Entrevista. Emellin de Oliveira: “Existe falta de interesse político em proteger deslocados climáticos”
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Em 2018, 152 países membros das Nações Unidas adoptaram o Pacto Global para a Migração, o primeiro acordo que estabelece uma série de compromissos para uma migração segura, ordenada e regular. Entre eles, reduzir as vulnerabilidades nos percursos dos migrantes, incluindo “as condições que enfrentam nos países de origem, trânsito e destino”, e “cooperar internacionalmente para salvar vidas e impedir mortes e ferimentos de migrantes por meio de operações de busca e salvamento”.
Foi a primeira vez que um documento de política à escala global reconheceu a existência de migrantes climáticos – e, não, refugiados climáticos. “É já um início, mesmo que bastante subtil”, diz Emellin de Oliveira, investigadora em Direito de Imigração e Asilo na Universidade Nova de Lisboa, numa entrevista feita em janeiro último, a propósito da série “A Serpente, o Leão e o Caçador”. Além de não ser juridicamente vinculativo, este acordo não foi adotado por alguns dos principais responsáveis por violações de direitos dos imigrantes. Estados Unidos da América, Hungria, Israel, Polónia e República Checa votaram contra. Argélia, Austrália, Áustria, Bulgária, Chile, Itália, Letónia, Líbia, Liechtenstein, Roménia, Singapura e Suíça abstiveram-se. Quatro países estiveram ausentes da votação. Ao todo, nove Estados-membros da União Europeia rejeitaram o pacto.
“Mas é importante lembrar também que, normalmente, são os compromissos políticos que levam a decisões jurídicas ou legislativas, posteriormente”, acrescenta Emellin de Oliveira. “O maior exemplo disso é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Per si, não é um documento juridicamente vinculativo, é uma declaração. Os documentos juridicamente vinculativos vieram depois dela, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos”. Este documento, de 1966, foi ratificado por 173 países, incluindo todos os Estados da União Europeia.
A investigadora, que está a fazer doutoramento na Universidade Nova de Lisboa sobre a securitização da migração na União Europeia, acredita que só depois de haver bons exemplos nas leis nacionais será possível criar uma proteção internacional para pessoas forçadas a migrar por causa da crise climática – a que um dia talvez possamos chamar, oficialmente, refugiados climáticos. “Na verdade, a própria evolução da proteção do refugiado ocorreu assim: do local para o internacional. Só se falou dessa proteção a partir da I Guerra Mundial, mas havia proteções locais, desde o Império Romano. A situação mudou quando houve um afluxo massivo de pessoas que careciam de proteção internacional. Criou-se um estatuto, não para as proteger, mas para limitar quem teria acesso àquela proteção. A ideia é a mesma, sendo que agora já não falamos em pessoas que vêm de zonas de conflito, falamos de pessoas que vêm de zonas com alterações climáticas.”
Esta é uma versão completa da entrevista a Emellin de Oliveira sobre refugiados climáticos, que também podes ouvir no episódio “O Leão (parte 2)” da série “A Serpente, o Leão e o Caçador”.