Drake vs. Kendrick: o choque de titãs

por André Abraão,    10 Maio, 2024
Drake vs. Kendrick: o choque de titãs
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O ano era 2012. O fim do mundo avizinhava-se, Lebron James e os Miami Heat dominavam a NBA e Barack Obama preparava-se para a reeleição. A norte da terra dos livres e lar dos corajosos, em Toronto, Aubrey Graham, mais conhecido por Drake, preparava-se para a digressão mundial “Club Paradise Tour”, com a sua October’s Very Own (OVO), após o lançamento do seu segundo álbum de estúdio, o hoje histórico “Take Care”, catapultado pelo sucesso de “Thank Me Later”.

Na costa oeste, em Compton, cidade na Califórnia, um pequeno jovem de nome Kendrick Lamar Duckworth começava a captar atenção nacional e internacional. Apoiado na editora Top Dawg Entertainment e tipos como Antony Tiffith, Ab Soul, Schoolboy Q e Jay Rock, personalidade fundamental na ignição da sua carreira, os holofotes acenderam com “Overly Dedicated”, começaram a alumiar intensamente com “Section 80” em 2011 e naquele ano preparava-se para cozinhar uma das maiores obras-primas da história do rap, o icónico “good kid, m.A.A.d city”.

Aproveitando o momento do californiano, Drake, com um outro estatuto na indústria, convida Kendrick a abrir algum dos seus concertos na digressão Club Paradise, nos EUA e Europa, depois de já o ter convidado para brilhar na faixa “Buried Alive Interlude”, no ano anterior. 

Procurando retribuir e atrair novos públicos para o álbum nascente, K. Dos [Kenrick Lamar] convida Drizzy para colaborar no registo “Poetic Justice”. Tudo corria bem aos dois artistas e respetivos grupos, o dinheiro e a fama fluíam e o respeito parecia surgir naturalmente. 

Avançando até 2024, o sucesso, embora previsível, de ambos alcança níveis estratosféricos. São batidos recordes de streams, vendas e popularidade, lançamentos de álbuns colocam a indústria musical à beira do colapso e a cultura muda para sempre. Em registos diferentes: Kendrick mais espaçado, conceitual e jazzy, Aubrey [Drake] mais tumultuoso, produtivo e trendy. Os dois? Pesadíssimos.

Nada faria antever um beef entre dois ícones estabelecidos do hip-hop contemporâneo … ou faria?

Antes de tudo, cultura. O hip-hop é uma cultura de competição, beligerância e técnica. O contexto sociológico onde a mesma nasce e as suas infusões explicam que qualquer artista sugado para este mundo enfrenta, mais cedo ou mais tarde, a ideia ser o melhor do jogo. Para isso é preciso ego, uma mestria no uso da caneta, batidas fortes e uma vontade esfomeada de colecionar cabeças para colocar por cima da lareira. Foi assim com Pac e Biggie, Ice Cube, N.W.A e Eazy-E, Jay- Z e Nas ou Eminem. 

Quando dois corpos, duas massas gigantescas, gravitam num mesmo sistema é inevitável que, mais cedo ou mais tarde, entrem em rota de colisão. Tudo começa em 2013, Lamar participa com um verso lendário na “Control” de Big Sean, na qual, para surpresa do próprio host, declara guerra a meio mundo do hip-hop, incluindo Drake. Nesse momento adquire uma aura de intocável e daquele que não deve ser afrontado. 

Já Aubrey [Drake], sem resposta aberta a este verso, vai-se entretendo com linhas furtivas e em beefs com Meek Mill e, mais tarde, Pusha T e Kanye West. Nesta contenda são descobertos filhos que se escondiam do mundo ou o mundo deles, a doutrina diverge, terminam-se relações e raízes étnicas são questionadas.

Os anos vão passando, as figuras agigantam-se e os tiros subliminares de parte a parte não esmorecem, sobretudo olhando retrospetivamente para algumas das barras. 

