Entrevista ao historiador israelita Ilan Pappé sobre a ocupação israelita da Palestina

por Fumaça,    18 Maio, 2018
Entrevista ao historiador israelita Ilan Pappé sobre a ocupação israelita da Palestina
Historiador e professor de história israelita Ilan Pappé / Fotografia É Apenas Fumaça
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O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do É Apenas Fumaça, um projeto de media independente, e foi originalmente publicado em www.apenasfumaca.pt.

Gaza já foi uma região diferente. Foi conquistada e reconquistada, destruída e reconstruída variadíssimas vezes, e usada como cidade porto de vários impérios: persa, fenício, romano, bizantino, egípcio, otomano, britânico, entre outros. Em 1931, os censos realizados pelo Mandato Britânico, que à altura colonizava a Palestina, mostravam que o subdistrito de Gaza – uma região um pouco maior que a atual Faixa de Gaza (ver mapas abaixo) – tinha menos de 100 mil habitantes.

À direita, mapa do subdistrito de Gaza, em 1931, sob jurisdição do Mandato Britânico. À esquerda, mapa da Faixa de Gaza, em 2018.
Fonte: Adaptado de Uishaki e NordNordWest /Wikimedia Commons

Uma década mais tarde, em 1948, o Estado de Israel era criado e iniciava-se o período a que os palestinianos se referem como “Nakba” (ou catástrofe, em português). Metade da população palestiniana – 800,000 famílias – foi expulsa e 500 vilas foram destruídas pelas forças militares israelitas. Um relatório da Organização das Nações Unidas, de 1961, revela que em 1949 já existiam entre 800 mil a 900 mil refugiados palestinianos. Hoje, os palestinianos são a maior população de refugiados do mundo, com cerca de cinco milhões de refugiados, superando a Síria e o Afeganistão.

A Faixa de Gaza foi, desde essa altura, uma região para onde muitas famílias se exilaram durante a Nakba e todas as subsequentes guerras e massacres que se deram nas décadas seguintes. Por isso, a sua população foi crescendo a um ritmo alucinante. Os dados mais recentes mostram que vivem em Gaza quase 2 milhões de pessoas – sendo que 1.3 milhões são refugiadas – num retângulo de 365 kms quadrados do qual não podem sair sem uma autorização do governo israelita ou egípcio.

A Faixa de Gaza está cercada desde 2007. De um lado, o Mar Mediterrâneo, controlado por Israel. Do outro, a fronteira com o Egito, fechada desde então, e apenas aberta a passagem circunstancialmente. A ONU reportava, no final de 2016, que desde Outubro de 2014 a passagem de Rafah, para pessoas que queriam sair (ou entrar em Gaza) apenas esteve aberta um total de 72 dias. No terceiro, uma cerca criada por Israel, em 1994, delimitando uma fronteira imposta unilateralmente, mas que não é reconhecida internacionalmente.

Os mais de dez anos de bloqueio têm fechado a população de Gaza naquilo que David Cameron, ex-primeiro Ministro britânico, descreveu como “uma prisão a céu aberto”. As importações estão limitadas a bens essenciais, tendo vários relatórios alertado para o facto de Israel “limitar o número de calorias” que deixa entrar no território. A eletricidade é assustadoramente precária – a população tem acesso a apenas 4 horas de eletricidade, no máximo. Água potável, não existe – 1,2 milhões de residentes não têm acesso a água canalizada e, para os que têm, 97% dela é demasiado poluída (com excesso de sal e esgoto) para poder ser bebida. Uma em cada duas pessoas estão desempregadas. No livro “Politicide: Ariel Sharon’s War Against the Palestinians”, Baruckh Kimmerling descreve a Faixa de Gaza como “o maior campo de concentração que alguma vez existiu”.

A 30 de Março deste ano, um protesto organizado pela população palestiniana a que chamaram “A marcha do grande retorno”, levou milhares de pessoas para perto da cerca criada por Israel, exigindo que o bloqueio a Gaza terminasse e que lhes seja permitido o regresso às casas ou vilas, abandonadas à força em 1948. Durante este protesto semanal, que começou em Abril, durou sete semanas e culminou a 15 de Maio, dia em que se comemora a “Nakba”, morreram mais de 100 pessoas e milhares ficaram feridas. A maior parte não armadas. A maior parte assassinadas por tiros disparados pelo exército israelita. Foi o maior massacre que aconteceu em Gaza na última década.

