Entrevista. Branko: “Este álbum é um passo grande na direcção de isolar cada vez mais o som naquilo que sou mesmo só eu”
Com o rebentar da pandemia, muitos aproveitaram a explosão solitária do confinamento para se reinventarem e descobrirem novas formas de existir. Para João Barbosa, isso passou por perceber como queria abordar este período de eventos adiados e concertos cancelados. A resposta passou por viajar por Portugal e mostrar os seus dotes para a mistura musical justapostos com paisagens do nosso país. Esses DJ sets conseguiram capturar as virtudes musicais do artista mais conhecido como Branko, inspirado pela beleza do nosso território nacional. No final do processo, os encontros virtuais entre público e artista permitiram que o laço que os une se aprofundasse e que Branko lançasse um novo álbum de originais, adequadamente intitulado de OBG (Obrigado), em honra de todos aqueles que o apoiaram neste período difícil para a cultura.
O novo longa-duração de Branko foi mote para uma conversa com o artista. Fomos recebidos pelo próprio na loja Komum, um projecto de Branko que abriu a 22 de Janeiro de 2022 e que pretende trazer a cultura do streetwear e dos sneakers mais exclusivos e de edição limitada para a baixa lisboeta. Depois de uma pequena tour e algumas dicas sobre as várias ofertas na loja, a Comunidade Cultura e Arte sentou-se com Branko para falar sobre o concerto no Sónar e o consagrado retorno da Enchufada na Zona, o novo álbum e as inspirações por trás do mesmo, assim como sobre o futuro da música portuguesa.
Como foi o concerto no Sónar? Que balanço fazes da curadoria da Enchufada e desta primeira edição do festival em Lisboa?
Foi muito fixe, fiquei positivamente surpreendido. O Sónar é um festival de que sempre gostei e sempre tive uma relação forte. A primeira vez fui ainda como Lil’ John, foi dos primeiros sítios fora de Portugal em que eu toquei o “Yah!”. Com Buraka [Som Sistema] visitámos muito o festival e sozinho também já fui um par de vezes. É um festival feito por pessoas que gostam de conhecer música nova e gostam de dar a conhecer música nova, e sempre esteve muito bem curado a nível do que intercalava e da oportunidade que dava a artistas de se apresentarem a audiências maiores do que aquilo que era o tamanho dos artistas na altura. É muito interessante haver um festival focado na música electrónica com essa mentalidade, e foi importante estar presente na primeira edição, principalmente com o regresso do conceito do Enchufada na Zona, que já não acontecia desde Outubro de 2019 no Capitólio. Não quis fazer um concerto porque era um fim-de-semana de celebração e apetecia-me mais criar um momento de uma pista de dança contínua, seis horas de música sem parar. Funcionou super bem e as pessoas que foram, foram para aquilo, estavam ali para ver os artistas da Enchufada, e a música electrónica global esteve ali em destaque. Acho que para mim e para o Sónar foi uma aposta ganha, terem dado espaço ao som de Lisboa, tanto connosco como com a Príncipe no dia anterior. Tem pernas para andar, mas precisa de uma casa. Eu gosto do formato de Barcelona, de ter tudo junto no mesmo espaço. Acho que para o tipo de festival que é — tão desafiante ao nível de te apresentar música diferente — precisas dessa proximidade para correres o risco de ires parar a um palco de uma coisa que não conhecias de lado nenhum e ficares um fã para a vida.
O obrigado do título do álbum é para quem?
Para mim foi muito importante e mesmo decisivo sentir o apoio das pessoas que continuavam a seguir, a quererem saber, a estarem atentas, a partilharem. Essa relação que eu acabei por criar com o mundo virtual foi super motivacional para tudo, para continuar a pensar em música. Isto mudou, mas o interesse continua aqui. Isso deu-me confiança para fazer um disco quase todo instrumental, que até ao momento não tinha tido coragem [para fazer]. Essa confiança veio por sentir que a audiência estava lá, isso marcou-me muito e é a razão por que existe um disco. Por isso é que me fez sentido dar o nome como agradecimento. A narrativa mantém-se e, com o passar do tempo, vou-me sentindo cada vez mais confortável para isolar cada vez mais o som naquilo que sou mesmo só eu. Este álbum é um passo grande nessa direcção e vem mesmo dessa gratidão de me aperceber que as pessoas não desapareceram e que, se calhar, até acabei por ganhar uma audiência maior com os sets e com os livestreams em casa.
Qual foi o tema de partida para este álbum?
Acho que o momento em que me apercebi que estava a fazer um álbum foi quando fiz o set de Guimarães. Criei três músicas novas para o set e acabei por gostar mesmo delas ao ponto de, com essa perspectiva, conseguir olhar para trás e perceber que já estava a meio de um disco. O “SDDS” toquei-o em Lisboa, na Serra da Estrela toquei o “ETA” e em Guimarães toquei o “ABR” e o “CTG”, tema com a participação do Iúri Oliveira. O “CTG” foi o tema que me deu esse conforto. Foi bem recebido, as pessoas falam do tema e que faz parte da vida delas numa série de circunstâncias diferentes, e isso para mim é especial.
