Conan Osiris: “Ninguém é só uma coisa e se o é, é porque alguma coisa está mal”
Ao terceiro dia do festival Bons Sons, tivemos a oportunidade de entrevistar um dos artistas em maior ascensão a nível nacional, Conan Osiris. Numa sala pequena de uma das casas da aldeia e rodeado de bolos e de doçaria variada, falámos sobre influências, dimensões e modos de ser.
Antes do início da entrevista, falámos um pouco sobre a sua fase estudantil, onde o artista explicou que tinha frequentado o curso de Design Gráfico no Politécnico de Castelo Branco, ESART. Apesar de não o ter concluído, já por lá andava a criar música por iniciativa própria, o que seguiu, depois de regressar a Lisboa, é conhecido de todos.
Cresceste num meio de uma família que te tenha exposto a sonoridades tão distintas ou foi um processo de pura auto-descoberta?
A minha mãe, que era quem eu apanhava a ouvir mais música, não me mostrava directamente músicas, mas influenciou-me indirectamente.
E como tu acompanhavas…
Exactamente, acompanhava o que ela estava a ouvir, porque não podia fechar os ouvidos, né? Ouvia a minha música: a Rádio Cidade, ouvia bué Rádio Cidade, ouvia bué Onda Choc, que foram as primeiras cassetes que eu tive. Depois, comecei a ouvir bué Iran Costa. Depois, quando fui para o Cacém, começou [a mãe] a mostrar-me mais Kizomba, Kuduro, tive acesso a essa música toda… Funaná também. Depois, na faculdade foi quando começou a haver a parte da descoberta pela net até ir para a loja [trabalhar], já em adulto, onde ouvia muita música pelo YouTube. Em suma, é isto.
Sentes que a tua música e os diversos estilos que a caracterizam (sonoridades nacionais, africanas, árabes, etc.) também são fruto de uma globalização à qual todos estamos expostos hoje em dia, inclusive com o surgimento da internet?
Tudo o que eu faço são estilos de música que eu oiço e que eu gosto. Eu estou agora recentemente a fazer um exercício de que eu gosto, porque o pessoal anda sempre a pedir referências das cenas que eu gosto e eu nunca me lembro, então eu agora, no meu Insta, estou a pôr sempre clipes, uns clipezinhos de cenas que eu gosto e têm lá toda a diversidade. Dá para ir explorando e é fixe nesse sentido, o pessoal pode ir consultar sem me estar a perguntar isso, porque bué da vezes eu próprio não me lembro de tudo o que eu gosto, então às vezes é muito difícil citar todos os nomes, etc., então essa parte é fixe.
A Amália [Rodrigues] é a referência mais directa que fazes nas tuas músicas, nomeadamente em “Amália”, e é uma referência para ti; mas, actualmente, quais são os artistas nacionais ou internacionais que segues? Ou somente ouves o que vai aparecendo, por exemplo, na rádio?
Eu não oiço muita rádio, mas gosto de ir vendo cenas novas. Às vezes nem oiço muito da mesma banda. Por exemplo, imagina, se um grupo novo que eu até acho piada faz uma release vou ouvir uma bequinha e fico “olha, isto é bué fixe”. Não é que eu consuma, porque às vezes consumir música para mim é bué estranho, eu não sei no meu dia como consumir música. Isto é uma coisa nova para mim, porque antigamente quando estava muito na loja a trabalhar, muito tempo fechado, tinha que estar sempre com o input de ouvir música diferente e acabar por descobrir mais cenas. Agora, estou num sítio onde não estou a descobrir tanto, estou mais a descobrir-me a mim e as coisas que possa querer fazer, que nem sequer me lembrava.
Então, isso significa que não vais a muitos concertos?
Ya, não vou… no outro dia, dizia a alguém que os únicos concertos que vi na vida foi… Diane [?], uma bacana folk, Santamaria no Cacém, as Tentações no shopping ao pé da minha casa, Venga Boys na Semana Académica. Tipo, eu não sou uma pessoa que vá muito a concertos. Lembro-me de ser puto e ver o anúncio do concerto da Alanis Morissette, eu nem a conhecia muito bem, mas aquilo chamou-me bué. Só que como eu era puto, na minha família não havia muita tradição de ir a concertos. Mesmo que eu dissesse “mãe, quero ver a Alanis Morissette” eu sabia que eu não ia, estás a ver? Então, isso ficou um bocado em mim, infelizmente.
