Entrevista. Diogo Faro: “A minha ambição é fazer um programa de viagens pelo mundo”

por Miguel de Almeida Santos,    31 Janeiro, 2019
Entrevista. Diogo Faro: “A minha ambição é fazer um programa de viagens pelo mundo”
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Diogo Faro não se considera uma pessoa polémica. Mas o homem por trás da página Sensivelmente Idiota diz que ao aceitar que todas as pessoas merecem os mesmos direitos vai contra a opinião de muita gente. Lugar Estranho, o seu novo solo com data marcada para dia 7 de Fevereiro no Cine-Teatro S. João em Palmela, fala sobre essa sua opinião e visão do mundo. Num café em Lisboa, no processo de recuperação de uma noite louca e pronto para ir ver o Sporting, Diogo falou-nos um bocado sobre o seu percurso e sobre Lugar Estranho, onde discute algumas das questões que o têm assolado nos últimos anos, sendo que “Porque é que eu bebo tanto? Porque é eu vou a tantas festas?” não fazem parte dessa lista. Essas não o preocupam: “Enfim, vou morrer cedo”. De olhos e mente focados na estreia do seu espectáculo, Diogo falou-nos também do seu futuro e da sua paixão predilecta, viajar pelo mundo.

Fala-nos um bocadinho do teu percurso e do que estás a fazer agora.
Eu fiz várias coisas. Fiz o Conservatório todo como clarinetista, mas depois acabei por ir para a Escola Superior de Comunicação Social. Tirei Publicidade e Marketing e depois trabalhei em agências, inclusive na Bulgária, e foi aí que criei a página Sensivelmente Idiota. Era uma cena para amigos, na altura não havia a proliferação de páginas que há hoje em dia, isto foi quase há oito anos. Experimentei fazer stand-up quando ainda estava a trabalhar e gostei muito dessa experiência. Esse gosto, o crescimento da página e o facto de ter começado a fazer trabalhos de animação como speaker onde comecei a ganhar mais dinheiro, fizeram com que eu decidisse “Vou tentar isto”. Trabalhava mil horas por dia como criativo e recebia pouco por isso decidi arriscar e foi há cinco anos e meio que me tornei comediante.

Depois disso fui tendo vários projectos. Fiz o primeiro espectáculo a sério passado um ano, o “Sensivelmente Idiota Talk Show” com banda e convidados como a minha a avó, a Blaya e o Agir, que fiz duas vezes e depois também fiz no Famous Humor Fest [agora The Famous Fest]. Mais recentemente fiz no São Jorge outro talk show, que adorei fazer e que correu muito bem mas que enquanto espectáculo não é viável para a minha dimensão. Entretanto estive na Sporting TV e comecei a escrever para a Sapo 24 e para o jornal SOL e agora estou a apresentar o Black Friday, no Curto Circuito. Vou fazendo stand-up regularmente mas agora é que vou voltar a sério. O que tenho gostado muito é de fazer sempre coisas diferentes.

A tua principal plataforma no início foi o Facebook. Tens notado se com tudo o que tem acontecido recentemente com a plataforma menos gente interage contigo nessa rede social? E tens passado mais as tuas coisas para outras redes?
Eu cresci imenso no Facebook, mas está estagnado há muito tempo. Eles cortaram o alcance [das publicações], cortaram mesmo o algoritmo. Aparecem-te coisas muito menos organicamente para obrigar os criadores de conteúdos a pagarem para aparecerem mais. Eu não vou fazer isso e acho que isso a par de outros factores mudou como as pessoas vão ao Facebook, é muito notícias, pelo menos para mim, vejo notícias e posts de amigos. Por isso, o Instagram cresceu muito e ajuda-nos muito agora nessa divulgação que tem uma componente diferente, e as pessoas estão-se a ligar de uma maneira diferente ao Instagram. Eu partilho uma crónica no Instagram onde tenho muito menos seguidores e chega a muito mais gente e tem muito mais interacções do que se eu a partilhar no Facebook. E continuo sempre a partilhar as crónicas no Facebook e ainda há coisas que são bastante lidas e partilhadas, mas não é como antigamente. Há uns anos tinha logo um grande alcance orgânico, chegava logo a mais gente. Não sei se é um passo certo para o Facebook e como criador de conteúdo não me dá vontade de pagar, dá-me vontade é de não partilhar lá mais nada. E felizmente isso era no início, foi há oito anos e estive muitos anos muito dependente do Facebook. Hoje em dia, além das outras redes sociais eu tenho muito trabalho fora, seja em espectáculos, seja a escrever para jornais, seja na televisão, seja o podcast [Traz Cerveja] com o Pedro Durão. Está a mudar completamente, mas dou pouca importância.

