‘Elle’ e a emancipação feminina

por João Estróia Vieira,    8 Novembro, 2016
‘Elle’ e a emancipação feminina
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Nomeado para a Palma de Ouro em Cannes e exibido no Lisbon & Estoril Film Festival onde esteve em competição, Elle é um glorioso retorno por parte de Paul Verhoeven a uma fórmula que bem conhece, após ter marcado de forma indelével a história do cinema em 1992, com Basic Instinct. Essa abordagem mais comercial no filme protagonizado por Sharon Stone conhece agora o seu redentor intelectual com Isabelle Huppert no principal papel, num filme sobre sexo, sobre vingança e sobre as relações sociais da protagonista.

O novo thriller de Paul Verhoeven, baseado na obra literária Oh… de Philippe Djian, começa de forma chocante. Um gato é filmado enquanto observa aquilo que se vem a descobrir ser uma cena de violação. Após o acto, a vítima fica a olhar para o tecto, sem reacção, num misto de estupefacção e choque. Michèle Leblanc, (a vítima) decide não fazer queixa à polícia, lidando com o assunto de forma interior. A frieza da decisão é sintomática da personagem interpretada. Os actos de invasão domiciliária seguidos de violação passam a ser recorrentes. A certa altura, Michèle passa a participar neste jogo do gato e do rato de forma activa, percebendo-se desde cedo que ela deseja de certa forma estes momentos de “erotismo”.

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Isabelle Huppert é Michèle, mas dizer o contrário seria igualmente verdade. A actriz francesa tem uma interpretação pulsante e hipnotizante como Michele, dominando cada segundo da personagem que interpreta, tornando-se na mesma. A complexidade psicológica é absorvida por Isabelle como se de uma esponja se tratasse, comprovando através deste filme o período maravilhoso que atravessa na sua carreira, mas, mais que isso, voltando a provar ser uma fabulosa actriz.

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Uma mulher que lê [Simone] Beauvoir vai-te destruir” e “o perigo na verdade és tu”, são frases ditas a certa altura durante o filme, afirmando assim a mensagem que este pretende transmitir. Uma espécie de alerta para esta mulher “contemporânea” que na realidade sempre existiu: mulher de negócios bem-sucedida, divorciada, independente, inteligente e capaz de fazer tudo o que nos habituámos a ver ser feito no grande (e pequeno) ecrã por parte do sexo oposto. Uma verdadeira demonstração de domínio por parte de uma figura feminina como há muito não se fazia sentir no cinema. Isabelle Huppert representa tudo aquilo que se imaginaria de uma verdadeira emancipação feminina no grande ecrã.

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Vergonha não é um sentimento suficientemente forte para nos deter”, refere a protagonista. Em nenhum momento, ainda assim, esta afirmação nos prepara para o último terço de filme onde o calculismo da personagem principal atinge o seu pináculo. Fazendo em certos momentos lembrar o erotismo que Isabelle Huppert tinha demonstrado em La pianiste, de Michael Haneke, Michèle é uma das mais marcantes personagens femininas dos últimos largos anos no grande ecrã.

Depois do seu hiato, esta é uma recompensante aposta de alto risco de um realizador que depois do seu período hollywoodesco se consegue separar finalmente da marca que lhe foi atribuída, a de ser um cineasta de ficção científica (sendo autor dos clássicos Robocop, Starship Troopers e Total Recall), trazendo-nos um thriller memorável. Os ares franceses fizeram bem ao holandês.

Elle pode ser visto na plataforma online Filmin

excelente

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