Os e as protestantes atiravam pedras, arremessavam granadas já usadas pelo exército israelita ou pneus e outros objetos em fogo, alguns deles caídos ainda antes da cerca. Israel, um dos mais poderosos exércitos do mundo, respondeu com tiros sob manifestantes, bombardeamentos por drones – apresentados como uma das últimas coqueluches do armamento israelita – e granadas de gás lacrimogéneo. As forças militares israelitas defendem o uso da força com o facto de protestantes estarem visivelmente a tentar destruir a cerca, tentando ultrapassá-la – alguns com sucesso – e entrando, portanto, em território que Israel assume como seu. Ainda assim, protestantes foram mortos a 50 e a 100 metros dessa mesma barreira, como foi o caso de Laila Anwar Al-Ghandoor, de 8 meses, morta por uma granada de gás lacrimogéneo, ou Fadi Abu Salmi, 30 anos, que se encontrava numa cadeira de rodas depois das suas duas pernas terem sido amputadas como reportou Sharid Abel Kouddous.

Rupert Colville, porta voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, disse na segunda-feira que a tentativa de ultrapassar a cerca “não representa perigo de vida ou de ferimentos sérios e não é suficiente para justificar o uso de tiros”. O assassínio de civis desarmados e que não representem ameaça à vida é um crime de guerra. Philip Luther, diretor no departamento de investigação da Amnistia Internacional para o Médio Oriente, disse, no mesmo dia,: “Isto é uma violação dos padrões internacionais, com as forças israelitas, em alguns momentos, a cometer aquilo que parecem ser crimes de guerra”. Já Raj Shah, porta-voz da Casa Branca, nos Estados Unidos, afirmou que os protestos eram uma “grosseira e infeliz tentativa de propaganda“.

Propaganda era o que acontecia em Jerusalém, na mesma altura em que a matança se dava em Gaza. Dezenas de pessoas juntavam-se para a inauguração da embaixada dos Estados Unidos da América. Uma mudança ainda a meio gás (as instalações não estarão em total funcionamento num futuro próximo, estando uma grande parte dos seus trabalhadores ainda em Tel Aviv) mas que tornou os Estados Unidos da América o primeiro país do mundo com uma embaixada na cidade sagrada depois de décadas sem missões diplomáticas aí sediadas. No passado houve outras embaixadas na cidade, mas mais de dez países retiraram-nas, nos anos 1980, em protesto contra a ocupação de toda a cidade de Jerusalém, por parte de Israel. Ontem a Guatemala fez o mesmo e há mais países a anunciarem essa intenção. Jared Kushner, assessor e genro de Donald Trump, disse durante a cerimónia: “Como vimos durante os protestos do mês passado e ainda hoje, os que provocam a violência são parte do problema e não solução”, referindo-se aos protestantes palestinianos que eram mortos às dezenas.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, assumiu que “os métodos não letais não funcionam” em Gaza e que, portanto, a única solução é atirar a matar. Ilan Pappé, historiador israelita, explica, em entrevista ao É Apenas Fumaça, o comportamento das autoridades israelitas nas últimas décadas com um termo cru: “limpeza étnica”. Diz que, desde o início do século XX, o movimento sionista e, mais tarde, o Estado de Israel, sempre tiveram como plano a “purificação de um espaço étnico misto e a sua transformação num espaço que pertence a apenas um grupo étnico”, expulsando os árabes da Palestina. Por isso, o autor de “The Ethnic Cleansing of Palestine” defende que Israel devia ser julgada por crimes contra a Humanidade.

Conversámos sobre a criação do Estado de Israel, a Nakba, o papel das Nações Unidas durante todo este processo – que o autor apelida de criminoso – e de como Israel, no seu entender, implementou “um Estado colonial de apartheid”.

Texto e entrevista: Ricardo Ribeiro
Preparação: Maria Almeida e Ricardo Ribeiro
Captação e edição de som: Bernardo Afonso
Captação e edição de vídeo: Bernardo Afonso e Frederico Raposo

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