Em ‘Wasteland’ os Riverside transformam o luto em amplitude criativa

por Comunidade Cultura e Arte,    4 Outubro, 2018
Em ‘Wasteland’ os Riverside transformam o luto em amplitude criativa
Capa do álbum
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No dia 21 de Fevereiro de 2016. Piotr Grudziński, guitarrista de Riverside, faleceu devido a uma paragem cardíaca. O lançamento do álbum que andavam a planear é adiado e todas as datas canceladas. O mundo do rock progressivo e da música em geral está de luto. Se estas últimas frases não vos deixam tristes é porque se calhar não conhecem tão bem o reportório dos mestres polacos Riverside, banda formada em 2001 não só por Piotr, mas também por Mariusz Duda (Voz e baixo), Piotr Kozieradzki (Bateria) e Michał Łapaj (Teclas). Pelo caminho, o álbum Eye of the soundscape (2016) saiu apresentando uma colecção de músicas experimentais antigas que a banda decidiu editar em homenagem a Piotr, bem como quatro músicas novas que ainda tinham sido gravadas com este. Foi um luto, foi duro e temia-se o pior: uma morte também antecipada daquela que é uma das bandas mais entusiasmantes de rock progressivo formadas neste milénio.

Pouco mais de dois anos se passaram e no passado dia 28 de Setembro Wasteland saía para o público. Desde final de Julho que três singles foram lançados – “Vale of Tears”, “River Down Below” e “Lament” – e tudo prometia que Wasteland ia ser um regresso em grande.

Em termos líricos Wasteland é um álbum conceptual que fala sobre uma sociedade pós-apocalíptica a tentar reerguer-se. Numa nota no site oficial da banda, Mariusz Duda (letrista da banda), fala que há muito tempo se sentia fascinado por este tópico, e que devido à morte de Piotr e toda a envolvência da banda, fazia todo o sentido isto ser explorado neste momento. É um álbum muito metafórico, com paralelismos com a sociedade atual e à própria tragédia que a banda sentiu.

Em termos musicais este é um regresso a sons mais melancólicos com alguns momentos de tensão, rock e alguns piscares de olhos ao metal progressivo do início da carreira. É de uma forma geral um álbum triste, introspectivo e muito maduro, com uma produção pensada ao detalhe.

Riverside

O álbum começa com a “The Day After” uma música lindíssima e cantada a capella por Mariusz. Esta vai crescendo e já no final, com sintetizadores e várias camadas de voz, dá o mote ao álbum servindo como entrada para a “Acid Rain” uma música de seis minutos que mostra todo o brilhantismo progressivo a que os Riverside nos habituaram, com um riff poderoso e um refrão fantástico. Segue-se a “Vale of Tears”, outra das músicas mais mexidas do álbum cujos arranjos e pormenores intrigantes nos transportam para outra dimensão. Nela encontramos mais um refrão orelhudo que nos persegue durante o resto do dia e uma secção instrumental poderosa a lembrar uma marcha militar.

Daqui para a frente a banda envereda por caminhos mais calmos e mais experimentais, apresentando-nos a lindíssima “Guardian Angel” em que ouvimos pela primeira vez a voz de Mariusz num registo baixo e intenso, com sintetizadores a segurarem a guitarra acústica e pequenos pormenores eléctricos. “Lament” pega neste sentimento e explora-o ao máximo. É uma música poderosa, emotiva e intensa, em que é impossível não ouvir as referências e metáforas (tanto musicais como líricas) aos últimos anos da banda. Uma passagem de violinos marca a transição entre esta música e a única instrumental do álbum: “The Struggle for Survival”. É também a maior música do álbum marcando nove minutos e trinta e dois segundos. É uma música que cresce a cada volta que dá e em que podemos ouvir os mestres polacos a espremer cada nota. Apesar de longa, a forma como vai crescendo capta-nos a atenção desde o primeiro riff e não mais nos larga. Aqui deve-se também fazer uma grande referência a Mariusz Duda que para as gravações deste álbum assumiu também os deveres de guitarrista e que durante o álbum todo demonstra uma mestria muito elevada em termos de composição e execução. “The Struggle for Survival” é uma montanha russa que tanto sobe como desce de intensidade e nos apanha na curva a cada transição, mas que nunca nos faz perder o foco ou sentir que estamos a ouvir uma música diferente.

River Down Below” serve como almofada que nos ampara após nove minutos de rock energético e que nos faz regressar a um sentimento melancólico, um sentimento de aceitação na perda. O refrão é um dos momentos mais simples mas fortes deste álbum com a frase “take me to the river down below” sendo tocada e cantada como se uma despedida deste mundo se tratasse. “Wasteland” segue-se e a title track não desilude. É mais uma música carregada de transições com uma secção instrumental que explora todo o ambiente do álbum. Nela podemos ouvir também muitas referências musicais a westerns antigos com a produção do álbum a encarregar-se de transmitir esse sentimento de forma brilhante. “Wasteland” é também uma música que mostra ao ouvinte que depois de toda a tristeza e sofrimento existe um futuro e que a banda vai agarrá-lo e continuar a explorá-lo.

Se o álbum começa com a “The Day After” ele acaba com a “The Night Before”, uma espécie de full circle e talvez a música em que sentimos de uma forma mais directa a homenagem ao amigo perdido – “When the night begins to fall/ You and I / In a safety zone / The former world shall not return / But we’ll survive intact / Again”. Totalmente composta com piano e voz. É uma despedida lindíssima de um álbum que consumiu toda a nossa energia.

Wasteland é um álbum que cresce connosco a cada nova volta onde vamos nessas repetições conhecendo novos pormenores, sentindo cada vez mais um peso emocional. Extremamente constante em termos de qualidade, sem existir uma música pior que a outra, é um álbum musicalmente maduro e poético, que não vai deixar ninguém indiferente. É uma viagem triste mas bonita, que marca uma geração e que serve de homenagem a um grande guitarrista que nos deixou muito cedo. Uma homenagem preparada ao detalhe, à nota e ao tempo. É um renascimento da banda, um segundo primeiro álbum com a certeza de que Piotr teria muito, muito orgulho.

Riverside acabaram de começar a tour de promoção a este álbum e têm data marcada em Portugal para o próximo dia 3 de Novembro no Lisboa ao Vivo.

Texto escrito por Pedro Piedade.

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