Entrevista. Museum Museum: “Vamos buscar inspiração a focos muito mais gerais do ser humano e do que nos rodeia”
Os Museum Museum são Marta Banza e Miguel Reis, dois artistas que têm explorado a sua criatividade musical no projecto Tio Rex. Esta nova aventura pretende explorar outros caminhos, mas sem fugir à sua génese e influências. No fundo são as mesmas pessoas, os mesmos músicos, mas com uma linguagem um pouco diferente, contando histórias que se embrulham entre a música clássica, a folk e tudo o que for necessário.
Na vossa biografia referem que as canções do projecto são intimistas. Pegando no vosso primeiro single, “My Grandmother’s Words”, qual é exactamente a influência da tua avó nas canções de Museum Museum?
Marta: Confesso que nunca pensei nas minhas influências de forma objectiva. Mas, se reflectir a influência da minha avó materna em específico, o que sinto é a sua presença forte ao longo do meu desenvolvimento, desde pequenina. Foi a pessoa que melhor me demonstrou que temos o dever de pensar nos outros, mas nunca nos descorando a nós. Essa humildade e autoestima inspira-me todos os dias. Não duvido, portanto, que se espelhe inconscientemente na minha forma de escrever.
Sendo um projecto com dois membros, como funcionou a criação das letras e escolha dos temas? Foram escolhidos por ambos ou um dos dois pegou no leme da composição e escrita?
Marta: A forma embrionária das letras tem surgido do meu imaginário, algumas vezes mesmo em prosa, ou em jeito de poema rudimentar. Se achar que tem potencial, o ímpeto é logo o de mostrar ao Miguel (sempre com muita timidez, não fosse o Miguel o escritor de canções que é) e ele, para o bem e para o mal, dá-me o seu parecer e, quando necessário, faz a sua magia. Instrumentalmente, a “composição” surge muito naturalmente, às vezes durante um ensaio, outras a meio de uma tarde pachorrenta em que tocamos informalmente os nossos instrumentos e “faz-se luz”. Felizmente tem sido um processo estimulante, nem sempre estamos de acordo durante, mas no fim sai algo de que ambos nos orgulhamos.
Sendo o piano um dos elementos principais nas vossas canções, de onde vem a inspiração para a mistura com a folk já que o piano não se cruza frequentemente com esse estilo?
Marta: Que pergunta tão interessante, nunca pensei nisso! Acho que o rótulo folk é uma pequena parte. Museum Museum é muito minimalista e é uma fusão quase imperceptível da musicalidade de nós os dois, mais folk do Miguel, mais clássica da minha parte. O piano ganhou o seu papel porque é o meu veículo musical principal, não podia nem queria ter nenhum projecto que não o envolvesse.
Miguel: Acho que surgiu naturalmente da simbiose dos nossos backgrounds, influências e sensibilidades enquanto músicos.
O projecto Tio Rex é um dos mais interessantes em Portugal nos últimos anos, tanto pela diversidade musical que mistura, como pela originalidade. De que forma é que esse projecto serviu de inspiração para Museum Museum?
Miguel: Acho que o facto de a Marta ter participações com voz e piano tanto nos discos como em muitos dos concertos de Tio Rex, fez com que a dada altura a necessidade de dar corpo às histórias dela, aliada à cumplicidade e ao à vontade com que partilhamos o palco há já 5 anos, fosse vista por ambos como algo ao nosso alcance. Por um lado, se Tio Rex não existisse, Museum Museum provavelmente também não existiria, mas por outro, por existir Tio Rex, houve também uma necessidade de equilíbrio numa espécie de negativo onde as histórias vêm “do outro lado”.
Marta: Por trás de Tio Rex está o Miguel, dotado da naturalidade, criatividade e perseverança que fazem do seu projecto algo único, para mim. São essas qualidades, cúmplices da teimosia do Miguel, que fizeram nascer o projecto como algo “digno de ser público”. É um projecto com um percurso honesto e bonito, tal como Museum Museum, à sua maneira, almeja ter.
Com a proximidade que a internet cria com outros mercados, e o facto de cantarem em inglês, a expansão internacional está nos vossos planos ou é algo em que não pensam neste momento?
Miguel: Acho que ainda é cedo para falar objectivamente sobre expansão internacional. Estamos a trabalhar no nosso primeiro disco, que nos vai dar a conhecer às pessoas e, se tudo correr bem, permitir-nos tocá-lo ao vivo e fazê-lo chegar ao maior número de ouvidos e corações. Claro que os poemas serem escritos em inglês nos poderá abrir portas lá fora e, se assim for, será com entusiasmo e prazer que embarcaremos nessa aventura, mas para já queremos acabar o disco e metê-lo na estrada com uma tour de apresentação.