Diogo Faro

A tua mãe é cantora lírica [Isabel Biu], o teu pai maestro [Luís Pedro Faro]. De onde surgiu esse teu amor pela escrita, onde é que isso se encaixa no teu percurso?
Foi uma coisa um bocado natural. Modéstia à parte, sempre fui muito bom a Língua Portuguesa na escola. Os meus pais são músicos, os meus avós não são músicos profissionalmente mas também foram (e ainda são) músicos amadores e o meu primo também é músico e compôs uma peça que está agora no Teatro Nacional D. Maria II, mas sempre fui muito incutido pela minha família a ler. Acho que é impossível escreveres bem se não leres muito, e continuo a gostar muito de ler. Sempre tive muito gozo em escrever desde a escola. Na faculdade também continuei a tentar escrever cada vez melhor e depois passei para escrita de comédia. Gosto mesmo de escrever, e daí já ter editado três livros. Mas eu acho que na minha família o amor é à arte de forma geral. Foi um bocado impossível fugir – não foi uma obrigação, ninguém nos impôs — mas crescermos neste ambiente em que toda a gente canta ou toca acaba por tornar a arte mais inata.

A tua rúbrica da Vox Pop é mais estilo entrevista mas também tentas mandar umas piadas pelo meio. Achas que te ajudou a perceber como é que as pessoas reagem ao teu humor? E achas que estás mais perto de descrever o povo português?
É muito diferente de fazer stand-up, mesmo não sendo a parte editada, é tudo muito improvisado. Penso um bocado nas perguntas antes mas depois estou a jogar com o que as pessoas me estão a dar, a reagir e a tentar puxar por elas, a tentar manipular um bocado para aquilo ficar engraçado e para as pessoas dizerem mais porcaria. É importante que as pessoas que vêem a Vox Pop percebam que aquilo é manipulado no sentido de ser editado com as partes piores para ser mais engraçado. Mas as pessoas dizem mesmo aquelas coisas, há pessoas que pensam mesmo assim! Fiz um há pouco tempo sobre feminismo, e apanhei muita gente que não sabia o que era ou que dizia que não era feminista mas que também não perguntava o que era, rejeitavam à partida uma questão de igualdade de género, e acreditavam em direitos iguais para os homens e mulheres. No entanto, quero que as pessoas que vêem percebam que aquilo não é um estudo, aquilo não é válido estatisticamente, a minha amostra é reduzida. Mas dá para perceber que há tipos de pessoas e pensamentos que eu pensava que já não deviam existir. Aí consigo tirar um bocado ilações de que Portugal ainda está atrasado em muita coisa, há coisas que ainda estão muito erradas.

