Entrevista. Brenda Chapman. “Nos grandes estúdios de animação, ser mulher nunca foi um problema para mim. Até começar a ser”
Ariel está numa rocha e começa a cantar. Eleva-se quando a onda lhe toca. Bela cura as feridas do Monstro, os dois discutem. Mufasa, do cimo do céu, relembra Simba qual o seu lugar na selva. Todos estes momentos fazem parte da singular coleção de filmes dos maiores estúdios de animação do mundo, Pixar, Disney, DreamWorks, que a partir do final dos anos 80 criaram memórias no imaginário de tantas e tantas pessoas que ainda hoje, com um simples descrever dessas mesmas cenas, é possível dizer: “lembro-me tão bem disto”.
Brenda Chapman é a cabeça por detrás destes momentos descritos. Nunca se achou grande desenhadora e agarrou-se ao storytelling com unhas e dentes. Foi preciso pedalar mais do que os outros, de colegas que começaram na mesma altura a referências da animação, de Burny Mattinson, Vance Garyou a Joe Raft, que morreu demasiado cedo. Tudo era ultrapassado quando entrava para uma sala, repleta de sketchs, storyboards e desenhos, onde todos discutiam as sequências, o princípio, meio e fim do próximo filme. Chapman foi primeira mulher a entrar para a realização de um filme de animação. “Príncipe do Egipto”. A primeira a vencer um Óscar com “Brave”. A primeira a criar uma protagonista feminina da Pixar: Merida. Uma das primeiras a entrar numa indústria de homens na supervisão de histórias (story department) da Disney, trabalho que conseguiu depois de se formar no California Institute of the Arts, porque “era necessário ter uma mulher” naquele meio masculino. Pensar que antes tinha saltado de uma pequena cidade de Illinois para Tóquio, com apenas 20 anos, a trabalhar para um programa de televisão dedicado ao wrestling. Nem o melhor guionista se lembraria disto.
Mas se ser a primeira tem consequências. O de viver preso a esse feito. Ou o de se ser afastado dele. No fim de “Brave”, saiu por “divergências criativas”. Afastou-se do sistema, tornou-se numa outsider, atravessou um longo período de depressão. Já resolveu o passado. Até o que deixou no seu primeiro filme de imagem real, “Come Away” (2020), lugar onde tão proximamente não quer voltar. Está a preparar um romance, uma biografia, uma peça de teatro e um regresso à animação. Talvez mais independente. Talvez mais longe dos grandes palcos deste género que, para a autora, estão repetitivos e aborrecidos. Esteve esta semana no Fest — Novos Realizadores I Novo cinema, em Espinho, para dar uma masterclass sobre como criar um legado na animação através do storytelling.
Quero começar por uma questão técnica. Olhando para filmes de animação como os do “Homem-Aranha”, parece haver uma nova abordagem no tipo de animação usado. Estamos a falar de um momento de viragem para este sector? Ou será já demasiado tarde?
Não, acho que não é tarde. Acho que estão a tentar, de facto. O CGI está para durar e veio para ficar. Dá-nos muitas ferramentas diferentes, mas, por exemplo, agora estou a fazer um filme em que sabia que tinha de usar CGI por questões de eficiência. Claro que pensei sempre como poderíamos manter a parte visual: desenho à mão, o toque humano e esse look. Acho que é isso que estão a tentar fazer e que muitos nós, na animação, sentem saudades. Dar uma perspectiva mais artística e não tanto perfeita e límpida. Os filmes da Pixar e da DreamWorks são muito assim, parecem todos o mesmo, está a ficar aborrecido.
“Não gosto quando estão a tentar ser eficientes mas de uma forma pouco sincera. Prefiro algo que tenha falhas.”
E não é só isso: essa repetição de fórmula ressente-se nas bilheteiras. Nos últimos anos tem acontecido esse fenómeno.
Parece que já vi isto a acontecer. É difícil quando estás dentro de um grande estúdio de animação e achas que estás a fazer algo diferente mas depois usas as mesmas ferramentas e truques usados no passado. É complicado sair e ter essa perspectiva.
Recentemente falei com animadores portugueses que dizem o seguinte: quem está na animação tem de ter uma certa obsessão pelo que faz. Ainda sente essa obsessão? E o que é, na verdade?
