Encenador Tiago Rodrigues condena a “censura” do espetáculo “O Julgamento Pelicot” na Sérvia
O encenador português Tiago Rodrigues, diretor do Festival de Avignon, expressou hoje a sua “profunda preocupação” com a “censura” do espetáculo “O Julgamento Pelicot” na Sérvia, considerando o caso uma “grave violação da liberdade artística”.
Produzida pelo Festival de Viena com coprodução do Festival de Avignon, a criação do encenador suíço Milo Rau e da dramaturga Servane Dècle, que passou pelo Panteão Nacional, em Lisboa, há semanas, estava prevista para novembro no Festival Internacional de Teatro de Belgrado (BITEF) e foi cancelada, gerando uma série de reações à decisão.
“Enquanto produtor do projeto censurado, o Festival de Avignon considera-se diretamente visado por esta decisão inaceitável e exige explicações das autoridades responsáveis”, lê-se na página de Facebook de Tiago Rodrigues.
O diretor do festival francês sublinha que esta decisão “coloca em risco um dos princípios fundamentais da criação: a arte livre, capaz de questionar o mundo”, e reitera “o seu total apoio à demissão da direção artística do BITEF, e a todos aqueles que defendem a liberdade de criação em toda a Europa e em todo o mundo”.
A performance “O Julgamento Pelicot”, que se inspira no mediático julgamento em França de dezenas de homens convidados pelo marido de Gisèle Pelicot a violá-la enquanto esta se encontrava inconsciente e sob efeito de drogas, estava prevista apresentar-se em novembro no BITEF, mas foi “censurada”, nas palavras do seu encenador, Milo Rau.
Este cancelamento veio lançar dúvidas sobre o futuro de um evento cultural há muito considerado símbolo de liberdade artística e já levou à demissão de dois membros da direção artística do festival.
O BITEF, que está previsto para o final de novembro, mas ainda sem data definida, enfrenta várias desistências atribuídas pelos artistas a pressões políticas, após redução de financiamentos e mudanças na direção artística.
O diretor do festival, Milos Lolic, e o dramaturgo Borisav Matic afirmaram ao canal local N1 estarem convencidos de que a decisão de retirar o espetáculo se deveu às críticas feitas por Milo Rau no ano passado a um projeto de exploração de lítio na Sérvia, apoiado pelo Estado e que gerou protestos em todo o país.
“É, sem dúvida, o ato mais prejudicial contra a liberdade artística que vivi em duas décadas como artista e curador”, afirmou Milo Rau, num comunicado enviado à AFP, acrescentando: “Um dos mais importantes festivais da Europa está a ser desmantelado diante dos vossos olhos, por razões incompreensíveis”.
Meios artísticos sérvios têm relatado pressões crescentes do Governo, desde o início das manifestações desencadeadas em novembro de 2024, após o colapso mortífero da cobertura de uma estação ferroviária, incidente que os manifestantes atribuíram à corrupção endémica no país.
O “Julgamento Pelicot” tem já passagens marcadas para dia 05 de novembro, em Varsóvia, na Polónia, e 09 de dezembro, em Estocolmo, na Suécia.

