Entrevista. Barbixas: “A ironia é uma figura de estilo que não está a ser compreendida”
A Cia. Barbixas de Humor, ou Barbixas, é uma parceria entre Anderson Bizzochi, Daniel Nascimento e Elidio Sanna, formada em 2004 no Brasil. Agora, 14 anos depois da sua formação, depois de mais de 1 milhão de espectadores em “Improvável”, um espectáculo de improviso há 11 anos em cena, regressam a Portugal para uma mão-cheia de espectáculos, muitos já esgotados. Na bagagem trazem o facto de terem mais seguidores no canal de Youtube do que as cidades de Lisboa, Porto e Coimbra têm no seu conjunto e muito humor, sempre improvisado.
Estivemos à conversa com os Barbixas e foi o que se segue.
Não é a vossa primeira vez em Portugal, também não será a última, qual é a maior diferença entre o público português e o público brasileiro, tendo contextos culturais completamente diferentes?Anderson – Primeiro vamos ao receio que tivemos quando viemos em 2011. Tínhamos muito receio de que haveria uma barreira da língua. Apesar de teoricamente não haver, a gente tinha um receio de “caramba, será que vão entender a gente e tudo mais” e a gente descobriu, uma coisa quase que óbvia, que vocês percebem – entendem – muito mais a malta toda do Brasil do que nós os portugueses. Primeiro essa barreira foi quebrada em 2011, foi um alívio. E da segunda vez que viemos, no ano passado, foi um gap muito grande…
Elidio – “Gap” para vocês aqui de Portugal é… (risos)
Anderson – E foi muito bom, a recepção foi maravilhosa. Perguntou da diferença do público, …
Daniel – Acho que o público aqui aplaude mais. É até estranho para nós. Que lá, nós acabamos o espectáculo e todo o mundo “Ehhhh” e a gente fala “obrigado, gente”. Aqui, da primeira vez que viemos, achámos que éramos as pessoas mais famosas, que tinha sido o melhor espectáculo. As pessoas ficavam a aplaudir, e nós falámos “nossa, gente, que loucura” e ficámos um pouco sem graça. Nós fazemos isto no Brasil, igual, e não tem isso aqui. Então acho que o público aqui aplaude muito mais. Eu sei que pode parecer pouco, mas não é.
Elidio – Chega a mobilizar-nos nessa estranheza. Do género “será que vai acontecer alguma coisa?”
Anderson – É, vão pedir o quê, “bis”?
Tendo uma performance de improviso, qual é o fio condutor, pode ser um truque ou aquilo que não se conta?
Anderson – Eu acho que o fio condutor vai surgindo de acordo com o espectáculo. Como fazemos jogos de improviso, o primeiro jogo acontece alguma coisa na cena, é muito normal fazermos uma primeira cena, depois temos uma segunda cena, terceira. E na quarta, no quarto jogo da noite, já com 30 minutos de espectáculo, é normal surgir de repente, porque existe a ferramenta cómica, surgir uma personagem que já surgiu na história. E é muito normal e é gostoso de fazer em cena isso lá para o último jogo da noite, quando encerramos, fazermos uma amarração e as personagens juntam-se na mesma história. Para passar a impressão, nós muitas vezes não fazemos isso de forma propositada, mas fica a impressão de que tudo faz parte de uma grande história. Gostamos de dizer isso,”ah, mudámos de call back”…
Elidio – Tudo acontece na hora…
Daniel – Mas não temos nenhum artifício, acho que a pergunta era isso, e não, nós não temos nada preparado mesmo. E quando as pessoas perguntam “mas não tem nada que vocês já sabiam” ficamos até felizes, porque significa que as pessoas acham que não é improvisado, e de facto não temos absolutamente nada combinado.
Elidio – A gente combinou que a gente não sabe, é só isso que tínhamos combinado.
Anderson – Não sabe e não trazer coisas que já estão na cabeça e pensar em coisas prontas já. Respeitar o momento, e muitas vezes não sabemos o que fizemos no dia anterior. Apagamos tanto da memória, já está tão programado que às vezes encontramos um fã que foi assistir e diz “ah, eu fui naquele espectáculo da lagartixa, do lagarto” e a gente diz “qual?”, não nos lembramos.
Elidio – A gente se prepara para viver aquele instante e estar naquela hora, sem nada acertado mesmo.
Quando se improvisa, as coisas podem fluir de uma forma mais natural e sem barreiras pré-definidas, que se anulam quando existe um texto a priori. Alguma vez disseram algo que não foi aceite pela audiência ou que causou polémica?
Daniel – Acho que não. É lógico que o público… nós pedimos ao público e o que vem é sempre uma coisa simples e em cima de uma coisa simples a gente constrói uma cena. Normalmente o público acha que tem de ser engraçado – e criativo – para a gente fazer comédia e realmente não é preciso. Esta introdução para explicar que o tema muitas vezes não é polémico.
E não pode surgir a meio uma questão mais polémica?
