Entrevista. Dario Argento: “Continuo a filmar de forma tradicional”
Recentemente, convenceu como actor, apesar de nunca ter deixado de ser cineasta, argumentista e cinéfilo. Falámos com o maestro neste regresso em grande forma ao género giallo.
Foi com os olhos ainda entreabertos pela falta de luz que fomos ao encontro do maestro — que só deixou de fumar charros aos 70 anos, como nos confirma a filha — num hotel bem perto do palácio da Berlinale, em fevereiro passado. Claro, bem como aquela magnífica prestação que deu dele mesmo no filme de Noé. Uma conversa breve, no seu melhor italiano.
Regista com este filme um magnífico este regresso à realização. Mas também a uma colaboração frutuosa com a sua filha. Imagino que tenha sido uma ótima experiência para si.
Sim, foi ótimo poder tornar a trabalhar com a Asia. E a fazer de novo um filme. Mas esta é a minha vida, sabe. Para mim é muito simples fazer um filme. É bastante natural para mim.
E como foi, a Asia também colaborou na realização do filme? Pergunto porque ela também é realizadora, além de ser produtora do filme. Ou será que foi apenas o Dario o “patrão”?
A minha filha ajudou-me na produção. Falou com os produtores franceses, com o Vincent Maraval, da Wild Bunch. Entretanto tive um contacto para fazer a música com a banda Daft Punk. Tudo corria bem até que o manager me telefona um dia e diz-me que a banda já tinha acabado. Foi uma pena porque tive uma ótima relação com eles. Entretanto, a minha filha e o meu amigo Gaspar Noé sugeriram-me um músico francês, o Arnaud Botanic. Trabalhamos muito bem e fizemos uma das melhores bandas sonoras que já tive.
Até que ponto estava ansioso e feliz por regressar ao género e fazer um verdadeiro giallo nos dias de hoje?
Sim, estou muito contente. Mas este é o tipo de filme que faço, que gosto de fazer. Por isso, foi tudo muito orgânico.
O ano passado descobrimo-lo também como actor, em Vortex (ler crítica), precisamente no filme de Gaspar Noé, mesmo estando a representar o seu próprio papel. Chegou a escrever alguns diálogos?
Não, não escrevi nada. Simplesmente, porque esse filme não tinha qualquer guião. Foi tudo improvisado. O Gaspar veio ter comigo e tentou convencer-me, mas eu não queria fazer de actor. Por fim, acabou por me convencer. E acabei por gostar. Foi uma boa experiência. Veja bem até ganhei o prémio de melhor interpretação masculina no festival de Locarno… (risos) Uma coisa incrível para um realizador…
Sente que essa experiência de ter trabalhado com outro realizador o ajudou quando foi fazer Óculos Escuros? Algo que tenha trazido para este projecto?
Sim, sim porque percebi melhor a psicologia dos actores.
Disse que parte da razão de ter esperado dez anos para fazer um filme foi porque a indústria não estava interessada em filme de terror com significado. Pode explicar-nos qual foi para si o “significado” que quis trazer para este filme?
Não é que a indústria não quisesse faze este filme. Foi um período em que me dei tempo para descansar e perceber o que desejava fazer. É algo que sucede muitas vezes com os realizadores. Depois veio o Covid e não pude fazer. Acabei por encontrar um guião que escrevera há muito tempo. Achei que poderia avançar porque era uma boa história. Durante o lockdown, como estava fechado em casa, pude trabalhar nele e atualizá-lo. Mostrei o guião a produtores franceses da Wild Bunch e quiseram logo fazê-lo. Foi assim que nasceu o projecto.
Entre este filme e os que fez durante os anos 70 e 80 existe alguma parte do seu método de trabalhar que tenha subsistido?
A única coisa que mudou foi a electrónica que permite fazer muitas outras coisas. Mas quando vejo algumas cenas feitas a computador percebemos que há ali alguma coisa de falso. Isso não me agrada muito. Nos meus filmes uso CGI e essas coisas, no entanto continuo a usar a forma tradicional de filmar.
Nesta altura está numa fase da carreira em que se começam a fazer remakes do seu filme, como Suspiria (original de 1977). O que pensa disso?
Não gostei nada do que fizeram com o Suspiria (versão de 2018, de Luca Guadagnino). Estava tudo errado. Não existia pathos, a música era péssima. Não gostei.
Mas o que acha do facto de fazerem de novo filmes seus?
Isso já foi feito. Mas não vejo razão nenhuma para o fazer porque foram já apreciados. A única razão poderá ser o dinheiro…
A exploração da ideia da cegueira, é uma das ideias mais terríveis no filme…
Sim, isso foi algo que estudei muito.
Disse que modernizou um guião que já tinha escrito, mas no filme a personagem feminina cega experiência a violência e tenta obter ajuda mas sem sucesso. Acha que numa era #Metoo, essa ideia da mulher que não consegue obter ajuda das autoridades lhe ocorreu? E tem de fazer justiça pelas próprias mãos.
Não tem nada a ver com o #Metoo, isso sempre aconteceu, pois sempre foram vítimas da violência e a polícia nunca fez nada.