E é nesse preciso momento que penso: a procura foi essa.
Crescemos com os aniversários de forma diversa. Quando crianças, mal damos por eles, apenas pela festa e pelas prendas (o que já não é pouco). Na juventude e anos imediatos a coisa tende a tornar-se mais grandiosa: cada celebração não pode estar abaixo de uma produção do Cecil B. De Mille. Todos os amigos e conhecidos e amigos de amigos de amigos e está certo. Tragam a cascata de gambas!
Depois, à medida que os anos passam e se tivermos sorte, fica apenas um ténue pretexto para privar com quem amamos, no sossego da nossa inquietação. Se é festa? É. Mas a parte boa é que às onze horas da noite podemos estar todos a dormir. Pela minha parte é uma suspensão bem-vinda do que penso todos os dias: a finitude, o cepticismo, etc. E sempre é nova a emoção com que essas certezas de barro se derretem perante o reencontro com a amizade e o amor.
Este ano – como o próximo, se lá chegar – não foi diferente. A não ser nisto: não há tempo para balanços ou nostalgia quando o presente nos oferece presentes. Vejo ao meu lado os meus filhos e o meu Pai reunidos e percebo o que o tempo é no seu melhor: memória, legado e respeito por tudo isso. Nesta constatação consigo parar e olhar para uma mensagem de um grande amigo que me pergunta: “No meio da vida acelerada ninguém percebe o tempo que uma flor demora a crescer. Para uma flor ficar intacta tem que sobretudo saber viver sem pressa. Corremos para onde, Nuno?».
Para onde não sei. Ou melhor, sei e suspeito que isso será das coisas que mais me inquietam. Mas é nestes dias que percebo onde podemos parar: na amizade, no amor. É o pouco que nos vale e é tudo – exactamente o mesmo que estaremos sempre em risco de desperdiçar. Pelo menos até ao próximo aniversário, que deveria ser já amanhã.
Esta crónica foi publicada originalmente no jornal Hoje Macau, tendo sido aqui reproduzida com a devida autorização.