Educarmo-nos pelo sonho das Artes
A Cultura é muita coisa. Tanta coisa. É o conjunto de valores e normas, é informação, é sociedade. É aquilo que tem impacto no tecido social. E as Artes são educação. A questão da educação através das Artes é antiga, muitas vezes percorrida, e que regressa quando as relações sociais se tornam insensíveis e começamos a sentir a falta de novas perspetivas. A educação pelas Artes é um olhar para o amanhã. Ora, de que outra forma é que poderíamos chegar ao futuro com paz, liberdade e harmonia?
Sinto que a educação, da maneira que está construída, nos tem conduzido a uma formatação desenquadrada, tornando-nos seres descontentes, menos capazes de encontrar soluções e de procurar a liberdade e a felicidade. Esta questão tem em si o gérmen de várias utopias, sendo motivo de alguma reflexão. A educação através do sonho das Artes coloca uma certa tensão entre o coletivo — o local onde saímos da nossa bolha interior, discutimos, estamos com outros — e o ser individual. As Artes permitem que nos desdobremos e que ganhemos a capacidade de revelar felicidade e harmonia com a sociedade e com o ambiente. Por outras palavras, coloca o indivíduo no centro do projeto da humanidade.
Tenho de confessar que as artes performativas são o meio que mais me toca. A relação que o indivíduo tem com o seu corpo, com as suas angústias, com as suas cicatrizes e, no fundo, com as suas experiências pessoais é magnífica, julgo, e deve ser ressaltada. Existe, por isso, um conjunto de projetos, que têm que ver com esta educação pelas Artes, que envolvem jovens, grupos de risco, terceira idade, comunidades excluídas e que, de alguma maneira, têm vindo a ser um desígnio daquilo que os políticos pedem aos artistas para fazer, ao longo de uma ampla dimensão biográfica. E os artistas, eles próprios, têm abraçado de forma determinada estes pedidos, desde o momento em que a dimensão performativa se tornou mais clara e emergente.
Mas, entenda-se, a educação através das artes não pode, nem deve, ser só baseada na dimensão biográfica. Tem de ser também uma forma de acolher heranças, patrimónios e tudo aquilo que nos fez chegar até aqui. Aquilo que nos permitiu atingir esta cultura, que nos autorizou a ser quem somos e que nos deixou criar relações sociais. A matéria da vida e as experiências tornaram-se objeto de criação e, em última instância, de educação. Temos de nos educar para que, no futuro, haja concordância e valores que façam parte de uma dimensão maior.
A relação entre o indivíduo e o coletivo é um objeto artístico, e os intérpretes têm essa consciência. Sempre que um artista se fecha sobre si próprio e olha para o seu corpo, para as palavras e para o corpo dos outros, tentando dar vida aos textos, há uma espécie de mergulho sobre si próprio. Uma imersão na sua própria natureza, se preferirem. E há, também, uma devolução desse mergulho para a relação com os outros. Esta vontade de criar beleza é também uma prova da coragem dos artistas em fazerem esse exercício de solitude interior, o que mostra que temos de trabalhar o medo e enfrentar os nossos demónios, perceber o quão próximos eles nos são. A educação pelas artes é isto: a promoção do mergulho no ser individual e a respetiva devolução ao ser coletivo. Se feito de forma consciente e regular, este ensino através do sonho permite o juízo crítico, a autonomia, a liberdade e a capacidade de nos apaixonarmos. Só as Artes é que têm este poder, em contraciclo com a tendência atual: consumir exageradamente como forma de salvação e aceitar tudo o que nos dizem, porque parece que existe uma verdade que nos ultrapassa e que nós teimamos em colocar nas mãos dos outros.
Neste sistema de utopias que se vão desdobrando umas nas outras, são as Artes que podem trazer outras formas de olhar para o mundo e de nos relacionarmos com o consumo, a natureza e connosco próprios.
No entanto, parece ainda que a educação pelas artes vem sempre em último, o que aparenta ser um sintoma da forma algo pobre de como estamos a desenvolver o mundo. A arte é quase sempre pensada como uma ocupação dos tempos livres — um pensamento estranho, por si só —, sendo, por isso, urgente criar a consciência de que a educação pelo sonho, pela beleza, tem um papel primordial. É nesta educação através das emoções, dos sentidos e de diferentes culturas que eu acredito que podemos perceber que é na transformação do individuo e na sua capacidade estética que podemos idealizar que o mundo se irá desencaixar deste eixo por onde entrou e mudar-se para outra direção.