Em “Bartlebyana”, Mariano Alejandro Ribeiro invade as vozes de outros

por Miguel Fernandes Duarte,    8 Outubro, 2020
Em “Bartlebyana”, Mariano Alejandro Ribeiro invade as vozes de outros
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Mariano Alejandro Ribeiro, poeta e escritor português nascido em Buenos Aires em 1993, iniciou a sua caminhada no mundo das letras com Antes da Iluminação (Mariposa Azual, 2016) e Carta em Fuga para Cravo e Drá (Douda Correria, 2017).

Bartlebyana, colecção de textos dedicados a diversos autores do cânone literário mundial (breves biografias, como lhes chama o autor), lançado no final deste verão pela Língua Morta, pode facilmente ser encarado como uma continuação dessa obra poética do autor, porque estes pequenos textos são, mais até do que pequenos contos, praticamente poemas em prosa.

No fundo, a obra pode até ser bem ilustrada pelo texto que dedica a Tomas Transtörmer: “as pessoas querem algo conciso, bem definido. Que seja daqui, ou de acolá. O que é aquilo? Romance, ou poesia? Um fruto, ou uma fruta? Uma ilha? Não, quase sempre um arquipélago.” 

Os textos não são biografias no sentido convencional do termo, mas sim pequenas ficções baseadas em elementos biográficos dos autores ou na obra dos mesmos. Nalguns casos sobressai mesmo um tom particular que facilmente associamos ao autor acerca de quem o texto se debruça, com Mariano, quase como camaleão, a alterar facilmente de registo consoante a necessidade do texto.

Mariano Alejandro Ribeiro / DR

Claro que o leitor que conseguir fazer os paralelos entre estas pequenas biografias e os autores a quem se referem estará mais apto para jogar o jogo que Mariano propõe, mas tal não significa que a sua leitura necessite de conhecimento prévio sobre os autores em questão. Não será isso a trazer uma chave que descodifique um significado especialmente escondido.

Na verdade, os autores que Mariano escolhe homenagear serão, acima de tudo, uma desculpa para que se possa espraiar entre os diversos tons que quer ocupar e os diversos temas que quer abordar.

Com o carácter provocatório muitas vezes presente em obras da Língua Morta, são elegias ao mesmo tempo irónicas, nostálgicas e contemplativas, repletas de aforismos. Logo no primeiro texto, dedicado a Céline, Mariano exibe-nos uma espécie de declaração de intenções:

“Os homens ferozes, como esquivam as emoções que não querem? Que danças evitam com bailes igualmente talentosos? (…) Quando olham para o rosto de uma raça que odeiam, com quantos dedos ocultam a infância dessa pessoa? Com que véu cobrem o dia que ilumina as verdades que não querem? (…) Na hora da partilha e do perdão, onde escondem as suas convicções? Onde escondem a metafísica e a incongruência?”

Por oposição a esses homens ferozes, o que Mariano consegue ao longo de todo o livro é exibir um tacto e uma sensibilidade muito próprias, pontuadas de uma pungência como a que exibe no texto dedicado à poeta polaca Anna Świrszczyńska:

“Todos querem ser janela. Algumas exibindo as cenas mais atrozes dentro. A contemporaneidade veio com o fim das persianas.”

Com tudo o que a contemporaneidade possa ter trazido de negativo, é óptimo que as persianas não estejam a tapar aquilo que Mariano Alejandro Ribeiro tem para dizer.

Nota: Mariano Alejandro Ribeiro é colaborador regular da Comunidade Cultura e Arte, tendo-se optado por não dar estrelas.

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