Entrevista. Bartolomeu Gusmão: “Sempre questionei e quis explorar o mundo e as artes plásticas concretizam esse exercício”
O Azeméis Seasons Sounds, festival de música e arte, está de regresso.
Foi na quarta edição que se encerrou um ciclo de estações, as quais contaram com os mais variados nomes do mundo da música portuguesa, como: Luís Severo; Noiserv; B Fachada; Janeiro; You Can’t Win, Charlie Brown; entre outros. Todos eles sempre acompanhados por uma vertente artística, proporcionando momentos únicos, que já soma diversas performances, exposições e projeções audiovisuais.
Como a falta de ritmo lhe é desconhecida, desta vez o festival surge de uma forma reinventada e segura, para fazer frente às circunstâncias atuais. Durante uma semana vão ser lançados três episódios de uma série documental que incluirá entrevistas exclusivas e uma live session. Do lado artístico apresentam Bartolomeu Gusmão, e do musical First Breath After Coma.
No segundo episódio, que fica disponível já hoje, é possível encontrar uma entrevista feita a Bartolomeu Gusmão e visitar o seu atelier.
Bartolomeu Gusmão, nascido em Lisboa no ano de 1993, é um jovem artista e atual residente nas Caldas da Rainha.
Cresceu num ambiente propício à criatividade e então desde muito cedo começou a estabelecer ligações com a arte, mais concretamente o desenho. Formou-se em Artes Plásticas na ESAD e desde então tem vindo a colaborar com diferentes artistas e empresas, para além do desenvolvimento do seu trabalho pessoal artístico.
No decorrer do documentário, Bartolomeu conta a sua história, a sua relação com a pintura e o desenho, as fragilidades da área e ainda o impacto que sentiu na sua vida com o aparecimento do Covid-19.
Eis um pequeno excerto do que podes ver no documentário:
Quando é como é que começou a tua história com a pintura?
Acho que, como a maior parte das relações que as pessoas têm com as coisas, foi uma coisa gradual. Não houve um momento na minha infância que tivesse dito “Vou ser pintor!”, não foi dessa forma. Sempre gostei muito de desenhar, sempre gostei muito de pintar, mas sobretudo sempre fui uma pessoa muito curiosa (…). Sempre tive muita vontade de fazer perguntas, de questionar o mundo, de explorar o mundo… E talvez pudesse ter ido para filosofia, para ciências, para história… qualquer área que desse para explorar essa coisa da criatividade, da investigação. E com o tempo fui percebendo que era nas áreas das artes plásticas onde isso se podia concretizar de uma forma mais efetiva. Portanto foi uma questão gradual.
Ter uma estrutura familiar que trabalha na área arte/design, fez com que pintura se tornasse a escolha óbvia ou trouxe-te uma abertura e liberdade para seres o que quisesses?
Os meus pais tinham uma empresa de design que apareceu quando eu nasci, que é a P06, e eu saía da minha escola onde também desenhava muito. A minha professora contava que eu tinha preferência por cores escuras, usava sempre o lápis, a caneta, uma coisa muito de desenho… e ela até se preocupava “Porque é que tu não usas cores?”, que é uma coisa que eu agora estou a tentar descobrir no meu trabalho, é a cor. E é curioso que sempre desenhei muito na escola e chegava (…) ao atelier dos meus pais, que era o meu ATL, um espaço onde eu tinha grandes plotters, com folhas grandes e acabava por desenhar muito. Ou seja, havia essa dimensão de materiais que me era dado, mas sobretudo era um meio onde uma conversa sobre artes, uma ida ao museu era mais frequente se calhar que noutras famílias. E isso terá sido positivo.
Consideras que o meio e a cidade onde produzes (Caldas da Rainha) importante para o desenvolvimento do teu trabalho?
Quando eu acabei o curso aqui nas Caldas (da Rainha), havia alguma pressão dos meus pais, de amigos que viviam na capital que me diziam que a arte precisa da questão do capital, do dinheiro e precisa da visibilidade de uma grande cidade. E acabei por ficar nas Caldas por razões afetivas, e cada ano que passa estou mais contente de estar cá por várias razões. Tenho uma série de amigos, tenho um meio (…) afetivo e social de pessoas que querem fazer o mesmo que eu, têm os mesmos sonhos, posso debater o mesmo tipo de problemáticas com eles… E é uma cidade que tem o tamanho de umcorpo humano como eu costumo dizer, dá para ir para o outro lado da cidade, que é onde tenho a minha casa, e é pouco mais do que 1km e essa dimensão é interessante. Nem é muito pequeno para que não seja demasiado isolado, ou seja, tenho materiais, tenho infraestruturas, mas também não é demasiado grande que me impeça de ter o tempo de fazer aquilo que eu quero e de ter um certo regime contemplativo. E para não falar daquela razão óbvia que é os preços das casas em Lisboa e no Porto que estão híper inflacionados com a questão do turismo e dos vistos gold. E então as Caldas acaba por ser um sítio barato. Estão a ver aqui este atelier, tem um preço que em Lisboa não era possível. Tenho colegas com espaços desta natureza, quase 500€. Portanto Caldas da rainha é uma cidade bonita, dá-me tempo para fazer o que eu quero e a cada ano que passa estou mais feliz de estar cá.
Para além da tua prática artística, tens outro emprego?
Sou professor do ensino básico de crianças do 1.º ao 4.º ano, onde ensino artes visuais. É um trabalho que me dá o ganha pão quando não vendo pinturas nem desenhos e é um trabalho que me serve curiosamente para fazer pinturas e desenhos, porque o trabalho das artes plásticas tem uma dimensão intelectual que é importante para mim mas tem sobretudo e mais do que isso uma dimensão de ingenuidade, de espontaneidade. E a criança é o exemplo máximo disso, não é?
Com qual das vertentes é que te identificas mais? Sempre trabalhaste pintura?
Eu sou mesmo é um desenhador. Eu acho que desenho melhor do que pinto, mas eu quero pintar mais. Então sinto que o que eu estou a tentar fazer agora é tentar perceber como é que eu posso pintar. E acabo por preferir pintores que têm uma questão de desenho na sua pintura.
Onde procuras inspiração?
Comecei a trabalhar com elementos mais geométricos, muito racionalista de tentar perceber assim uma certa abstração geométrica das artes visuais. E mais recentemente fui-me cansando um bocadinho desse registo que também admiro. Mas o que me interessa agora perceber é a questão da natureza. Acho que é um conceito misterioso e bastante amplo. O que é que é a Natureza? Para os gregos natureza vinha da palavra grega phusis, que quer dizer aquilo que revela velando. É um tipo de força que a rompe e determinadas civilizações vão definindo essa força de uma forma à maneira dessa civilização. Ou seja, o conceito de natureza é mais plástico e mais maleável do que possamos pensar. E recentemente este conceito tem aparecido mais no meu trabalho: as plantas, os animais, formas, vegetais que se misturam com formas animais, com formas do corpo humano. Isso tem-me fascinado recentemente.
Para assistirem à entrevista completa, podem fazê-lo através do IGTV ou perfil do Facebook do Azeméis Seasons Sounds.