Em caso de dúvida, escolhe o que te faz feliz
Existe uma crença colectiva profundamente enraizada na maioria de nós. O culto do esforço interminável, do sacrifício exacerbado e da insatisfação permanente são heranças que carregamos e que, sem dar conta, corremos o risco de passar às gerações seguintes. Ambicionar um estado de pura felicidade e genuína paz de espírito parece-nos algo utópico, apenas ao alcance de uma elite iluminada. Mas afinal, porque será que fomos educados para sobreviver e não para ser felizes?
Por vezes dou por mim a sonhar com um mundo diferente. Um mundo em que o medo de não se estar a viver seja proporcional ao de se perder a vida. O que, diga-se em abono da verdade, é praticamente a mesma coisa. A grande maioria de nós foi educada para se aguentar, para “ir andando”. Não descansar enquanto não conseguir garantir o máximo de conforto. Se for necessário, pisar para não ser pisado. Decidir com a razão e silenciar as emoções. O foco nunca foi fazer sobressair a luz que carregamos, mas sim encaixarmos-nos numa sociedade ansiosa, regida pelo stress e pela ganância obsessiva.
Poucos foram os progenitores que ousaram dizer aos seus filhos: “escolhe o que te faz feliz”. Não por falta de amor ou irresponsabilidade, mas sim porque eles próprios também cresceram a ouvir “faz assim, porque tem de ser”. O “tem de ser”, esse severo ditador, sempre me suscitou imensas dúvidas. Quem define esta inalterável conduta? Existe algum manual que nos comprove a sua veracidade? Ou será apenas mais uma ilusão colectiva, daquelas que ninguém vê, mas em que todos acreditam?
O pior surdo é aquele que não ouve a sua intuição, ignora os sinais e insiste em fazer ouvidos moucos àquilo que o faz sentir-se vivo — foi nisto que nos tornámos. Acreditamos no que as redes sociais nos dizem, no que a família espera de nós e no que a sociedade nos impõe, mas e em nós, porque é tão difícil de acreditar? Vivemos uma profunda crise de autoestima por isso mesmo: andamos todos a tentar ser alguém que não somos. Apostamos em vidas que não são para nós e deitamos tudo a perder. Até podemos vir a atingir o topo da carreira, o sucesso financeiro e a folga material, mas será que é isto que nos faz sentir verdadeiramente bem-sucedidos? Todas essas conquistas deveriam ser uma consequência e não uma meta, pois quando o foco está no “ter” em vez do “ser”, algo em nós vai-se perdendo pelo caminho. E às tantas, damos por nós onde queríamos estar, mas sem sentir aquilo que esperávamos sentir.
Em caso de dúvida, normalmente escolhemos o que é “suposto” — parente próximo do “tem de ser”. Ainda me recordo, sem qualquer saudade, mas com profunda gratidão por ter vivido essa experiência, dos tempos em que o meu critério para escolher empregos era apenas um: quem paga mais. Ingenuamente, regia as minha decisões por esta esperteza primária. Esta lógica de vão de escada teve um preço a pagar. Preço esse bastante superior à quantia que aparecia na conta no final do mês. Obviamente que o dinheiro é um recurso importante, mas não é tudo. Assim que conseguimos garantir a nossa subsistência e conforto, será que faz sentido continuar a acreditar que não chega, que é preciso mais e mais?
O mais irónico de tudo isto é que nem sequer nos oferecemos o benefício da dúvida. Assumimos que não podemos dedicar mais tempo ao que nos faz sentir bem, aos nossos sonhos. Rotulamos objectivos como sendo “impossíveis”, quando na verdade deveríamos escrever “receio de tentar”. Por mais estapafúrdio que possa parecer, se existe algo que nos faz sentido, então merece o nosso voto de confiança. Precisamos de “arriscar” mais. Digo-o entre aspas, pois o verdadeiro risco é não correr risco nenhum, como escreveu o autor norte-americano Denis Waitley. Nada é mais arriscado do que viver uma vida inteira a contragosto e acreditar que é possível sair dela ileso. Não é.
Em caso de dúvida, escolhe o que te faz feliz. O que te faz sentir vivo. O que te faz acordar sem despertador. O que te permite viver de propósito. Quando tudo isto terminar, é apenas isso que vai ficar. O resto é isso mesmo: resto.
Crónica de Manuel Clemente
Autor dos livros “Se Sentes, Não Hesites” e “Em Caso de Dúvida, Escolhe o que te faz Feliz”