Mas não achas que isso é uma contradição, sendo tu um artista musical também?
Lá está, eu não tenho ninguém na minha família que faça música, ninguém canta na minha família, eu não tenho convivência com músicos, então eu ir a um concerto tem de ser uma coisa que tem de ser mesmo assim “vamos combinar a ir a um concerto”, estás a ver? Uma coisa muito certinha. Não é tipo, “ai, olha, hoje vamos sair e ver um concerto da ‘não sei quantas’, que acho que é ali à esquina”. Não faço isso.
E os estilos que ouvimos um pouco na tua música, um pouco de árabe, por exemplo, são escolhidos de forma intencional ou é sempre tudo muito natural?
Lá está, efectivamente, são as coisas que eu ouvia e ainda oiço, como por exemplo, música grega, música dos Balcãs, eu ouço bué árabe…
Mas quase natural, ou não…
Talvez, essa minha influência já começou há bué tempo, por causa da telenovela “O Clone”. Na realidade, foi aí que comecei a ouvir bué mais música árabe e a partir daí nunca deixou a minha vida. Nessa altura tinha praí 14 anos. Então, foi uma coisa que sempre esteve presente, então a partir daí fui explorando. É óbvio que faz sentido para mim, mas não sei explicar-te “arquiteturalmente”.
Estávamos muito curiosos em saber como é que o João, o dançarino da banda, se integrou neste projecto que, na nossa opinião, faz tanto sentido na tua música, porque, de certa forma, ele próprio ajuda o público a saber como se expressar e dançar durante o concerto.
Sim, eu compreendo isso. A cena é que eu já o conheço desde que ele tinha seis anos, porque ele é irmão de uma das minhas melhores amigas de sempre, a Sreya, e já nos conhecemos na boa há uns 15 ou 14 anos, então ele sempre seguiu as minhas cenas e na primeira vez que foi para haver uma apresentação (acho que foi no 5 para a meia-noite), primeira vez que eu toquei ao vivo actually, eu disse “meu, tu sabes isto de cor, portanto vem, dança” e depois ficou.
E a dança dele não é treinada.
Não, nós não ensaiamos coreografias, não ensaiamos nada e essa é uma das partes excitantes, porque nós nunca sabemos o que vai sair e quando sai é algo mesmo bonito e isso é bué fixe para nós. E isso volta outra vez para as pessoas como dupla coisa boa.
Uma coisa que tu fizeste foi universalizar o conceito de música trazendo o conceito de feira popular, onde todas as pessoas convivem no mesmo espaço, todos dançam, independentemente das suas raízes, desde uma pessoa de Cascais até alguém de Castelo Branco, por exemplo. Concordas com esta ideia? Fizeste questão de ser assim ou foi tão natural que só te apercebeste depois?
Eu comecei a perceber isso depois, depois de o pessoal começar a agarrar bué nas coisas, porque eu próprio posso ser um bocado essa beta de Cascais ou eu posso ser calhandra de Lisboa, estás a ver? Essas dimensões estão todas dentro de mim de alguma forma, e de quase toda a gente, ninguém é só uma coisa e se alguém é só uma coisa, é porque está alguma coisa mal. Então, é por isso que faz sentido, porque se faz sentido para todos os meus “eus”, então também faz sentido para todos os “tus” das pessoas.
Tu criaste uma persona, até com a tua forma de vestir. (interrupção)
Hum, ok.
Não achas?
Não é, a cena é que não é uma persona, sou só eu a ser a minha parte maior, não sei se isto faz algum sentido. Claro que se eu for buscar pão não vou estar todo vestido, por isso não dar jeito.
Então, a música foi buscar um outro lado da tua pessoa que já existia.
Sim. Em palco, é o que é suposto ser “interdimensionalmente”. E na rua é na rua, não dá jeito ser interdimensional na rua, porque tens de estar concentrado no plano de existência. Aquilo é uma amálgama de todos os lados.
Os álbuns de Conan Osiris podem ser ouvidos em streaming no SoundCloud e BandCamp.