Estou mais virada para o lado apaixonado. Gosto da animação porque é imperfeita. Os filmes de que gosto mais são imperfeitos. A nível técnico, é como se estivessem sempre à procura de como “partir” as personagens. Como aconteceu no “Brave”. Esconder as imperfeições mas o público pode senti-las. E claro, também não gosto quando estão a tentar ser eficientes mas de uma forma pouco sincera. Prefiro algo que tenha falhas.
Em Portugal, por questões orçamentais, caminhamos mais para o lado artístico. Agora que é uma outsider, sente essas limitações na pele? É um bom desafio?
Foi algo que aprendi em na universidade de Artes da Califórnia. Existem parâmetros: tens de trabalhar assim, usar esta forma, esta cor e tem de ser aí. Tornas-te mais criativo para o alcançar, mesmo com esses parâmetros. O céu é o limite, grandes orçamentos podem fazer-te perder o foco. Os grandes production designers e character designers encontram a mensagem que querem para a parte que estão a trabalhar. Ao contrário de: olha, conseguimos fazer tudo, vamos colocar tudo na tela. Não me relaciono com isso.
“Estou mais virada para o lado apaixonado. Gosto da animação porque é imperfeita. Os filmes de que gosto mais são imperfeitos.”
Também está com medo da Inteligência Artificial? Cada vez mais usada nas redes sociais com propósitos criativos e não só.
O que é assustador é que há empregos que vão desaparecer se isto não for controlado. Mas também há um lado de brincadeira na IA. Claro que não vamos ver novos artistas a emergir se deixarmos que tome conta da área artística. Outra vez: imperfeição, é aí que nos conectamos pelo lado humano. É um pouco como a transição das carroças com cavalos para os automóveis. Falávamos de progressão, certo, mas foi criada outra indústria, com novas pessoas e ideias, sempre à procura de a melhorar. Sim, os homens dessas carroças perderam os empregos mas geraram-se novos empregos. Com a IA, não. É tirar e não dar de volta.
Nos Estados Unidos da América é um dos assuntos mais quentes.
Sim, é. É por isso que os guionistas estão em greve, o que, sendo membro da WGA, tem o meu total apoio. A resposta das empresas tecnológicas tem sido muito fria. Não querem saber. É tudo sobre dinheiro, vai se perder o elemento humano. É assustador.
Nota muita diferença de como se trabalha em animação hoje em dia em relação aos anos 80/90, quando a Brenda esteve em filmes como “Príncipe do Egipto” ou “Pequena Sereia”?
É difícil de dizer.
Por vezes faço perguntas difíceis.
É que os filmes de imagem real…
…sim, também fez um.
Oh meu deus, é verdade. Acho que não vou fazer outro.
“Sinto que com os filmes da Disney existe uma máquina de marketing por trás que entra na mente dos mais pequenos.”
Temos de falar sobre isso.
Certo. Acho que neste momento, falando dos dois géneros, não me relaciono nada com este catadupa de filmes que nos batem na cara, todos de uma vez. Há pouco tempo para descansar e sentir o que as personagens estão a sentir. É demasiado intenso. Ninguém pára porque se não o público aborrece-se. Isso preocupa-me. Os bons filmes, mesmo os do “Homem Aranha”, têm momentos únicos, entre pais e filhos. Ainda estão lá. Mas estão a ficar cada vez mais reduzidos. Talvez seja porque estou a ficar velha, mas foi sempre com que me preocupei.
Nos últimos anos, que filmes é que ainda contém esses momentos?
A minha mente fica em branco com essas perguntas.
Pode ser que surja algum na conversa. Falemos de banda-sonora. Tenho uma sobrinha que decorou a letra toda do filme “Vaiana” e nunca mais parou de cantar. Lembro-me que quando era miúdo as canções ficavam-nos também presas ao ouvido. Acha que a importância da música está-se a perder?
É uma combinação. Sinto que com os filmes da Disney existe uma máquina de marketing por trás que entra na mente dos mais pequenos. Já vi uns recentes em que as músicas não se tornaram memoráveis. Esse foi um dos prazeres de trabalhar com o Howard Ashman (conhecido por criar canções de filmes como “A Bela e o Monstro” ou “Pequena Sereia”), sabia como escrever letras de que nunca nos iremos esquecer. O Alan Menken também, tinha a habilidade de criar o tom para acompanhar a letra e ficar no ouvido. Por vezes é difícil encontrar os compositores que consigam dar essa entrega.
O mundo está cheio de músicas.
