Eleições na Holanda e ideias para a reforma do sistema eleitoral português
Mark Rutte e o VVD (liberal conservador) foram os vencedores nas eleições legislativas na Holanda do passado dia 17 de março, que elegeram os 150 deputados da Tweede Kamer que passa agora a contar com 17 partidos com assento parlamentar. Ao que tudo indica, o atual Primeiro-Ministro irá, pela quarta vez, liderar uma coligação que deverá voltar a integrar, para além do VDD, o D66 (liberal progressista e um dos grandes vencedores da noite, passando de 19 para 27 deputados) e o CDA (democratas cristãos), que fazem parte da atual coligação que lidera os destinos do país. As negociações para formação de coligação de governo iniciaram-se formalmente após a divulgação oficial dos resultados oficiais, a 22 de março.
Para melhor entender a razão pela qual existem neste momento 17 partidos com representação parlamentar ou razão pela qual a formação de governo tem implicado sempre a criação de coligações, importa explicar em traços gerais o sistema político e eleitoral.
A Holanda é uma monarquia constitucional, na qual existem duas câmaras: a Eerste Kamer (e “Primeira Câmara”) e a Tweede Kamer (“Segunda câmara”). A Eerste Kamer tem 75 membros eleitos indiretamente pelos parlamentos das 12 províncias holandesas e tem o poder de rejeitar ou aprovar legislação, mas não tem poder de iniciativa legislativa. A Tweede Kamer é composta por 150 deputados eleitos por sufrágio direto e universal. As duas câmaras são, em conjunto, designadas por Staten-Generaal (“Estados Gerais”).
Nas eleições legislativas, as listas de deputados são semiabertas, ou seja, têm um ordenamento definido pelos partidos, mas o ordenamento pode ser alterado pelos eleitores no boletim de voto ou, caso os eleitores nada indiquem, a ordem definida é aceite tacitamente. Este modelo, que poderíamos acolher em Portugal, confere algum poder aos eleitores na escolha direta dos deputados, ao contrário do sistema português, em que os eleitores votam apenas nos partidos e nas suas listas de deputados pré-definidas, não tendo qualquer influência na determinação de quais os deputados que serão eleitos.
Os deputados são eleitos de forma proporcional num círculo único nacional, ao contrário, por exemplo, de Portugal, em que os deputados são eleitos pelos respetivos círculos eleitorais de acordo com um sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt. Para que um partido assegure a sua representatividade na Tweede Kamer, necessita obter uma votação mínima de 0,67%. Não sendo para mim o modelo ideal, a eleição de forma proporcional dos deputados num único círculo nacional assegura uma maior representatividade e combate algo que em Portugal em nada contribuiu para a aproximação dos cidadãos à política: os milhares de votos, essencialmente nos distritos com menor representatividade, que, pela aplicação do método de Hondt, não contam para a eleição de qualquer deputado.
A título de exemplo, com os resultados das legislativas de 2019, a distribuição de deputados seria a seguinte:
Numa leitura rápida deste quadro é possível perceber que os únicos prejudicados com este modelo seriam os dois maiores partidos em Portugal, PS e PSD, o que certamente impedirá qualquer reforma eleitoral neste sentido. Este modelo, tal como acontece na Holanda, favorece os pequenos partidos e torna mais complicado o surgimento de maiorias parlamentares, levando ao surgimento de coligações para formação de governo. Mas a verdade é que as coligações, apesar tantas vezes demonizadas em Portugal, asseguram uma maior representatividade dos votos dos eleitores e que o Governo acolhe visões políticas diversas.
Outra característica importante das eleições é o facto de os eleitores poderem votar em qualquer assembleia de voto no país, independentemente da sua residência, o que permite uma maior afluência às urnas. Coincidência, ou não, a taxa de participação nas eleições foi de 81%. Sendo certo que este sistema é de mais fácil implementação num modelo de círculo único, fica ainda assim esta ideia para combater a crescente taxa de abstenção no nosso país.
Enquanto republicano convicto em nada invejo uma monarquia constitucional. Não obstante, algumas das características do sistema eleitoral parecem interessantes e podem servir de base para que de discutam em Portugal reformas ao nosso sistema eleitoral, sucessivamente adiadas, num país com taxas de abstenção que crescem de eleição para eleição. Num país em que nos habituámos a ouvir nos discursos das noites eleitorais aquele minuto em que os candidatos e líderes de partidos utilizam para lamentar a taxa de abstenção, também nos habituámos já a que, no dia seguinte, tal preocupação se desvaneça para apenas voltar a surgir na eleição seguinte. Sendo certo que as principais causas da abstenção estão estudadas e passam, entre outras, pela falta de confiança e/ou insatisfação com a política, bem como pela não identificação com os partidos políticos e/ou as suas causas, adiar reformas e medidas que permitam assegurar uma maior votação e a aproximação dos cidadãos à política é prestar um mau serviço à democracia, que, agora mais do que nunca, deve ser defendida.