Entrevista. Daniel Sampaio: “Faltam equipas multidisciplinares de saúde mental que atuem junto dos doentes e suas famílias”
O psiquiatra e professor Daniel Sampaio defende que “os Centros de Saúde [CS] deveriam estar organizados para responder às situações leves e moderadas da Psiquiatria.” A seu ver, fazem falta na rede pública “equipas multidisciplinares de saúde mental que atuem junto dos doentes e suas famílias, evitando a hospitalização.” Psicologia e psiquiatria deveriam atuar, sempre, em comunhão e de forma coordenada para o próprio bem do paciente — os casos deveriam ser discutidos em conjunto. Na entrevista cedida à CCA, via e-mail, avança ainda que quanto ao Bullying e Cyberbullying (que aumentou durante os confinamentos), deveriam existir nas escolas comissões anti-bullying com professores, alunos e funcionários. A ler na entrevista que se segue.
Num artigo do ‘Semanário Expresso’, do início deste ano, sobre como 11 personalidades nacionais olhavam para o ano que aí viria, 2021, frisou como a falta de respostas nos nossos CS [Centros de Saúde] se repercutia na invasão dos serviços de psiquiatria com casos ligeiros em 2020. Como olha, especificamente, para esta questão e qual o papel que os CS devem ter?
Os Centros de Saúde deveriam estar organizados para responder às situações leves e moderadas da Psiquiatria. Para isso deveria haver um psicólogo por cada centro, meta de que estamos muito longe. Em articulação com os Serviços de Psiquiatria (através de reuniões regulares), os casos seriam discutidos em conjunto. Deste modo, as situações menos graves de depressão e ansiedade poderiam ser tratados nos Centros de Saúde, deixando os casos graves para os Serviços de Psiquiatria.
E quanto à rede de psiquiatria pública, o que acha que poderia melhorar?
O que faz falta na rede pública (SNS) são equipas multidisciplinares de saúde mental que atuem junto dos doentes e suas famílias, evitando a hospitalização. Estão previstas no Plano de Recuperação e Resiliência da União Europeia, vamos ver se se concretizam. Nalguns casos as instalações estão velhas e degradadas, necessitando de obra urgentes (como por ex., no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, que nunca teve obras profundas).
Nem sempre há a noção de como a psicologia e a psiquiatria podem actuar, em alguns casos, em conjunto para o melhor interesse do paciente. Pode explicar como essa articulação pode funcionar? Quando é que a psicologia deve actuar e quando é que a psiquiatria deve actuar.
Devem atuar sempre em conjunto, numa verdadeira equipa de Saúde Mental, que também deve incluir o enfermeiro especialista e a assistente social. O psicólogo dedica-se à psicoterapia e o psiquiatra ao diagnóstico e terapêutica medicamentosa mas, repito, devem atuar em equipa.
A questão da medicação em excesso não é nova Essa não é uma questão que nasceu, apenas, com a pandemia. Medicam-se ansiolíticos a mais em Portugal? Quais as consequências?
Os ansiolíticos causam dependência e afetam a memória, a longo prazo. A razão do excesso de prescrição deve-se sobretudo à falta de psicólogos nos Centros de Saúde.
Um dos problemas que tem sido mais focado no seio da adolescência nesta pandemia é o aumento do cyberbullying. Como olha para esta questão? E quanto ao bullying em geral, o que deve ser feito?
O cyberbullying esteve aumentado no confinamento, em muitos casos. Para resolver esse problema é necessário criar nas escolas Comissões anti-bullying, envolvendo estudantes, professores e funcionários.
Em relação aos mais novos há, também, a questão do adiamento da adolescência nos pré-adolescentes pela quebra dos contactos e pelo fecho que houve das escolas. Há esse medo. Isso poderá ser, facilmente, ultrapassado ou poderá deixar algumas marcas?
Os jovens têm grande capacidade de adaptação e resolução dos problemas. Só ficarão marcas naqueles que, à partida, já eram vulneráveis.