Marta, o teu percurso musical é maioritariamente clássico, mas já ouvimos com o primeiro single que existem outros estilos incorporados no projecto. Haverá mais “surpresas” a nível de estilos e elementos ao longo do EP?
Marta: Revejo-me muito nas bases do estilo clássico, e este EP, numa forma discreta, reflete isso. Ainda assim não deixei de sentir a necessidade de contrariar isso com elementos minimalistas e contemporâneos. Este EP estará envolto nestes moldes, mas tenho vontade de, no futuro, misturar outros estilos como o Trip Hop.
Tendo em conta que fazem os dois parte do projecto Tio Rex e que tanto as teclas como a folk estão presentes nesse projecto, de que forma é que pensam distanciar-se (ou não) de Tio Rex?
Miguel: Acho que só pelo conteúdo das canções vir do imaginário da Marta, a aura do projecto já se torna naturalmente distinta. Para além de em Museum Museum haver um foco muito mais acentuado no piano e na voz da Marta do que há em Tio Rex, o projecto é carregado com energias e mensagens diferentes. A meu ver, isso, aliado ao processo de escrita e composição das canções ser feito a 2 (o que em Tio Rex não acontece) cria outras texturas, que até podem viver no mesmo universo, mas se calhar em planetas diferentes.
Setúbal tem sido ao longo dos anos uma cidade com grande produção musical, desde o metal até à música electrónica. De que forma é que a cidade e as suas pessoas influenciaram o vosso projecto? Sentem que é um projecto de Setúbal ou algo mais geral?
Marta: Setúbal é incontestavelmente a mãe de muita boa música, e temos essa noção e orgulho bem presentes. Mas não sentimos que Museum Museum tenha grande influência sadina. Sinto que vamos buscar inspiração a focos muito mais gerais do ser humano e do que nos rodeia. O efeito que a nossa cidade poderá ter em nós cinge – se ao estado de espírito que a cidade nos dita com o ritmo que nós próprios adquirimos. É nesta cidade que trabalhamos e socializamos maioritariamente, o que por vezes nos dilui o foco da introspeção.
Portugal tem assistido a um grande boom internacional, com projectos como Moullinex, Surma ou Dead Combo a mostrarem o que de melhor se faz no nosso país. Quais são os projectos nacionais que mais vos inspiram e de que forma é que olham para a musica nacional actual?
Miguel: Coisas boas acho que sempre houve. Temos é cada vez mais acesso ao que se faz e todos os dias surgem projectos novos. Ainda assim , sinto muita afinidade com projectos com qualidades e texturas mais “cruas e primordiais” como Filho da Mãe e O Bisonte (RIP) , ou “vozes” singulares como Rodrigo Leão e Manel Cruz.
Marta: É como o Miguel explicou. Mas acrescento que tal como sempre houve boa música, também sempre houve ruído. Honestamente, por vezes sinto que o que é bom e nacional não fura tão facilmente no mercado. Mas, felizmente, o que é bom começa a ter maior clareza. Inspiram-me os Lavoisier, muito pelo amor e genialidade musicais. O Manel Cruz principalmente pela inquietação bem canalizada e o Samuel Úria com a fluidez e domínio do Português.
Com que projectos nacionais é que gostariam de actuar e porquê?
Marta: No fundo… para mim, qualquer projecto com pessoas musicais genuínas.
Miguel: Júlio Resende. Génio.
Como é que um músico em Portugal consegue conjugar a sua carreira musical com outros projectos profissionais que possa ter? Tendo em conta que a conjuntura financeira em Portugal para as artes nunca foi uma grande fonte de rendimento. De que forma é que ultrapassam esses desafios? Estão envolvidos noutros projectos além da música?
Miguel: Quando a criação se torna uma necessidade, acredito que arranjas os meios de uma maneira ou de outra para continuares a fazer aquilo que precisas de fazer. Equilibramos as contas com actividades ligadas às áreas que estudámos . A Marta é recém Mestre em Biotecnologia e eu tenho trabalhado on e off no sector do Turismo, área em que me licenciei.
Além do EP, possíveis datas de apresentação e videoclips, o que podemos esperar de Museum Museum no futuro?
Marta: O 2.º single está apontado para Dezembro de 2018 e o lançamento do EP [produzido por Kimahera] para a primeira metade de 2019. Até lá vamos tocar dia 1 de Setembro no The Backstage em Setúbal, e no Música à Mostra (festival de showcases de projectos nacionais novos) a acontecer em Setúbal no dia 29 de Setembro.
Podes ver aqui o vídeo do single “My Grandmother’s Words”.