E se não se conseguir formar governo?
O mapa eleitoral português tem sofrido alterações significativas nos últimos anos. Aos quatro partidos fundadores da nossa democracia, juntou-se o BE, há mais de 20 anos, e mais recentemente o PAN, a IL e o CH. Se, por um lado, esta proliferação de opções pode garantir uma maior representatividade das diversas sensibilidades políticas existentes no país, por outro leva a uma maior fragmentação da composição do parlamento e a uma crescente dificuldade na obtenção de maiorias.
O iminente chumbo do orçamento e a consequente dissolução da AR pode representar a abertura de um ciclo de alguma ingovernabilidade no nosso país. Se as eleições que se avizinham confirmarem uma maioria de esquerda, dificilmente haverá espaço a nova geringonça, porque os pressupostos que levaram à convergência pós-troika já não se verificam e o PCP e o BE têm assistido a uma certa erosão do seu eleitorado. À direita, é pouco provável que haja maioria, quase impossível que essa eventual maioria se construa sem o CH e ficção científica pensar numa maioria absoluta do PSD. Da mesma maneira que uma vitória absoluta do PS também não se afigura nada fácil.
Claro que em vários países nórdicos e da Europa central se governa assim há muitas décadas, com acordos parlamentares sucessivos e negociados pontualmente. Porém, a nossa matriz latina dificilmente encaixa com a fleuma e diplomacia que os acordos negociados nos corredores do parlamento exigem. Acho que somos mais próximos do caos italiano que faz cair governos praticamente todos os anos. Isto tudo acontece numa altura muito delicada da nossa existência, com a economia de joelhos, um país a sair de dois processos traumáticos seguidos, um provocado pela crise do subprime e a intervenção externa e outro pela pandemia que ainda atravessamos.
Tudo isto pode obrigar, mais tarde ou mais cedo, a soluções de bloco central, eventualmente com o CDS também. E isso pode ser péssimo para Portugal, porque destruirá a natural alternância na constituição do governo e entregará a André Ventura a liderança da oposição e a ilusão da constituição de uma eventual alternativa de poder. Isso vai-lhe dar tempo para atrair quadros mais preparados para o partido, ávidos de poder e dos seus quinze minutos de fama, em vez dos cromos que se candidataram nas recentes autárquicas. No fundo, é o que tem acontecido em França, com Marine Le Pen e com a agonia dos partidos tradicionais da democracia gaulesa.
Por estes dias, e ao ouvir as intervenções atrapalhadas dos responsáveis do BE e do PCP, tenho-me lembrado do PRD (Partido Renovador Democrático) e da moção de censura de 1987, que fez eclipsar o partido. Espero que isso não aconteça, porque precisamos desses partidos, mas temo que o eleitorado de esquerda se concentre no PS, como forma de penalizar BE e PCP pela crise política que poucos desejam e para facilitar uma eventual solução governativa à esquerda. Vai ser um inverno animado…