Diogo Faro

O que nos podes contar sobre o teu novo espectáculo? A questão da Vox Pop e do improviso ajuda-te no espectáculo de stand-up?
Eu faço muito pouco o chamado crowd work, estar a falar com o público, pode surgir uma coisa ou outra mas não tenho isso em mente. Tenho um espectáculo de uma hora todo pensado do início ao fim, e está todo criado à volta das coisas que eu tenho pensado nos últimos anos. Eu acho que estive muito tempo afastado do stand-up porque não me revejo na maior parte daquele que é feito em Portugal. Para mim são coisas corriqueiras, é sempre mais do mesmo. Eu próprio já fiz também, gozar com os betos e gozar com os mitras, coisas que para mim são muito superficiais, situações do dia-a-dia sobre as quais toda a gente já fez humor. Mas vou tentar que este espectáculo seja um bocado diferente do que se vê no stand-up em Portugal, pelo menos ao que o público geral está habituado. Comecei a escrevê-lo há um ano mas sinto que foram os últimos três anos. Li muitos livros sobre os assuntos que vou abordar, vi muitos documentários, viajei muito e falei com muitas pessoas para conseguir chegar à escrita deste espectáculo. Começa com um vídeo que acho que vai ter um grande impacto, e nem é para rir, o meu objectivo é prender logo as pessoas à cadeira. E depois eu entro e desmancho a tensão toda. Falo de estarmos em 2019 e ainda termos problemas como racismo e homofobia e depois passo para uma coisa um bocado mais leve: um bocado mais leve, vá, são os meus problemas com a Segurança Social, a burocracia portuguesa e essas tretas. E há uma grande parte que tem a ver com a identidade de género. Porque é que ainda há tanta transfobia? O que é ser homem em 2019, o que é ser uma mulher hoje em dia? Uma mulher hoje em dia ainda é olhada de lado se disser que não quer ser mãe. Só porque tem capacidade biológica não se torna uma obrigação. Porque é que desde pequenos ouvimos que um homem não chora? Depois os homens crescem a ser reprimidos emocionalmente, porque não choram. Eu choro muito, aprendi a não ter vergonha de chorar nos últimos anos. Choro com filmes, choro a ver momentos bonitos dos meus amigos, choro de tristeza. A identidade de género é um dos principais temas e também falo sobre a morte e as redes sociais. É uma coisa altamente macabra que tenho pensado muito. Nós morremos e fica cá o nosso perfil da rede social… até quando? Quem é que o gere e quando é que aquilo se apaga? E depois disso é o final com uma conclusão que não vou revelar agora.

Sobre o lugar estranho.
Sobre esta minha visão do lugar estranho. Chama-se lugar estranho porque é o mundo na minha cabeça, a minha perspectiva pode estar errada. O lugar estranho pode ser a minha cabeça e não o mundo. Quem for ver o espectáculo depois pode concordar comigo ou não. O Ricardo Araújo Pereira — uma inspiração, dou-me bem com ele e é muito fixe quando te dás bem com um ídolo e consegues aprender com ele — diz uma coisa que eu discordo: ele demarca-se muito da responsabilidade de um comediante em passar opiniões, e se lhe perguntares ele diz-te “Não, o objectivo é fazer rir”. Está bem, é fazer rir e eu não pretendo mudar a opinião das pessoas. Mas fico contente se alguém que é homofóbico ou transfóbico for ver o meu espectáculo e sair de lá, além de se rir, a pensar que isso realmente não faz sentido. Óptimo, excelente, antes não pensava assim.

Diogo Faro

Então achas que os comediantes têm uma certa responsabilidade social.
Acham que não têm nenhuma obrigação de fazer isto, mas eu não consigo fazer comédia de outra maneira, não me apetece falar de assuntos mais normais. Se calhar daqui a uns dez anos faço um espectáculo só sobre o meu dia-a-dia mas acho que não, acho que nunca vai acontecer. Mas com tanta coisa que eu tenho lido, visto, viajado, foi aqui que eu vim dar e não o consigo fazer de outra maneira.

A Netflix anda a apostar mais em conteúdo local. O teu espectáculo vai ser gravado?
Vou gravar de certeza o meu espectáculo e claro que a hipótese Netflix é sempre incrível para mim e para toda a gente que está a fazer solos e a gravá-los. Acho que há público, e pessoas a quererem ver, o público de stand-up está a crescer muito em Portugal. E também por causa do Youtube e do Netflix o público quer ver comédia de qualidade, está a elevar a fasquia para os comediantes. O público português vê muito stand-up português e estrangeiro e já não quer ver só as banalidades do costume, e há piadas que já não fazem sentido hoje em dia. Piadas homofóbicas por exemplo, e não é uma questão de liberdade de expressão ou de proibir certas coisas. Como é quem em 2019 uma punchline pode ser “ah, porque é paneleiro”? Eu não sou nada contra piadas a gozar com os homossexuais, eu acho que se deve fazer humor com tudo e piadas com tudo. Mas para mim já não têm graça. Acho que devem haver comediantes para todos os gostos, acho óptimo a quantidade de comediantes que temos agora em Portugal que enchem salas pelo país todo, é muito bom para a comédia e portanto é bom para mim. Mas acho que o público está mais exigente e exige mais de nós. Acho não se deve proibir nada mas os comediantes devem trabalhar um bocado mais, pensar noutros assuntos, os tempos evoluem, o humor também deve evoluir. E isso é bom para todos, para os comediantes e para o público.