Daniel – A gente pode construir a cena para um caminho mais politicamente incorrecto, mas é raro, não fazemos muito. Não atacamos demais esses lugares. Eu acho que agora talvez mude, no Brasil está a mudar bastante, o que é politicamente correcto, o que não é politicamente correcto, por causa das ultimas eleições, vamos dizer assim, mas a gente não bate muito nisso. E quando batemos, às vezes o público reage e construímos com o público não só o tema que ele dá mas a forma como reage ao que estamos a fazer. Então se contamos uma história e o público ri aqui, vemos que estamos mais próximo e o público quer rir mais ali. Então a reacção do público também nos conduz para a cena. Que houvesse uma reacção em massa do público em que ele ficaria “nooosssa, que coisa errada” é rara. Nas cenas improváveis às vezes acontece, porque é um jogo mais curto que fazemos, uma piada às vezes é ruim ou mais ofensiva e as pessoas dão uma reagida. Mas é muito raro.
Elidio – Mas a gente não faz quase nada que seria politicamente incorrecto, sem que seja uma ironia quase a quem faz. Eu sei que não fui claro agora, mas é… nós não abordamos temas que alguns comediantes que queiram ser mais transgressores, como uma premissa, abordam. Evitamos às vezes polémicas, mas se estiver muito encaixado na cena que construímos e existe uma coisa deste tipo, a gente abraça e faz. Mas não saímos com essas coisas previamente.
Anderson – Seria forçado. Se o tema é dentista, seria um pouco forçado demais o dentista começar a falar sobre “e esta questão polémica”, porque um dentista estaria a dizer isso? Então fica uma coisa até quase forçada e muitas das polémicas que acontecem são de um assunto actual, e nós, quase como vício, gostamos de fazer coisas intemporais, que daqui a cinco anos não tenhamos de explicar para o pessoal do lado “ah é que na época, essa piada foi feita porque aconteceu tal coisa e tal coisa”. Então daqui a cinco anos a gente vai assistir, como o que o Elidio falou, e tem uma piada sobre uma xícara e toda a gente vai entender essa piada.
No Brasil, e com o novo panorama político, temem que algo mude na vossa forma de actuar ou de improvisar?
Uníssono – Só o tempo o dirá (risos)
Elidio – Eu acho que se houver tampouco será uma coisa que vamos sentir rapidamente, uma coisa aqui, uma coisa ali. Não sei se vai dar tempo de haver uma coisa que a gente sinta…
Daniel – Talvez no mundo já tenha acontecido isso, mas eu vou dizer do Brasil. O Brasil é uma terra que aconteceu tudo aquilo que previram e o que não previram, então…(risos) O Brasil é uma terra em que as previsões não funcionam, ao mesmo tempo que sim então (risos) é realmente parecido com o nosso espectáculo, não sabemos o que vai acontecer.
Elidio – O Brasil devia ter uma plaquinha “Estamos improvisando”. Mas eu acredito que a princípio não vamos enfrentar nada grande.
Mas a vossa posição não é nada política, como estavam a dizer.
Daniel – O nosso espectáculo sim é muito chapa branca. Como estamos a criar o espectáculo, a nossa posição política está na nossa ideia e não temos como escapar. Porque fazemos coisas irónicas, uma pessoa pode entender como quiser. Então se eu faço uma cena onde eu faço um negro e digo “é muito difícil e todo o dia eu morro” eu estou a ser irónico, porque eu acho que é isso que acontece. Mas uma pessoa que não gosta de negros diz “ah, é muito bom mesmo, devia matar os caras mesmo”
Elidio – A ironia é uma figura de linguagem que não está a ser compreendida actualmente.
Daniel – É, muito complexo. Mas acho que passámos pelo período mais complexo de eleições no Brasil. Uma separação muito grande de ideologias, as pessoas brigaram muito, e o nosso espectáculo… a gente não conseguiu nem uma vaia… então quer dizer… é muito triste. Se naquele momento, que estava a pegar fogo, não aconteceu nada, eu acho que agora…Não acho que vá ser um problema, só se for uma coisa num espectro muito maior. Se quiserem destruir o Ministério da Cultura, não pode haver mais teatro, uma dessas coisas apocalípticas.
Anderson – Se vocês quiserem, eu tenho dois ou três amigos que podem ir vaiar a gente.
Daniel – Vamos contratar!
Anderson – Mas não podemos combinar, porque nada é combinado.
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O regresso dos Barbixas a Portugal contou com sessões esgotadas em Estarreja, Casino da Póvoa de Varzim e dada a elevada procura de bilhetes, no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, além dos espectáculos já anunciados às 21h30, a 19 e 20 de Novembro, há uma sessão extra no segundo dia pelas 19h30.
No ano passado os Barbixas celebraram os 10 anos do espectáculo “Improvável” em Portugal com praticamente todas as datas esgotadas. Este ano trazem de novo o espectáculo com o qual se tornaram um dos mais reputados colectivos de comédia de improviso do mundo, sendo que, por não haver um guião de base, não há duas sessões iguais.
Diversos nomes do humor internacional já participaram no “Improvável”, entre eles Fábio Porchat (Porta dos Fundos), Gustavo Miranda (Colômbia), José Luiz Saldanha (México) e César Mourão (Portugal).
Além dos números impressionantes nos espectáculos ao vivo, os Barbixas têm uma forte presença online, tendo entrado para a lista das 100 webséries mais vistas do mundo em 2010 e reunindo mais de 700 milhões de visualizações no seu canal de YouTube.
Porto • 19 e 20 novembro • Bilhetes aqui