Os miúdos podem estar a ser demasiado expostos. Ver o que determinada música te faz sentir para que recordes mais tarde, é como na altura em que toda a gente falava da música “Bruno”, do “Encanto”, e eles nem queriam que essa fosse a que se tornasse num hit. Nunca sabemos qual vai ficar popular.
Pode ser essa busca que ainda mantém a grande indústria de pé.
Sim.
À medida que foi trabalhando com os grandes estúdios foi-se desapontando ou ficando mais certa de que tinha escolhido a profissão certa?
O meu tempo na Disney, estive lá oito anos da minha vida, naquele período apelidado de “Renascimento” da Disney, que começou com a “Pequena Sereia”, o meu primeiro filme. Estava no céu. Sabia porque é que estava lá. Adorava cada segundo. Era mágico. Se olhar para trás, tive dias maus, claro. Depois, a DreamWorks, criou um novo estúdio, para competir com a Disney, foi divertido. Contar uma boa história, uma mensagem que inspirasse ou só dar uma escapatória às famílias. Significou muito para mim.
Como era um dia normal? É difícil para países mais pequenos como Portugal entrar nessa rotina de grande escala. Ainda agora, e só agora, íamos vencendo um Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação mas perdemos para a Apple.
Ah, o “Ice Merchants”. Vi no Canadá. Gostei muito. Adorei. Muito bonito e tocante. Vi-o com o meu marido em Vancouver, eramos júris. Adorámos.
“Contar uma boa história, uma mensagem que inspirasse ou só dar uma escapatória às famílias. Significou muito para mim.”
Retomemos a parte do dia normal.
Estava na parte da história [story department, em inglês]. Queríamos todos fazer um bom filme, tínhamos um papel e fazíamo-lo em conjunto. É do que sinto mais falta. Esse ir para a frente e para trás, com uma idade, com um sketch. Dizer que sim, dizer que não. Era como jogar bola com muita gente.
Era agressivo?
Não. Quer dizer, houve estúdios em que si. Não me entenda mal, mas claro que podes ficar frustrado quando os executivos fazem declarações ou exigências pouco criativas. Esses tempos não foram bons. Mas, todos os dias trabalhava numa sequência, trazia sempre alguém para ver se a ideia era boa, era divertido.
Um recreio.
Um pouco, sim. Pequenos miúdos mas maduros o suficiente sobre o que estávamos a fazer.
Tinham todos a mesma idade?
Não. Tinha 20 e poucos anos. Os meus mentores estavam lá também, ficaram lá dos 30 anos aos 60 anos. Burny Mattinson, que morreu este ano. Vance Gary, era um prazer trabalhar com ele. Também havia aulas para melhorarmos.
Era como ir à escola.
Sim.
Imagino-vos dentro de uma sala com desenhos de um lado para o outro.
É disso que tenho saudades. Muita gente sente falta disso, dessa parte mais tradicional. Os “storypads” desapareceram. Dantes, quando se acabava uma sequência, era pendurada no hall, os editores, os pintores de background [back ground painters, em inglês], toda a gente podia ver o que estava a acontecer. Ficar inspirado. Todos tinham um vislumbre do que se estava a passar no filme. Quando cheguei à Pixar, ainda estavam a trabalhar com storyboards em papel, mas no filme seguinte, já não. Só se podia ver o design de produção. Ficou-se a saber menos sobre a produção do filme, do seu progresso. Nos meus projectos tento sempre ter o meu staff de edição nas reuniões, por exemplo.
Para que não seja uma fábrica.
Exacto. Não quero que isso aconteça.
Vamos a curiosidades. Que partes destes filmes em que trabalhou tem orgulho de dizer que são seus?
Tenho alguns. Um dos que tenho muito orgulho é aquela cena quando a Ariel está a cantar e ergue-se na rocha. O processo dessa cena foi também uma das experiências mais humilhantes da minha vida. Um orgulho e uma humilhação. Na Disney, havia uns eventos chamados “diários” em que, uma vez por semana, íamos ver toda a animação que estava a ser feita no filme. Uma espécie de mostra interna, Toda a gente ia. Lembro-me de mostrarem essa cena, eu era miuda, estava muito entusiasmada. De repente, quando ela se ergue, as pessoas começam a rir-se. Não era suposto. Depois percebi: as minhas skills de desenho não eram muito boas. A Ariel era muito magra, o pescoço dela tinha o tamanho de uma girafa. Foi horrível. Senti-me muito humilhada. Na semana seguinte, a cena volta a ser mostrada. Não tinha trabalhado nada. Toda a gente voltou a rir-se. Não havia computadores, foi preciso filmar outra vez, cortaram o pescoço e colocaram um pedaço de fita cola para tapar. Foi lisonjeador porque não redesenharam a cena.