Referiste numa entrevista um piloto de uma série que tinhas, de um mockumentary. Queres falar mais sobre isso e sobre o futuro daqui para a frente?
Está parado, está na gaveta. Tenho várias coisas para este ano mas acima de tudo está o espectáculo. Vai ser muito importante porque foram quase três anos a pensar, pensei muito sobre o que é que nós estamos cá a fazer. Porque acima de tudo eu acho que nós vamos todos morrer num instante, e irrita-me muito a homofobia e a desigualdade de género porque é só impedir que as pessoas sejam felizes. Faz-me muita confusão que as pessoas percam tempo a odiar uma coisa que não afecta nada a sua vida e a sua felicidade. Portanto, o meu solo é o mais importante de momento mas também tenho outros projectos que não posso falar muito. Tenho ideias sobre viagens, guias, que quero muito concretizar este ano mas para já é isso. Vou continuar no Curto Circuito e vou continuar a escrever para os jornais.

Sei que és um grande fã do Anthony Bourdain. Se tu fizesses um programa ao estilo dele, em Portugal tinhas sítios que ias mesmo?
Portugal é incrível, tem cenas acreditáveis que se devem explorar e sobre as quais se devem fazer programas. Não descurando o que gosto de Portugal, a minha ambição seria fazer um programa de viagens pelo mundo. Eu gosto muito de Portugal mas não sofro nada daquele patriotismo bacoco de preservar o nosso país. Eu percebo que temos de nos ligar às coisas, e gosto muito de Portugal, tenho esta ligação à minha família e aos meus amigos. É uma coisa existencial e de identificação, é uma coisa básica da nossa existência, identificarmo-nos, sentir que pertencemos. Andamos aqui todos vivos e ninguém sabe porquê, e das coisas que mais precisamos é de identificação e sentimento de pertença. Eu percebo isso mas não tenho um amor gigante a Portugal face ao resto do mundo porque eu gosto mesmo muito de viajar. Já fui muito feliz em muitos sítios e já me identifiquei com vários sítios, embora queira viver em Portugal e esteja muito feliz aqui. A fazer um programa de viagens será no mundo.

Roteiro para Idiotas, o que aconselharias?
Os conselhos de viagens que eu dou é viajares de mochila às costas e ires, não é ir para os melhores hotéis. Mas as pessoas também têm de estar preparadas para as coisas chatas, tipo ficar vinte horas num autocarro ou sentires-te inseguro nalguns sítios, coisas que não são maravilhosas mas também fazem parte. Podem ir ao Vietname, Camboja ou Laos, o sudeste asiático é interessante. Mas a Índia é que foi uma viagem inacreditável. Mandei-me para lá cinco semanas sozinho, foi duro e muito intenso. Para quem viaja pouco não aconselho que seja das primeiras viagens, pode ir ao Sri Lanka, é uma Índia mas muito mais soft. Há muitos países, vale muito a pena viajar. Quando as pessoas dizem “Ah, eu vim tão mudado”… Se tu viajas e não vens mudado, o que é que foste lá fazer? Se mesmo em Portugal não aprendes uma coisa nova quase todos os dias — coisas básicas, leste uma página de um livro, falaste com alguém — é um dia um bocado perdido. Quando estás a viajar, é tudo mais intenso e, especialmente se viajares sozinho como eu o faço, claro que mudas. Aprende-se muito e vem-se sempre mudado porque aprendeste alguma coisa, é uma coisa natural e óbvia de se viajar e é muito importante. É isso, viajem.

Lugar Estranho vai andar em tour até ao início de Março, com passagens por Palmela, Lisboa, Coimbra, Viseu, Aveiro, Braga e Porto. Os bilhetes estão à venda na Ticketline, na BOL e em locais habituais.

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