Em “The Long Goodbye”, Riz Ahmed expande os conceitos que o definem

por João Jacinto,    28 Março, 2020
Em “The Long Goodbye”, Riz Ahmed expande os conceitos que o definem
Capa do álbum
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O actor e rapper Riz Ahmed decide, no seu segundo álbum, finalizar a sua relação amorosa com Britney. Nem sempre é fácil ser igualmente bom em duas áreas distintas do entretenimento. Um dos casos que obviamente merece paralelismos com o presente é Donald Glover, que consegue conciliar uma carreira musical com a sua carreira de ator. Riz também não é um ator de série B, tendo sido galardoado com um Emmy. No entanto, talvez poucos estejam a par da sua carreira paralela como Riz MC, uma das metades do dueto Swet Shop Boys. Talvez seja fácil afirmar que atores a tentar ser rappers nem sempre dão bom resultado; contudo, neste trabalho, Riz Ahmed fá-lo com uma mestria que nos apanha de surpresa.

Voltemos a Britney. Riz, nascido em Wembley e de ascendência paquistanesa, abre o álbum com “The Breakup (Shikwa)”. Entendemos então que estamos perante uma metáfora. Britney não existe. Em poucos versos, é-nos apresentada uma compilação da história da colonização por parte do império britânico sobre o sudeste asiático, sendo informados de que não foi uma história linear. Tal como a sua relação com Britney, por ela teve que lutar duas vezes, ambas contra um homem alemão com quem se desentendeu. Para ela teve de voltar quando esta precisou de ajuda e, no fim, acaba sendo culpado por a sua donzela se sentir perdida e querer ser dona de si novamente. Não é preciso muito mais para a metáfora se desfazer no último verso com a voz do rapper a vacilar “This will either be the end of me or be the wake-up / Brittania breaking up with me, this is the break up”.

Ao rapper não falta originalidade e arcabouço para querer enveredar por um tópico social e político complexo. Contudo, quem melhor para refletir sobre o seu país do que um habitante e cidadão do mesmo? O facto de ter estudado Filosofia, Política e Economia, em Oxford, também acaba por não fazer mal à articulação e exposição destes temas complexos.

Seguimos para “Toba Tek Singh”, um rap mais agressivo e caótico onde temos mais uma vez um conjunto de metáforas sobre assimilação (“Come now, chill babe / I changed my name and got my beard shaved”), assim como sobre o contributo da comunidade paquistanesa para com o Reino Unido e o racismo que esta sofre: “Talking shit in the papers ‘bout me / Truth is you ain’t shit without me”.

Existem pequenos apontamentos ao longo do álbum em que os amigos de Riz lhe deixam pequenas mensagens de voz. Estes testemunhos apresentam-nos momentos mais leves, alguns até jocosos, que permitem desanuviar da tensão do resto do álbum.

“Fast Lava” é acompanhada de chimtas (instrumento musical do sudeste asiático) e um ritmo marcado por uma bateria. É onde Riz mostra que não está para brincadeiras e que é um rapper para ser levado a sério: “I spit my truth and it’s brown”, avisa. No início do mês de março, foi lançada a curta-metragem The Long Goodbye, em que esta faixa é utilizada como banda sonora de algo maior. O que Donald Glover nos apresentou satiricamente com “This is America” parece ter servido de inspiração para Riz Ahmed e Aneil Karia, que realizou The Long Goodbye.

“Any Day” é uma tentativa pop de agradar a um número mais alargado de ouvintes. Contudo, não corre tão bem e aparece descontextualizada neste trabalho. “Can I Live” deixa de ser sobre História, passando para a islamofobia e a pressão que existe no mundo ocidental para alguém com a cor de pele do rapper.

Segue-se “Where You From”, que é sem dúvida a cristalização deste álbum, o manifesto do seu espaço e tempo para Riz: “They ever ask you, “Where you from?” / Like, “Where you really from?” / The question seems simple, but the answer’s kinda long / I could tell ‘em Wembley, but I don’t think that’s what they want”.  Com este início, procede a explicar de onde vem e quem é, deformando e expandindo as definições com as quais se identifica — muçulmano, britânico, paquistanês e ocidental.

“Deal With It” e “Mogambo” — esta última produzida por Redinho — modificam o ambiente do álbum, tornando-o mais pop e leve, fugindo do ambiente que o caracterizava até então e aproximando-se mais do seu trabalho anterior, quando era parte integrante do duo Swet Shop Boys. “Karma” acaba por finalizar o álbum de forma algo desenquadrada, num registo completamente comercial que não tinha sido explorado até aqui.

Riz Ahmed não nos apresentou um álbum perfeito, mas tem uma opinião sobre o estado das coisas, sobre a sua história e sobre o seu papel na mesma. Conseguiu, através de uma metáfora ambiciosa e não tão simples assim, fazer um álbum que funciona. Marca sem dúvida a sua visão — que, atrevo-me a afirmar, não é assim tão incomum — sobre a sua vivência no Reino Unido durante a crise nervosa que parece ter assolado a nação.

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