Quando é que entra para a sala de grandes decisões?
Quando estava a trabalhar no “Brave”, também estava a trabalhar nos “Incredibles”, mas nas grandes reuniões, não nos departamentos onde trabalhava anteriormente, por exemplo. Todos sabíamos que os filmes estavam a ser feitos e em fases diferentes.
“No “Brave” é tudo orgânico. Acho que o “Vaiana” não teria sido feito sem o “Brave”. A Disney não teria considerado fazer esse filme se o meu não tivesse existido antes. Mas gosto muito desse filme, não estou a falar mal. Considero que o “Brave” abriu portas, de facto.”
Como é que era possível não falar destes filmes com amigos e familiares? É certo que tinha contratos de confidencialidade.
Exacto. Mas eu e os meus colegas passávamos muito tempo juntos, depois do trabalho. Com quem não podíamos falar, falava-se noutros assuntos. Podíamos dar pistas, pouco mais.
Mencionou aí o “Brave”. Penso que haverá um antes e depois neste filme. Personagem feminina a seguir um percurso não tradicional. Princesa desconstruída. Olhando para trás, que marca é que acha que deixou?
É difícil de dizer. Acredito que contribuiu para que outros filmes fossem feitos. O “Entrelaçados” já tinha sido feito. Aí também estavam a tentar tornar a personagem feminina mais forte. Só que eu queria virar a mesa ao contrário. Uma princesa? Sim. Mas vamos torná-la mais realista. Tentei criar uma história entre mães e filhas. Não havia. As mães estavam sempre mortas ou relegadas para segundo plano. Cumpri o que queria. Acho que também quebrámos barreiras a nível tecnológica, especialmente com o cabelo dela. Se virmos os filmes anteriores da Pixar, há insectos e carros, era tudo mais contido. Não havia orgânica. No “Brave” é tudo orgânico. Acho que o “Vaiana” não teria sido feito sem o “Brave”. A Disney não teria considerado fazer esse filme se o meu não tivesse existido antes. Mas gosto muito desse filme, não estou a falar mal. Considero que o “Brave” abriu portas, de facto.
Foi também a partir daí que se tornou numa outsider do sistema de animação, tendo saído por divergências criativas. Já deixou esse episódio para trás das costas?
Teria sido bom um bom pedido de desculpas mas agora não interessa. Entrei num período muito negro, a correr contra paredes. Também tive questões pessoais fortes, relacionadas com a minha filha durante a sua adolescência. Não me transformou num urso mas… [ri-se] muito do que se passou nessa altura estava fora do meu controlo. Depois também tivemos o caso da DreamWorks, em que o Jeffrey Katzenberg cancelou muitos filmes, muita gente saiu prejudicada. Tive uma série de lições difíceis que achei que não tinha de aprender, mas tinha. Foram os meus anos na escuridão. Em retrospectiva, abriu-me os olhos. Sei por onde seguir.
“Os filmes da Pixar e da DreamWorks parecem todos o mesmo, está a ficar aborrecido.”
Sentiu-se esquecida?
Sim, senti. Deixada para trás. A pensar se tinha valor, se tinha algo para oferecer. Tive uma depressão, pura e simplesmente. Durou mais tempo do que estava à espera. Felizmente, tive e tenho bons amigos e uma bela família. E colegas na indústria que não me esqueceram. Sim, acho que fui esquecida durante algum tempo, dependendo de quem estava na cadeira do poder. Acho que agora pode haver espaço para voltar. Gostava de realizar outra vez. Também posso ser produtora executiva ou mentora. Também estou a tentar escrever alguns livros e uma peça de teatro.
Livros?
Sim. Um romance e uma biografia. Quando penso num livro de memórias fico constrangida. Será que alguém quer ler? Mas também gostava que as pessoas se sentissem inspiradas. Que tocasse nas pessoas, de que há esperança para seguir em frente. O facto de ter feito aquele desenho mau na “Pequena Sereia” mas ele continua lá. Esse é o meu objetivo.
Estou a fazer-lhe estas perguntas porque quando pesquisamos o seu nome surge sempre: “a primeira mulher a”, e depois aconteceu tudo isto. Acha que foi mais fácil ser afastada por ser mulher?
