É Natal, é Natal… lá lá lá rárá
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
Bom, vamos deixar-nos de coisas: é Natal e nenhum de nós está contente com isso. Não há data mais deprimente no calendário do que o Natal, com a excepção talvez de aniversários depois dos 30, onde jovens que já não são jovens tentam ser jovens fazendo coisas que os jovens não fazem, como tirar fotos com bigodes ou balões de BD com frases super divertidas. E jovens.
Actualmente, tudo me irrita no Natal, o que é chato porque me sinto um Grinch e o verde assenta-me quase tão mal como ao Coentrão, mas também é a verdade. Está tudo errado, a começar logo pela comida. É demasiado, pessoal. Ainda por cima nem sequer faz sentido! No Natal, teoricamente, comemoramos o nascimento de Jesus, um tipo pobre, que nasceu numa manjedoura, teve de ser aquecido pelos bichos e que mesmo em adulto disse que é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus, certo? Certo. E como o fazemos? A comer e a beber que nem bestas num banquete que ultrapassa o PIB da República de Kiribati, como é óbvio.
Mas não acaba na comida isto de esbanjar dinheiro inutilmente, também há as prendas. Meu Deus, as prendas! Não há natal sem prendas! A coisa mais importante do Natal são as prendas! Como é que vais mostrar que gostas de uma pessoa e te importas com ela sem lhe dares uma prenda que custe mais do que meio ano de renda de um T3 no Parque das Nações?! Agora o carinho que lhe dás durante os restantes 364 dias é suficiente, se calhar…
E depois, que raio se passa com as pessoas e os embrulhos das prendas? Porque é que, de repente, um embrulho feito por uma miúda da Brandoa com o 11º ano é algo tão apetecível que justifique estar duas horas numa fila? Aquilo é para rasgar, idiotas! Ninguém que recebe uma prenda quer saber do embrulho. O embrulho é uma espécie de preservativo dos presentes: é apertado, não dá jeito nenhum e na maioria das vezes o que metem lá dentro não compensa o trabalho. Sim, porque se para as pessoas próximas tens de hipotecar a casa para comprares o que eles acham que merecem, não nos podemos esquecer daqueles “amigos” de trabalho ou primos em 3º grau de Lausanne a quem somos obrigados a dar “uma lembrança” cuja a única coisa que se aproveita é mesmo o embrulho. Sim, já perdi a conta à quantidade de puzzles que recebi de primos de 3º grau. Puzzles da Torre de Pisa, puzzles da Torre Eiffel, puzzles do Coliseu… Aliás, tenho quase a certeza de que os monumentos espalhados pelo mundo foram construídos só para que os primos em 3º grau possam ter prendas no Natal. E depois temos a família. Ah! A Família… Como não amar este amontoado de gente com quem partilhamos meia dúzia de traços genéticos e só? Pessoas que vês 3 vezes ao longo do ano e que mais facilmente sabem quem matou o Sá Carneiro do que o que fazes da vida. E sempre com a mesma lista de perguntas:
“Então, quando é que te casas?”
“Quando é que arranjas um emprego a sério?”
“Porque é que estás a olhar para mim com essa cara? O que é que é vais fazer com essa faca? Não… Nããããããããoooooo!”
E porque é que todas as famílias têm um tio bêbedo/racista/homofóbico/sexista? É sempre um tio. Nunca é um pai, uma mãe, um cunhado, é sempre um tio. Acho que há casais que têm dois filhos só para garantir que há um tio destes nos natais futuros. O tio bêbedo/racista/homofóbico/sexista é o Bolo-Rei das famílias: uma coisa de que ninguém gosta, que fica mais tempo lá em casa do que seria normal e que só serve para enfeitar a mesa. Mas também tenho de dizer que quando são os putos a fazerem birras, a chorarem porque querem mamar, a vomitarem de excitação enquanto tropeçam nos próprios pés e a dizerem disparates é tudo muito bonito e o Natal é das crianças, quando é o tio bêbedo a dizer “eu sei bem como se resolvia aquilo da Síria” enquanto cai para cima do presépio, bolça a manjedoura e começa a chorar é logo um “ai meu Deus que já estragaram a festa”. Afinal o perdão de Natal só existe nas camadas jovens.
No entanto, o pior de tudo, ainda consegue ser a caridadezinha natalícia. Nada me irrita tanto no Natal como ver os bons samaritanos que durante o resto do ano mudam de passeio quando vêem um sem-abrigo a fazer voluntariado no Natal. Meu caro, não. Não é por na noite de consoada te “misturares com a plebe” que deixas de ser uma pessoa execrável e egocêntrica. Principalmente se passas mais tempo a tirar selfies para mostrar que és uma alma gentil do que realmente a distribuir espinhas de bacalhau para os pobres sonharem a que é que sabe o peixe. Aliás, queres fazer uma boa acção no Natal? Não vás para os centros de apoio distribuir comida, agarra num sem-abrigo e leva-o para casa. Nestas noites de frio, de solidão, de tristeza, acredita que ele vai agradecer. Portanto, neste Natal adopta um sem-abrigo. Até porque ardem bem e aguentam mais do que os troncos de pinho ou oliveira. E se estás com medo que a polícia te apanhe, não te preocupes: é um sem-abrigo, a partir de 26 já ninguém se lembra deles.
Feliz natal!