Até que em outubro de 2023 soa a alvorada que encerra a surdina. É lançada a faixa colaborativa de J. Cole e Drizzy “First Person Shooter Mode” no álbum “For All the Dogs”. Cole coloca-se juntamente com Drake e Kendrick no top 3 de rappers da atualidade, o que, somado a todos os detalhes de backstage desconhecidos e o acumular de subliminares, terá sido a gota de água para este último.

kendrick Lamar não se podia ficar e salta, meses depois, na faixa Like That de Future e Metro Boomin, artistas de Atlanta com grandes desavenças com o 6 God, sobretudo passionais e de processo produtivo, partindo para o ataque deliberado aos dois artistas. Para Dot era tempo de guerra: os três grandes que se lixem, era só mesmo ele. 

Cole apressa-se a ripostar na “7 Minute Drill” da pouco sucedida mixtape “Might Delete Later”. Ironicamente, não se revendo no ódio e tom utilizado, acaba mesmo a apagar a faixa. Mas o foco nunca foi o rapper de Charlotte ou o rapper e produtor da Geórgia. Nem sequer o tipo das cantigas de fim-de-semana. A animosidade era mesmo entre dois titãs geracionais de uma indústria mais popular do que nunca.

Assim, começa o despique, Aubrey lança “Push Ups”, abordando as razões da saída turbulenta de Kendrick da editora T.D.E., nomeadamente o alegado pacto leonino e as percentagens recebidas, a estatura deste e a incapacidade do MC em produzir em abundância ou criar sucessos comerciais, sem deixar de pisar artistas como Rick Ross, Future, Metro, The Weekend que aproveitaram o primeiro disparo para o criticar, numa espécie de 20 vs. 1.

Dezassete dias passam e finalmente ouvimos algo vindo da Califórnia. E que rajada. Entramos na fase Blitzkrieg desta disputa: 6 dias, 6 músicas. 

Trinta de abril Kendrick lança “Euphoria”, questionando a utilização da n-word, o mérito das conquistas, o aspeto e o recurso a ghostwriters pelo astro canadiano. 3 de maio sai a “6:16 in LA”, numa referência aos tradicionais timestamps de Drake, expondo os alegados traidores dentro da equipa OVO. Ainda no mesmo dia, Drake riposta com a música “Family Matters”, com direito a videoclipe, onde destrói a célebre carrinha de GKMC, acusando Kendrick de infidelidade e violência doméstica.

Não foi preciso esperar muito pela resposta. No dia seguinte, Kendrick lança uma combinação: “Meet the Grahams” e “Not Like Us”, esta última com potencial para ser um single de sucesso, do sample utilizado ao uppity flow e barras poderosas, está tudo no sítio. Com uma capa provocatória, a fotografia aérea da embaixada, a casa de Drake em Toronto, a mensagem desta vez passava por expor as más qualidades parentais deste, a suspeição da existência de uma filha de 11 anos não assumida, operações cosméticas secretas e acusações graves de pedofilia.

O último tiro, até à data, dá-se a 5 de maio. No “The Heart Pt.6”, uma alusão aos singles que antecedem os álbuns de Lamar, Aubrey revela que foi plantada informação falsa sobre uma eventual filha e outros detalhes sobre a sua equipa, de modo a criar uma ideia de clima de traição no seio da firma de outubro. Ataca, novamente, a relação de Kendrick com Whitney Alford, noivos há mais de 9 anos e com dois filhos, ao focar o afastamento do pai aos filhos, uma relação extraconjugal com Dave Free e a violência doméstica.

Não é simples, nem limpo. Há arte e muito talento no processo, mas há muito mais fora, para além deste. Faz parte do jogo, temos o privilégio de poder desfrutar. Esperamos que não se repita o sangrento desfecho de há 28 anos. A indústria não o suportaria. Nem nós, a cultura.

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