Sim, sim. Com certeza. Por isso é que sou uma outsider. não sabiam como lidar comigo, como ver-me como um par. Eu fiz “Jackpot” quando me contrataram na Disney. Quando me mudei para outros estúdios foi um choque, porque todos os mentores na Disney eram homens. Eram incríveis, carinhosos e profissionais. Fazia parte da equipa. Só de vez em quando é que alguém dizia: és a única mulher no departamento. Não era problema. E depois tornou-se num.
O seu primeiro trabalho foi na Disney?
Em animação sim, mas quando estava a estudar fui parar a uma empresa, a DIC Animation City, que tinha uma sigla sobre a qual não sabíamos o significado então ficou: “fá-lo barato” [“Do It Cheap”]. Era televisão. Mandaram-me para Tóquio até uma vez. O meu primeiro programa foi “Hulk Hogan Rock and Wrestling”.
Uau. Não estava à espera disto.
Exacto. Eu “limpava” [“clean”, termo usado para classificar os profissionais que tratam de acertar ou corrigir os desenhos em animação] adereços e storyboards. Era dos poucos artistas que já animava. Havia muitos designers. Mandaram-me para Tóquio fazer playback de personagens [ri-se]. Nunca tinha feito isto. Estavam lá uns animadores canadianos, eram muito simpáticos. Ensinaram-me tudo.
Que idade tinha?
Tinha 22 ou 23 anos. Uma loucura. Venho de uma pequena cidade de Illinois, onde mora muito pouca gente, fui para Los Angeles e acabo em Tóquio. Um choque cultural. Mas estava pronta. Fui para Los Angeles estudar animação, sabia que era a área que adorava. Um dia vi os créditos de um filme animado e fiquei: a sério que as pessoas fazem mesmo isto tudo? Comecei a pensar que queria trabalhar na área, escrevi uma carta à Disney, enviaram-me uma brochura da universidade. Fui rejeitada a primeira vez.
O que é que fez para entrar?
Bom, primeiro chorei imenso. Trabalhei com um professor de Nova Iorque, que não sabia nada de animação mas a partir da brochura da faculdade e da crítica que me tinham feito na resposta, começámos a trabalhar numa proposta sobre uma aula de dança. Desenhei todos os dançarinos, ia para o campo e começava a desenhar cavalos…
Quando era mais nova também desenhava?
Sim, desde que peguei num lápis.
Era boa?
Não. Na escola era, mas na faculdade não. No entanto, acho que o que me fez ser contratada foi o storytelling. Isso foi o que me fez entrar na faculdade. O puzzle de colocar a história de pé é que me entusiasmava.
Algum filme que a inspirou nos inícios dos inícios?
Um dos que fiquei até ao fã foi o “Jóia Encantada”.
Já o viu outra vez?
Não. Por acaso não. Devia.
Porque é que não quer fazer outro filme de imagem real outra vez?
Aprendi muito. Agora já saberia o que fazer de forma diferente. Não vetei a equipa técnica nem os produtores. Mas havia quem lá estivesse só para subir na vida. Não para fazer um bom filme. Eu adoro o processo de storyboard. De desenhar a história até seguir para produção. E em imagem real é completamente diferente. Em animação estamos sempre a redesenhar [“reboard”]. Na edição, neste caso, não tinha tudo o que queria. Foi muito stressante. Na animação há limitações de tempo, claro, mas na parte da escrita e história, pode-se reescrever, cometer erros, etc, algo que não se pode fazer nos filmes de imagem real.
Algum conselho para futuros talentos num mundo onde toda a gente está a competir cada vez mais?
Agarrem-se à individualidade. Sim, mostrem que conseguem fazer o estilo que os grandes estúdios querem, mas mostrem o que valem. A qualidade única que pode ser um bom acrescento aos filmes.
Acha que ainda há espaço para essa individualidade?
Penso que sim. Não tive de fazer um portfólio ou procurar trabalho, sei que é difícil. Está mais competitivo do que quando comecei. Não havia tanta gente a entrar. Só que agora fazem-se muitos mais filmes, há mais ferramentas para criares os teus. É possível encontrar um caminho de os realizar. É um mundo diferente, aquilo que posso fazer é inspirar os outros para que continuem a tentar. Perseverança é o necessário. Se desistirem, acabam na caixa de areia onde fiquei enfiada naqueles anos mais complicados.