Disseste numa entrevista que OBG é um álbum mais pessoal. Porquê apostar tanto nos samples e não mostrares mais das tuas melodias?
Quando comecei a produzir, trabalhava-se muito com packs de samples e sample CDs. Como eu não sabia criar a nível de notas e escalas, era uma colagem musical de juntar uma voz de um amigo meu que tinha gravado num minidisc com um sample de um Hammond B3 e depois meter um beat em cima. Senti-me a ir para esse lado, era um momento de estúdio completamente diferente e as coisas foram feitas maioritariamente em casa, e trabalhadas com duas colunas pequeninas. Tudo isto teve um ar bem mais caseiro do que eu alguma vez tive a nível de apresentação. Quando estava a trabalhar no ATLAS, a viagem foi para cinco estúdios diferentes que tinham sempre gente a entrar, há pessoas que apareceram só e que gravaram alguma coisa, nem sequer estavam marcadas para colaborar no disco. Aqui, sem dúvida que o silêncio me levou a ir atrás dos samples, de memórias também, pensar em melodias que me chamavam a atenção. No caso da “SRA”, a melodia era de uma cantiga de embalar tradicional da Beira Baixa que a minha bisavó me costumava cantar — a música chama-se mesmo “Embalo”. E também muito sampling de coisas antigas que eu vivi no início dos anos 2000 e que com a pressa da vida fui deixando meio parada. Agora deu-me algum prazer ir ouvir essas coisas e memórias, que acabei por tentar incorporar no disco.
Falando sobre o planeamento dos DJ sets e como se relacionam com as demos que foste produzindo, há alguma música que esteja especialmente ligada com um sítio onde tenhas feito um set?
Sim, apesar de haver umas misturas um bocado fora, ideias que eu comecei para um sítio e só acabei quando já estava num set mais à frente. Associo muito o “ETA” ao set da Serra da Estrela, foi um tema pensado para aquela paisagem. Convidei a Rita Vian para gravar uma frase de voz exactamente por ela ter participado no set. O “ABR” está muito marcado com a ideia de Guimarães, foi um set que anteviu um concerto sentado em Guimarães, e senti que estava a criar música para depois a ir tocar um mês a seguir num concerto. O “SRA” tinha mais a ver com o set da Serra da Estrela, era um sample que eu já tinha na altura mas não tinha conseguido fazer nada com ele. Acabou por ficar vinculado aos Açores, abri o set com esse tema. Todas as músicas têm coordenadas de todos estes espaços geográficos onde aconteceram os sets. Também por isso é que me fez sentido que a capa do disco e todo o grafismo do projecto passasse muito por screenshots de todos os sets e composições fotográficas com base nessas imagens.
Depois do ATLAS sair, lançaste uma versão expandida do mesmo. No Nosso fizeste uma edição gratuita disponível apenas no SoundCloud e Bandcamp, com misturas de temas do álbum. Tens alguma coisa planeada para a tua terceira aventura a solo?
Como o disco é tão instrumental, estou a trabalhar em remixes de vozes. Passa por convidar algumas pessoas interessantes para fazerem versões vocais dos temas. Não acho que será um momento como foram os outros, vou lançando à medida que forem sendo criadas. E também estamos à espera do vinil, que só vai chegar no início de Setembro. O OBG vai ter um período longo de descoberta e de evolução.
Tens tido a oportunidade de trabalhar com vários artistas como a Rita Vian ou o Pedro Mafama, impulsionadores deste Novo Fado. Usares como single de apresentação uma música que usa um sample de uma cantiga da Beira Baixa é a tua forma de mostrar que também te sentes inspirado por esta mistura de mundos? É algo que podemos esperar mais no futuro, esta mistura entre a tua electrónica global e o nosso património nacional de música tradicional?
Para mim é inspirador, relativamente àquilo que eu possa fazer com a música tradicional portuguesa, a Rita Vian e o trabalho que fizemos para o EP, o Pedro Mafama e o Por Este Rio Abaixo; trabalhar nesses projectos dá-me uma perspectiva nova sobre o meu próprio trabalho. Não é uma música que está a ser reciclada do passado, o passado está presente mas é uma música que é feita muito a pensar no futuro. Quando eu penso no set da Serra da Estrela — a versão [do tema] de Madredeus, o tema com a Rita, uma música do projecto Lina_Raül Refree — muita da música que está presente no set tem esse carácter. Toquei uma série de coisas dessa nova geração ou dessa nova direcção que eu acho muito interessantes e que acho que vão ser mesmo o futuro da música portuguesa em português. É a abertura de um universo e de uma porta nova que neste disco existe e que se calhar não existiu em nenhum disco anterior até agora.